Ensaio Energético

Gap de preços, capacidade de compra e competitividade: nova série de indicadores sobre preços dos combustíveis

1. Introdução

​O Ensaio Energético está lançando uma série de indicadores de energia com o objetivo de oferecer um acompanhamento sobre diversos aspectos relacionados ao setor energético, que é um dos mais importantes e estratégicos para a economia de um país. Os combustíveis são fundamentais para o funcionamento de diversos setores, como transporte, agricultura, indústria, entre outros. Compreender os indicadores dos combustíveis é essencial para entender o mercado e tomar decisões estratégicas.

A primeira série de indicadores a ser lançada é sobre os combustíveis: gasolina, óleo diesel, etanol e Gás Liquefeito do Petróleo (GLP), popularmente conhecido como gás de cozinha. Nesta publicação, vamos abordar a metodologia dos primeiros indicadores dos combustíveis a serem lançados, incluindo o gap de preços da gasolina, diesel e GLP; a capacidade de pagamento dos combustíveis; e a competitividade do etanol em relação à gasolina. Esses indicadores são importantes para entender o panorama do setor e analisar o impacto dos preços dos combustíveis na economia e no bolso dos consumidores.

O indicador de capacidade de pagamento dos combustíveis é uma medida de acessibilidade, que fornece informações sobre a possibilidade de arcar com os serviços de transporte e de cocção de alimentos. Famílias que dedicam o rendimento de vários dias para pagar pelo botijão de 13kg de GLP, por exemplo, encontram-se em situação de vulnerabilidade energética.

O gap de preço dos combustíveis é a diferença entre o preço no mercado internacional e no mercado doméstico. É importante estudá-lo para acompanhar a tendência de preços e entender possíveis implicações. A defasagem de preço pode desestimular as importações, por exemplo, prejudicando o abastecimento interno e a economia.

Por fim, compreender o indicador de competitividade do etanol é fundamental para verificar a atratividade do etanol nas regiões brasileiras e a dinâmica da demanda do combustível. Portanto, os três grupos de indicadores sobre os combustíveis contribuem para que os formuladores de políticas públicas acompanhem o impacto dos energéticos na sociedade.

 

2. Indicadores

2.1   Gap dos Preços da Gasolina, Diesel e GLP

2.1.1 Relevância

Desde outubro de 2016, os preços dos derivados do petróleo seguem o Preço de Paridade de Importação (PPI). Em termos práticos, a implementação do PPI leva ao alinhamento dos preços domésticos aos preços praticados no mercado internacional. Além disso, os preços domésticos também incorporam os custos logísticos (frete de navios, custos internos de transporte e taxas portuárias) e uma margem utilizada para remunerar os riscos pertinentes à operação (como oscilações da taxa de câmbio e estadias portuárias).

Em um cenário recente de abertura do mercado, em especial, do refino nacional, é essencial que os novos agentes se deparem com previsibilidade e transparência para realizarem novos investimentos. Um dos pilares centrais para garantir condições favoráveis aos entrantes é o PPI, pois é um preço compatível com um mercado competitivo. Nesse sentido, avaliar o gap dos combustíveis é relevante pois, em certo grau, quanto maior o gap, maior tende a ser o distanciamento de um mercado da situação concorrencial. Como o Brasil importa derivados, seus preços devem ser um pouco superiores ao PPI para compensar o custo de internalização do produto importado.

Se os preços domésticos dos combustíveis estiverem abaixo do PPI, por exemplo, as importações não são atrativas. Isso porque não seria vantajoso para as empresas autorizadas importarem combustível a um preço mais alto e vendê-lo internamente a um preço mais baixo. Como o Brasil ainda é dependente das importações para suprir a demanda interna por derivados, esse cenário, num caso mais extremo, poderia até acarretar em dificuldades para garantir o abastecimento doméstico. Além disso, prejudica a previsibilidade para os agentes privados, visto que o preço de mercado baliza o comportamento das empresas de um mercado concorrencial.

