Ensaio Energético

A Descarbonização do Upstream de Petróleo e Gás Natural: O papel da mitigação de emissões de metano

Introdução

Todos os cenários que analisam a atual emergência climática definem como prioritária a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), tendo a mitigação de emissões de metano um papel de destaque. Emissões de metano são particularmente relevantes no setor de petróleo e gás natural e geralmente os compromissos climáticos das companhias priorizam sua minimização (Cunha, Schaeffer, Szklo, 2021; Tavares, 2021).

Soluções mitigadoras de emissões e o aumento da eficiência energética são estratégias que as companhias podem adotar no curto prazo com tecnologias existentes, com custos reduzidos e, em alguns casos, que trazem benefícios econômicos adicionais às operações. Com o fortalecimento da agenda do clima, essas soluções, muitas vezes negligenciadas, são necessárias para estabelecer uma trajetória que reduza os níveis de emissões da cadeia de forma rápida.

A despeito de seus impactos e sua relevância na atual transição energética de baixo carbono, pouca atenção foi dedicada ao tema no Brasil, sendo que apenas recentemente foi iniciado seu debate.

Em 2021 na Conferência do Clima em Glasgow (COP26), o país assumiu junto com mais de 100 países, o compromisso de reduzir emissões de metano globalmente em pelo menos 30% dos níveis de 2020 até 2030 [1]. Em março de 2022, foi lançado o Programa Metano Zero [2] dando ênfase às emissões de metano do setor agropecuário e resíduos sólidos, principais emissores no caso brasileiro. Além disso, em paralelo as discussões no Congresso de projeto de lei sobre a criação do mercado de carbono, em maio, foi publicado o Decreto nº 11.075/2022 [3] sobre planos setoriais de mudanças climáticas e créditos de carbono no país.

Não obstante a sua menor contribuição de emissões diretas de metano, o setor de petróleo e gás brasileiro pode avançar nesta agenda adotando as boas práticas já delimitadas pela indústria e reduzindo sua pegada de carbono.

Este artigo tem como objetivo principal trazer um panorama sobre a relevância de se priorizar a mitigação de emissões de metano, além de mapear as principais perspectivas, desafios e oportunidades associadas às atividades de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural.

 

Origem das emissões de metano e o setor de petróleo e gás natural

O metano (CH4) é um gás com elevado potencial de efeito estufa. Mesmo permanecendo por menos tempo na atmosfera se comparado ao gás carbônico (CO2), o metano contribui mais para o aquecimento global. Tomando-se um ciclo de 20 anos e igual volume na atmosfera, o metano gera cerca de 86 vezes mais aquecimento que o CO2. Devido à tais características, o metano é o segundo maior contribuidor para o aquecimento do planeta, logo após o CO2. Assim, a redução das emissões de metano tem grande potencial de limitar a elevação da temperatura do planeta no curto prazo.

A redução de 45% das emissões nesta década teria o potencial de cortar cerca de 0,3°C da temperatura até 2040, com co-benefícios para a saúde (redução de problemas respiratórios) e economia (redução de perdas na agricultura e empregos) (UNEP e CCAC, 2021).

Considerando os setores responsáveis pelas emissões de metano, globalmente, 41% são originadas por fontes naturais e 59% por origem antropogênica (i.e. de atividades humanas). Tratando somente das emissões antropogênicas, três setores correspondem por 95% do total das emissões. A maior parcela vêm das atividades agrícolas (40-53%), seguida das atividades relacionadas à energia, extração e transporte de hidrocarbonetos (19-30%) sendo o restante provenientes de resíduos (20-26%) (EU, 2020).

De acordo com estimativas da Agência Internacional de Energia (IEA), o mundo emite cerca de 356,9 Mt de metano por ano. Estima-se que o Brasil emita por ano cerca de 19,6 Mt, portanto representando 5,5% das emissões globais. As emissões brasileiras estão concentradas no setor de agricultura, que representa 70% do total das emissões nacionais (Gráfico 1).

 

Gráfico 1 – Emissões de metano por setor – Brasil e Mundo

Fonte: IEA (2022).

A estimativa para emissões totais equivalentes de carbono (CO2e) a partir de operações de petróleo e gás (incluindo extração, processamento e transporte), em 2019, atingiu 5,4 GtCO2e (cerca de 15% das emissões globais de GEE do setor de energia), sendo mais da metade resultado da queima e ventilação de metano nessas operações (IEA, 2020).