Por outro lado, caso os preços estejam muito acima do PPI, pode haver um indicativo de poder de mercado, o que também não é ideal se o objetivo da política energética é caminhar para um mercado cada vez mais competitivo. Além disso, é prejudicial aos consumidores e empresas, já que preços mais altos tendem a ser repassados até chegarem à bomba. Assim, em um país de dimensões continentais como o Brasil, preços muito acima do PPI podem onerar de sobremaneira o orçamento familiar e encarecer os custos das empresas, sobretudo por causa do frete rodoviário, para escoarem seus produtos.

O critério de escolha dos indicadores que mostram o gap do preço da gasolina, do diesel e do GLP deve-se ao grau de importância de cada um na atividade econômica. A gasolina é o combustível mais utilizado em veículos leves para uso particular e afeta os consumidores que possuem automóveis. O diesel abastece os ônibus de transporte coletivo e também os caminhões, que realizam o transporte rodoviário de carga, os tratores agrícolas, as máquinas para construção civil e as embarcações. O comportamento de seus preços afeta todo a economia. Por fim, o GLP é o principal combustível de uso doméstico para a cocção de alimentos e tem grande impacto social.

Portanto, é importante entender a diferença de preço entre o mercado internacional e o doméstico, aqui chamado de gap de preço dos combustíveis. Assim, o cálculo do gap é uma estimativa que aponta a tendência do diferencial de preços do Brasil e da referência internacional.

 

2.1.2 Metodologia

O cálculo do gap de preços da gasolina comum, do diesel e do GLP é realizado subtraindo-se o preço médio desses combustíveis no Brasil (em R$/Litro) pelo preço de referência internacional (também convertidos em R$/Litro). A diferença obtida é dividida pelo preço vigente desses combustíveis no exterior (em R$/Litro) e, em seguida, multiplicada por 100 para se obter a porcentagem.

Os dados para o preço dos energéticos no Brasil são obtidos por meio da divulgação da série histórica de preços de venda dos energéticos às distribuidoras à vista, sem tributos, por local e modalidade de venda pela Petrobras. Os dados para o preço de referência internacional são obtidos por meio do U.S Energy Information Admnistration (EIA) em Mont Belvieu, no Texas, para o GLP, e na Costa do Golfo para o diesel e para a gasolina comum. Todos os preços são nominais.

A fórmula abaixo sintetiza a metodologia de cálculo dos Indicadores de Gap:

 

 

Com base neste cálculo podemos definir quanto o preço interno médio de energéticos no Brasil está acima ou abaixo do preço de referência internacional.

 

2.1.3 Interpretação

Os dados mais recentes considerados são de 05/05/2023, em que o preço interno da gasolina está acima do PPI, mas num montante que não é muito significativo, 0,99%. Analisando uma tendência nas últimas três semanas com os reajustes realizados, nota-se que, na média, os preços domésticos da gasolina estão alinhados aos preços do mercado internacional. Em contraste, entre 10/03/2023 e 14/04/2023, o preço interno da gasolina estava bem abaixo do PPI.  Verifica-se assim, que essa distorção foi corrigida e atualmente, o preço doméstico vem seguindo a referência internacional. Além disso, a importação de gasolina é relativamente pequena – cerca de 10% do total demandado internamente em 2022. Portanto, os custos de internacionalização são menores e não pressionam tanto o preço doméstico do combustível.

Fonte: Elaboração Ensaio Energético.

 

Em relação ao diesel, havia uma tendência crescente do preço doméstico, estando este bem acima do PPI, começando em 7,31% em março, e chegando a 30,27% na última semana de abril. No entanto, a partir do dia 29/04/2023, a Petrobras reajustou o preço do diesel nas suas refinarias, com uma redução de 9,8%, o que mitigou a distorção e reduziu a parcela do preço doméstico que estava acima do preço de referência. Atualmente, o preço de referência está no patamar de 16,28% acima do PPI, em comparação com a semana passada em que o preço estava acima do PPI em pouco mais de 30%.

Um ponto interessante é que cerca de 34% da demanda doméstica de diesel é atendida via importações. Esse dado ajuda a compreender a razão pela qual o preço interno do diesel está localizado acima do PPI nas últimas semanas, já que existem custos de importação que são incorporados no preço doméstico, que é composto pelo PPI acrescido de taxas portuárias e de frete, além dos riscos da operação de importação.


Fonte: Elaboração Ensaio Energético.

 

No caso do GLP, observa-se que os preços têm uma tendência de ficar bem acima do PPI, atingindo um patamar de 37,34% em 05/05/2023. Isso se justifica por causa da margem de operação dos custos de frete. Como o Brasil importa uma parcela significativa de GLP (em média 30%), o custo de transporte do frete e outros custos operacionais fazem com que os preços domésticos fiquem acima do PPI.

Vale ressaltar, que existe uma particularidade do GLP, em relação a gasolina e ao diesel. Apesar de parcela similar de diesel também ser importada do exterior, o GLP pesa mais e ocupa um espaço maior devido as suas características físicas. Como consequência, o frete tende a ser mais caro, o que eleva os preços domesticamente.

Fonte: Elaboração Ensaio Energético.

2.2   Capacidade de Pagamento

2.2.1 Relevância

Embora a cesta de consumo familiar possa variar significativamente, existem alguns produtos básicos que fazem parte da cesta de consumo da grande maioria das famílias. Entre eles estão moradia, alimentação e serviços de energia (eletricidade, gás natural, GLP e combustíveis). Considerando que essas categorias de bens essenciais estão sempre presentes no orçamento familiar, é importante entender a capacidade de pagamento das famílias em relação a esses produtos. Em outras palavras, quanto da renda familiar é destinado para adquirir determinado bem.

Cabe pontuar, no entanto, que a composição da cesta de consumo familiar não é homogênea. Em geral, famílias com níveis de renda mais baixos tendem a comprometer a maior parte de seu orçamento no consumo dos bens essenciais, incluindo energia. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017/2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 24,3% das famílias brasileiras têm renda mensal de até 2 salários mínimos e outras 19% recebem entre 2 e 3 salários mínimos por mês. Ou seja, uma parcela considerável da população brasileira tende a comprometer uma porção mais elevada de seus ganhos no consumo de energia.

No que diz respeito ao dispêndio com produtos energéticos, os dados da POF apontam que, dentre aqueles que possuem renda familiar de até 2 salários mínimos, cerca de 21% é destinado ao consumo de gasolina. Já para o grupo que recebe entre 2 e 3 salários mínimos mensais, o gasto com gasolina representa 26% do total do dispêndio com energéticos. Em relação ao GLP, o primeiro e o segundo grupos de níveis de renda destinam 20% e 15%, respectivamente, de seus gastos energéticos totais. Por fim, no que se refere ao etanol, devido à elevada difusão de veículos flexfuel no país, o combustível serve como um substituto direto à gasolina. Portanto, o consumidor pode escolher se deseja abastecer seu carro com gasolina ou etanol.

A justificativa para a escolha dos combustíveis líquidos para a análise da capacidade de pagamento é que eles refletem diretamente o padrão de deslocamento das pessoas no Brasil, onde o modal rodoviário é o principal meio de transporte. No caso específico em que as famílias possuem veículo próprio, é interessante analisar a capacidade de pagamento em relação à gasolina e ao etanol.  Quanto ao gás liquefeito de petróleo (botijão de 13 kg), utilizado principalmente para cozinhar, destacamos a sua ampla distribuição em todo o país, que alcança quase 100% dos municípios brasileiros. Apenas 0,49% das residências não têm acesso ao GLP no país.

Por fim, vale destacar que os preços dos combustíveis e do GLP não são homogêneos em todo o território nacional. Diferenças tributárias e custos logísticos são elementos que diferenciam os preços ao longo dos estados. Assim, os indicadores de capacidade de pagamento serão calculados a nível estadual.

 

2.2.2 Metodologia

O cálculo do índice de capacidade de pagamento é realizado através da razão entre o preço médio do energético ao consumidor final (em R$ por litro no caso da gasolina e do etanol, e em R$/botijão de 13kg para o GLP) pelo salário mínimo nacional diário. Esse indicador é calculado tanto para cada um dos 26 estados, mais o Distrito Federal, como para o Brasil. A equação abaixo apresenta o método de cálculo do indicador:

 

 

Um primeiro ponto a ser destacado é sobre o dado de salário mínimo. Embora os estados possuam salários mínimos diferentes do estipulado nacionalmente, optamos por utilizar o salário mínimo a nível nacional, pois isso padroniza a análise para o leitor, que pode não estar familiarizado com as diferentes realidades estaduais. Dessa forma, torna-se mais fácil comparar os indicadores entre os estados, bem como em relação à média nacional. O salário mínimo nacional diário é obtido dividindo-se o nacional por 30, em vez do número de dias de determinado mês. Ao considerar o total de dias de um mês, poderiam ocorrer distorções no indicador, como de fevereiro para março, que possui 3 dias a mais. Essa variação no número de dias poderia levar a variações superiores a 10% do salário diário de um mês para outro.