A União Europeia estima que 54% do total das emissões de metano de petróleo e gás no mundo são fugitivas [4], portanto, não intencionais. Tais emissões ocorrem tanto durante a produção quanto no transporte (gasodutos, navios e sistemas de distribuição de gás natural).

Desconsiderando as emissões fugitivas, as demais emissões de metano ocorrem devido à ventilação (venting) ou queimas incompletas (flares) de gás natural (EU, 2020). Ressalta-se que níveis mínimos de ventilação ou de queima de gás natural são normalmente requeridos por questões de segurança das atividades. No entanto, quando a disponibilização ao mercado do gás natural produzido de maneira associada ao petróleo representa um desafio ao operador (por gargalos de infraestrutura ou barreiras à comercialização), na ausência de limites técnicos e/ou regulatórios, a ventilação ou a queima local do gás natural é frequentemente adotada configurando desperdício do recurso em prol da manutenção da produção de petróleo.

 

Gráfico 2 – Emissões anuais de metano do setor de petróleo e gás por tipo

Fonte: Traduzido de UNEP e CCAC (2021) com dados de IEA (2020).

 

Soluções de eficiência e mitigação de emissões de metano no E&P

Tradicionalmente, a ideia de eficiência do upstream se baseou ora em produtividade e custo-benefício (ou “eficiência econômica”), ora em intensidade no consumo energético (ou simplesmente “eficiência energética”). Ao longo do tempo, esta visão evoluiu incorporando aspectos de maior segurança das operações e impactos socioambientais, em especial aqueles relacionados a emissões de GEE. Mesmo que novos padrões operativos nas áreas de segurança e meio ambiente sejam frequentemente acompanhados por maiores custos e/ou consumo energético, hoje as companhias têm buscado e desenvolvido práticas e tecnologias que equilibrem todas estas dimensões visando uma eficiência global para a atividade.

É comum que soluções focadas em eficiência energética nas operações de E&P resultem em melhorias nas eficiências econômicas e climáticas. No entanto, o contrário pode não ser verdade. Por exemplo, o aproveitamento econômico do gás natural extraído dos reservatórios do pré-sal brasileiro exige o seu tratamento para a retirada de contaminantes, principalmente de CO2, por motivos de segurança (efeito corrosivo em dutos) e ambientais (emissões). O emprego das atuais tecnologias para a retirada desse contaminante da corrente para escoamento ao continente demanda mais energia (aumentando a intensidade energética) e requer módulos adicionais na plataforma (elevando os custos). Dessa forma, a busca por soluções que perpassem por todos os critérios técnicos, econômicos e ambientais não é trivial.

De acordo com Gargett et al. (2019), existiria uma correlação direta entre menores emissões no upstream, maior qualidade dos hidrocarbonetos (alto grau API) e menor complexidade de reservatórios. Além de uma maior eficiência climática, tais condições permitem vantagens absolutas de custos e maior valor comercial aos hidrocarbonetos, sendo mais eficientes do ponto de vista econômico. Ademais, pela menor complexidade da produção tendem a ter menor intensidade energética.

Fatores como a escala das operações e a idade das instalações tendem a aumentar as emissões absolutas e o consumo de energia. O principal indicador de desempenho climático das companhias tem sido o de emissões por unidade de barris equivalentes produzidos (kgCO2e/boe). Por ser uma medida de produção unitária, projetos de maior escala de produção reduzem a intensidade de emissões por barril extraído.

Assim, o pré-sal brasileiro tem características que ampliam sua vantagem considerando sua intensidade de carbono da produção. Esta vantagem, é baseada tanto por sua escala produtiva (alta produtividade por poço) quanto pela qualidade do petróleo extraído.

À despeito dessas vantagens inerentes à explotação dos reservatórios do pré-sal, existe muito espaço para avançar na redução de emissões de GEE no E&P, sendo que 90% das soluções tecnológicas conhecidas para descarbonização estariam ao alcance das operadoras a um custo não superior a US$ 50/tonelada de carbono (Beck et al, 2020). Sistemas de detecção e reparo de vazamentos (portanto, emissões fugitivas) são os principais meios de mitigar emissões de metano e reduzir perdas de produto para comercialização como gás natural [5] (Figura 1).

 

Figura 1 – Emissões diretas e indiretas das operações de petróleo e gás natural e soluções de mitigação de GEE, 2015

Fonte: Traduzido de Beck et al. (2020).