O segundo ponto a ser ressaltado é a diferença de preços médios dos energéticos em relação ao salário mínimo diário. O preço médio do litro de gasolina ou diesel é sempre inferior ao salário mínimo diário. Nesse sentido, o indicador de capacidade de pagamento reflete um valor menor do que 1. Portanto, para a interpretar do índice, é considerado o percentual do salário mínimo diário que precisa ser gasto para que o consumidor adquira um litro de diesel ou gasolina.

Já para o GLP, é importante notar que o preço desse energético é sempre superior ao salário mínimo diário. Portanto, o indicador de capacidade de pagamento será sempre maior que a unidade. Nesse sentido, o índice reflete quantos dias de trabalho são necessários para que o consumidor que vive com salário mínimo consiga adquirir um botijão de 13kg de GLP.

Por fim, os dados referentes aos preços médios ao consumidor final são obtidos junto ao Levantamento de Preços dos Combustíveis, feito pela ANP. É uma pesquisa que abrange os 26 estados, mais o Distrito Federal. A partir de critérios econômicos, como população da cidade e tamanho da frota, a ANP visita aleatoriamente, em frequência semanal, 5.961 postos revendedores de combustíveis. A partir dos dados coletados, é calculada uma média de preços municipal, estadual e nacional.

 

2.2.3 Interpretação

Em 29 de abril de 2023, o salário mínimo vigente no país era de R$ 1302. Considerando 30 dias no mês, o salário mínimo nacional era de R$ 43,40 por dia. A partir deste dado, o estado que possui maior capacidade de pagamento para a gasolina foi o Amapá, com 11,98%. Isto é, para que o consumidor possa comprar 1 litro de gasolina no Amapá, ele deve gastar o equivalente 11,98% do salário mínimo diário, ou aproximadamente R$ 5,20.

Em relação à capacidade de pagamento nacional, que em 29 abril de 2023 foi de 12,70%, o que corresponde a um preço médio de R$ 5,51 o litro de gasolina. Cabe destacar, no entanto, que a capacidade média de pagamento nacional está mais próxima dos estados com a capacidade de pagamento mais alta para a gasolina. Se o Brasil fosse um estado, ele ocuparia a 11ª colocação no ranking de maiores capacidades de pagamento para a gasolina.

Por sua vez, o estado que possui menor poder de compra para a gasolina foi o Amazonas. Lá, o consumidor deve separar cerca de 15,16% do salário mínimo diário, ou cerca de R$ 6,58, para a compra de um litro de gasolina. Não obstante, outros estados das regiões Norte, como Acre, Roraima, Rondônia e Tocantins, e Nordeste, como Ceará e Bahia, são aqueles mais distantes da média nacional e com pior poder de compra para o combustível.

Esse é um ponto deve ser foco das políticas públicas, pois a maioria dos estados com as piores capacidades de pagamento possuem níveis menores de renda e se deparam com combustível mais caro. Uma das razões para explicar o problema é a questão logística, já que produtores e distribuidores de combustíveis tendem a se instalarem nos maiores centros consumidores e perto da costa. Portanto, costuma ser mais caro levar combustível para localidades mais afastadas das regiões costeiras e dos centros logísticos de distribuição.

Fonte: Elaboração Ensaio Energético.

 

No que se refere à capacidade de pagamento do etanol, a dinâmica é um pouco diferente em relação à gasolina. Existe uma concentração da produção de etanol na região Centro-Sul do país, com destaque para o estado de São Paulo, além do Centro-Oeste. Portanto, observa-se uma correlação positiva entre localização da produção e capacidade de pagamento, já que os maiores poderes de compra para o etanol são Mato Grosso, com 8,82%, seguido de Paraíba, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.

Para a média nacional, é necessário que um trabalhador destine cerca de 9,45% do salário mínimo diário, ou de R$ 4,10, para a compra de um litro de etanol. Se o Brasil fosse um estado, teria a 9ª maior capacidade de pagamento em relação ao etanol.

Assim como no caso da gasolina, a capacidade de pagamento também se revela pior em estados da região Norte. O caso mais extremo é o do Amapá, em que é necessário 12,67% do salário mínimo diário para pagar por 1 litro de etanol. Em seguida, outros estados com níveis de renda mais baixos seguem a lista: Amazonas, com 11,43%, Roraima, com 11,36% e Rondônia, com 11,22%. Esses estados se localizam em regiões em que não há produção de etanol. Sendo assim, existe um custo logístico de transporte do combustível até essas localidades.


Fonte: Elaboração Ensaio Energético.

 

Por último, o Rio de Janeiro é o estado que possui maior capacidade de pagamento em relação ao GLP, em 29 de abril de 2023. Para que um consumidor adquira um botijão de 13kg de gás de cozinha, ele precisa dispor de cerca de 2,19 vezes do salário mínimo diário. Esse número representa um preço médio de R$ 95,05. Vale destacar que outros estados próximos da costa também apresentam capacidade de pagamento mais alta, como Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Esse dado pode ser explicado pela grande produção de GLP feita pela Refinaria Duque de Caxias (Reduc), localizada no estado do Rio de Janeiro, e pela proximidade com o porto de Suape, em Pernambuco, que tradicionalmente recebe grande parte do GLP importado do exterior.

A capacidade nacional média de pagamento para o GLP é de 2,48. Em termos práticos, é necessário destinar quase 2,5 dias de trabalho, a nível de salário mínimo, para adquirir o insumo, ou cerca de R$ 107,62. A capacidade de pagamento nacional também se encontra em nível mais próximo daqueles ocupados por estados com maior poder de compra. Se o Brasil fosse um estado, possuiria a 11ª maior capacidade de pagamento de GLP.

Uma particularidade dos estados com capacidade de pagamento mais baixas para o GLP é a distância do litoral – onde o GLP é produzido ou chega via importação, em navios. Portanto, há um custo logístico superior para a distribuição do produto. Em Roraima, estado que ocupa a última posição no ranking, é necessário dispor praticamente 3 dias de trabalho, considerando o salário mínimo, para que o consumidor compre um botijão de gás de cozinha de 13kg. Em seguida, outros estados com menor capacidade são Mato Grosso, Amazonas e Rondônia.


Fonte: Elaboração Ensaio Energético.

 

2.3   Competitividade do Etanol

2.3.1 Relevância

O desenvolvimento do etanol como combustível alternativo à gasolina no Brasil iniciou-se na década de 1970, no âmbito do Programa Nacional do Álcool (Pró-álcool). Naquela época, foram implementados diversos estímulos, como crédito e subsídios, para o desenvolvimento da produção de etanol e também na indústria automotiva para a fabricação de automóveis movidos ao novo combustível. Dessa forma, o consumidor precisava decidir se adquiriria um carro movido à gasolina ou etanol.

Contudo, em 2003, com o advento dos carros flexfuel, a dinâmica da escolha entre os combustíveis mudou drasticamente. Levando em conta que esse tipo de veículo funciona com qualquer proporção de gasolina ou etanol, a escolha do consumidor passou a ser feita no posto de combustível. Ou seja, quem possui um carro flexfuel decide na hora de abastecer se vai utilizar gasolina ou etanol. Devido a políticas econômicas, como crédito aos consumidores e incentivos fiscais aos produtores, voltadas para o setor automotivo durante as décadas de 2000 e 2010, a difusão de veículos flexfuel foi acelerada. Hoje, cerca de 90% da frota doméstica de veículos leves é composta por carros do tipo flex. Nesse sentido, há uma substitutibilidade e, consequentemente, uma competição entre a gasolina e o etanol.