 

Segundo a IEA, a implementação de medidas mitigadoras que reduzam as emissões de metano nas atividades de E&P eliminarão mais de 50% da atual intensidade de carbono da produção de petróleo e gás natural. Mais especificamente, da atual estimativa de 93 kgCO2e emitido para cada barril equivalente de petróleo (boe) produzido em 2020, a adoção de práticas mitigadoras das emissões de metano pode reduzir essa intensidade para 40 kgCO2e em 2030 e 31 kgCO2e em 2050 (IEA, 2021a).

A IEA (2020) estima que parcela substancial de redução das emissões de metano pode ser realizada com custo líquido zero para o operador da instalação, principalmente focando na redução do desperdício dele como energético. Considerando a média dos preços obtidos pelo gás natural no mercado mundial, cerca de 45% de todas as emissões poderiam ser mitigadas sem custos adicionais [6].

As atuais técnicas de detecção de vazamentos são as inspeções in-loco por meio de câmeras ópticas capazes de detectar emissões de metano. O atual método de detecção deve incorporar tecnologias emergentes incluindo sensores que monitoram continuamente as instalações, utilização de drones e satélites que, uma vez massificadas a sua utilização, tendem a reduzir o custo de monitoramento e detecção.

Detecções via satélite tem se mostrado um importante mecanismo para a identificação e quantificação, tendo melhorado rapidamente. A primeira detecção de emissão de metano por satélite ocorreu em 2016 e, cinco anos após essa detecção, a tecnologia já avançou consideravelmente (IEA, 2020).

Por fim, é relevante destacar que mesmo a queima para segurança deve ser monitorada, principalmente a regulação do queimador (flare). Em algumas situações a queima pode não ser completa, emitindo à atmosfera metano ao invés de CO2. Nestes casos a regulação deve contemplar medidas para efetiva manutenção e regulação dos queimadores considerando às atuais condições ambientais e características da produção.

 

Ações empresariais e regulação no combate às emissões de metano

O desafio para adoção de ações concretas de mitigação de emissões de metano esta seja na sua adoção voluntária pelas empresas (autorregulação) e por iniciativas de associações setoriais, seja na criação de políticas públicas e de medidas regulatórias. Dentro dos mecanismos recomendados para mitigar as emissões de metano se encontram (IEA, 2020):

  1. a disseminação de informações sobre o problema para obter soluções baseadas no mercado estabelecido,
  2. as exigências de quantificação e informações sobre as emissões e,
  3. a tradicional utilização de regulações de comando e controle.

É consenso que a abordagem inicial do problema começa pela quantificação das emissões, tanto para identificar a origem quanto definir responsabilidade aos agentes. Além da identificação, é de extrema relevância que essa informação seja pública, dando transparência a toda a sociedade.

Quando tratamos da autorregulação, podemos destacar a Oil and GasMethane Partnership 2.0 (OGMP 2.0). Esta associação de empresas envolvidas nas atividades de E&P de petróleo e gás natural criou metodologia própria para a quantificação das emissões e estabeleceu metas para a redução das emissões das associadas. Destaca-se que a autorregulação deve fazer parte da estratégia empresarial, gerando as bases a partir das quais a sociedade poderá discutir o tema.

Um outro exemplo de iniciativa setorial é o das associações IPIECA e IOGP que publicaram uma base de dados [7] descrevendo tecnologias, práticas e estudos de caso em torno da eficiência energética e de combate às emissões de GEE na indústria de petróleo, gás e eletricidade.

Um exemplo de políticas é o da União Europeia que em 2021 propôs regulamentar o tema indicando três eixos de atuação: quantificação, incentivos à autorregulação e a normatização do tema com metas de redução (EU, 2021).

Neste contexto, a regulação europeia se baseou no terceiro nível (Tier 3) delimitado pela United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC), que engloba uma metodologia mais complexa e que exige uma quantificação individualizada das fontes emissoras. Apesar de se tratar de uma política pública, esta iniciativa foi baseada nos compromissos já assumidos pelas empresas durante o período de auto regulação que buscou aumentar tanto a precisão quanto a dispersão dos dados relativos às emissões de metano das instalações próprias e terceirizadas (EU, 2020).

Finalmente, tratando-se de regulação, esta deve incluir tanto mecanismos tradicionais quanto induzir a adoção de novas práticas e mecanismos de mercado. Ela poderá ter abordagens: (i) prescritivas, (ii) baseadas em desempenho, (iii) econômicas, e (iv) baseadas em informação.