Em quais situações é mais vantajoso abastecer com etanol? E com gasolina? Essas são perguntas que um consumidor pode se fazer. E uma das maneiras de se responder é através do cálculo econômico. Cabe destacar, no entanto, que avaliar o preço de cada litro de combustível e escolher o menor não é a melhor opção. Isso ocorre porque, com 1 litro de etanol, a distância percorrida por um veículo não é a mesma que a distância percorrida com 1 litro de gasolina. O etanol é menos eficiente do que a gasolina devido ao seu menor poder calorífico. Por isso, abastecer com etanol é vantajoso somente quando seu preço em relação à gasolina for inferior a 70%, em média (esse valor sintetiza o conceito de que o etanol rende aproximadamente 70% da quilometragem obtida com a gasolina C, que contém 27% de etanol anidro). Se o preço relativo entre ambos for exatamente de 70%, o consumidor seria indiferente ao consumo dos dois combustíveis.

O indicador de competitividade do etanol em relação à gasolina, portanto, se baseia no preço relativo dos combustíveis e busca mostrar qual combustível traz mais economia para o consumidor ao percorrer uma determinada distância. O indicador, no entanto, não é homogêneo em todo o país. Existem regiões onde o etanol pode ser mais vantajoso e outras onde abastecer com gasolina compensa mais em termos de economia de recursos monetários. Isso ocorre porque a produção de etanol é concentrada em áreas específicas do país, especialmente nos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em geral, quanto mais distante dos centros produtores, maiores são os custos de transporte do etanol, o que encarece o produto e prejudica sua competitividade frente à gasolina. Portanto, este indicador também será calculado por estado.

 

2.3.2 Metodologia

O índice de competitividade do etanol em relação à gasolina é calculado dividindo o preço médio do etanol (em R$/Litro) pelo preço médio da gasolina (em R$/Litro), ambos na revenda (ao consumidor final). Esses dados são obtidos a partir da série histórica de levantamento de preços pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis para gasolina comum e etanol hidratado. É importante destacar que consideramos os preços médios semanais dos combustíveis, com dados desagregados por estado. O resultado é obtido pela seguinte operação:

 

 

Com base neste cálculo, podemos determinar qual combustível é mais econômico para ser consumido. Isso só acontece se o preço do etanol for 70% menor que o preço da gasolina. Essa associação é verdadeira porque o poder calorífico, ou seja, a quantidade de energia gerada pela queima do combustível no motor, é aproximadamente 70% maior na gasolina do que no etanol. Isto é baseado em fontes como o Departamento de Energia dos Estados Unidos (US DOE) para a performance comparativa dos combustíveis. Em outras palavras, é preciso adquirir 1 litro de etanol para rodar a mesma quilometragem que seria possível rodar com apenas 0,7 litro de gasolina. No entanto, o limiar de 70% não é um valor fixo e pode ser alterado caso ocorram alterações na proporção estabelecida pelo governo para a adição de etanol anidro à gasolina A. Logo, o parâmetro de 70% é válido para os padrões atuais de mistura estabelecida, composta de 73% de gasolina A e 27% de etanol anidro.

O indicador será representado por um gráfico de mapa dos Estados do Brasil, com destaque para aqueles onde o consumo do etanol é mais vantajoso, de acordo com os critérios aqui apresentados. Dessa forma, podemos identificar os Estados nos quais o preço relativo aponta para uma vantagem no consumo do etanol para aqueles consumidores que possuem veículos flexfuel e possuem maior poder de escolha entre esses dois combustíveis.

 

2.3.3 Interpretação

O indicador de competitividade do etanol frente à gasolina, de 29 de abril de 2023, indicou que somente é mais econômico para o consumidor escolher abastecer com etanol no Mato Grosso. Nos demais estados e no Distrito Federal, o indicador ficou acima dos 0,7 (ou 70%) – indicando que a economia de se abastecer com gasolina é maior.

Contudo, cabe destacar que este resultado utiliza preços médios estaduais e, em muitos casos, a relação ficou apenas um pouco superior a 0,7. Entre eles, destacam-se Paraná (0,72), Acre (0,72), Distrito Federal (0,73) e Goiás (0,74). Principalmente nesses estados, existem diversos postos revendedores em que ainda é atrativo abastecer com etanol. Portanto, não é um resultado absoluto. Sendo assim, vale à atenção do consumidor de fazer rapidamente o cálculo na hora em que for abastecer nesses estados cujo indicador se localiza próximo ao limiar.

Por último, cabe destacar que a região em que o etanol se mostra mais competitivo em relação à gasolina é, em grande parte, a mesma que possui centros produtores do biocombustível. Assim, infere-se que os custos logísticos de escoamento do etanol acabam prejudicando a competitividade do combustível alternativo à gasolina em diversos estados.

Fonte: Elaboração Ensaio Energético.

 

3. Conclusão

O setor de combustíveis está presente no cotidiano da maioria dos brasileiros e exerce um papel significativo na economia do país. Flutuações nesse mercado podem ter impactos amplos e afetar diversos indicadores econômicos, além de gerar sérios problemas sociais. Por ser tão sensível, esse segmento geralmente recebe atenção especial do Estado, que pode atuar por meio de diversos instrumentos – desde investimento direto para garantir o abastecimento da população até subsídios destinados aos consumidores mais vulneráveis.

Nos últimos anos, temos testemunhado idas e vindas nas políticas de precificação, novas regras tributárias, novos subsídios, debates intensos e soluções controversas no setor de combustíveis. Esse segmento preocupa todos os espectros políticos e gera movimentações políticas de determinados grupos de classe. O tema é de extrema importância, e o entendimento sobre seus movimentos se torna imprescindível para stakeholders do setor energético.

A criação dos Indicadores do Ensaio Energético tem como objetivo trazer clareza e objetividade na avaliação da evolução dos preços desses combustíveis no mercado brasileiro. A publicação dos indicadores será dividida em dois produtos: um semanal, que busca estabelecer uma compreensão ampla dos movimentos desse setor, utilizando uma linguagem acessível e didática; e outro trimestral, que terá informações agregadas e analisadas de forma mais profunda, buscando identificar tendências e os principais debates do setor de combustíveis.

 

Sugestão de citação: Raeder, F.; Rodrigues, N; Prade, Y. C.; Losekann, L.; Almeida, E.; Teixeira, M.; Souza, L. O.; Alves, B. A. Gap de preços, capacidade de compra e competitividade: nova série de indicadores sobre preços dos combustíveis. Boletim de Indicadores, Ensaio Energético, 09 de maio, 2023.

Autor Fixo e Editor dos Indicadores do Ensaio Energético. Formado em Economia, Mestre e Doutorando em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É professor substituto da Faculdade de Economia da UFF e pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Editora-chefe do Ensaio Energético. Economista pela UFRRJ, mestre em Economia Aplicada pela UFV e doutora em Economia pela UFF. Professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFF, professora do Programa de Pós Graduação em Economia (PPGE/UFF) e pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Editora-chefe do Ensaio Energético. Formada em Economia pelo IBMEC-RJ, mestre e doutora em Economia Industrial pela UFRJ, com doutorado sanduíche em Oxford Institute for Energy Studies.

Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

É professor e pesquisador do Instituto de Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) e Presidente eleito da Associação Internacional de Economia da Energia - IAEE. Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Grenoble na França. Conselheiro Editorial do Ensaio Energético.

Autora do Ensaio Energético. Formada em Economia pela USU, Mestre em Economia pela UERJ com ênfase em Políticas Públicas. Doutoranda em Economia pela UFF. Pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Letícia Souza

Estudante a nível de bacharelado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense e integrante do Grupo de Pesquisa em Energia e Regulação (GENER/UFF).

Bruno Alves

Estudante a nível de bacharelado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense e integrante do Grupo de Pesquisa em Energia e Regulação (GENER/UFF).

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11 meses atrás

[…] Na teoria, parece não haver muita diferença da nova estratégia em relação ao PPI. Na prática, no entanto, ainda há uma certa incerteza em relação à futura trajetória dos preços. É nesse sentido que os indicadores de gap, que ainda continuarão a ser publicados semanalmente, irão mostrar os novos rumos para os preços dos combustíveis. A partir do gap dos combustíveis, será possível monitorar um eventual descolamento das referências internacionais. Maiores detalhes sobre os motivos pelos quais um afastamento muito grande dos preços domésticos das referências é prejudicial foram apresentadas no artigo de lançamento dos indicadores dos combustíveis. […]

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11 meses atrás

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