Quanto aos instrumentos tradicionais de regulação encontramos os requerimentos mínimos relativos à detecção e reparação de equipamentos e eventuais vazamentos, exigência mínima de desempenho para equipamentos para fontes reconhecidas como de volumes altos de emissão de metano além de maior rigor na regulação para limitar a ventilação e queima de gás natural.

A Figura 2 apresenta mapeamento das diversas abordagens de regulação utilizadas em países produtores com o foco em emissões de metano.

 

Figura 2 – Medidas de mitigação de metano em países produtores selecionados por abordagem regulatória

Nota: Círculo completo indica uma política aplicada a nível nacional e círculo vazio aplicada ao nível subnacional.

Fonte: Traduzido de IEA (2021b).

O caso brasileiro e suas perspectivas

A IEA estima que o setor de petróleo e gás natural no Brasil emita cerca de 1,3 Mt de metano, sendo que existiria uma predominância de emissões nas operações offshore, dada a concentração da produção neste ambiente. Vale destacar que essas estimativas estão baseadas em comparações frente a referências internacionais de intensidade de carbono para cada segmento da cadeia, adaptadas a partir de avaliações da própria IEA ao caso brasileiro [8].

Além de estimativas de emissões, a IEA mapeou que cerca de 350 kt poderiam ser mitigados a custo zero ou com ganhos econômicos. Medidas como substituição de sistemas, detecção de vazamentos e instalação de flares são aquelas com maior potencial de mitigação (Gráfico 4).

 

Gráfico 3 – Estimativa para curva de abatimento de emissões de metano no Brasil

Fonte: Adaptado de IEA (2022).

 

Box – O controle da queima de gás natural no Brasil

Conforme a atual normativa brasileira [9], excluindo-se aspectos relacionados à segurança das operações ou eventos que os operadores das instalações não controlem, é proibida a queima de gás natural não associado enquanto as queimas de gás natural associado contam com uma limitação, impedindo o desperdício do recurso.

As queimas de gás natural associado são realidade frequentes do E&P internacional, principalmente quando a produção ocorre distante de grandes mercados consumidores e os operadores, ou eventualmente, os próprios governos dão prioridade a produção do petróleo cujo valor comercial é superior. Essa lógica tem predominado tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento.

Cumpre destacar que o Brasil já adotou essa prática, utilizando-a amplamente durante as décadas de 1970 e 1980, antecipando a produção das recém-descobertas jazidas da Bacia de Campos. Naquele momento, a adoção da queima de gás natural no offshore nacional, dada a insuficiência de infraestrutura para o escoamento da produção de gás natural, contribuiu para a redução das importações de petróleo em momento de alta dos preços internacionais (primeiro e segundo choques do petróleo), atenuando os impactos das limitações de divisas internacionais.

Desde a abertura do mercado nacional e início da regulação das atividades de E&P, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) vem limitando as queimas de gás natural associado. Inicialmente regulamentada pela Portaria ANP Nº 249, de 2000 [10] e recentemente substituída pela Resolução ANP Nº 806, de 2020 [11]. Atualmente a queima de gás natural associado é limitada à 3% tomando-se por referência o índice de utilização do gás natural associado (IUGA) [12], sendo prevista a redução desse limite à 2% para todas as instalações a partir de 2025 [13]. Portanto, atualmente o Brasil não permite a prática de desperdício de recurso energético ao impor limites à queima.

Ao avaliarmos as perspectivas das emissões de metano no Brasil, apesar da variedade de produtores no E&P brasileiro, a Petrobras ainda detém a maior fatia da atividade. Consequentemente, seus compromissos seriam uma primeira aproximação do E&P nacional.

Conforme destacado em seu Relatório de Sustentabilidade, a Petrobras tem quatro metas climáticas (Petrobras, 2021):

  1. reduzir as emissões absolutas operacionais totais em 25% até 2030;
  2. reduzir as queimas de rotina de gás natural associado realizadas em suas instalações à zero até o ano de 2030;
  3. reduzir a intensidade de carbono de sua produção em 32% até o ano de 2025 (quando atingirá 15 kgCO2e), mantendo esse patamar até o ano de 2030;
  4. reduzir em 40% a intensidade de emissões do metano no segmento de E&P até 2025.

Quanto a quantificação das emissões, a Petrobras informa que utiliza o Sistema de Gestão de Emissões Atmosféricas (SIGEA) e que consolida as informações desde 2002 considerando todas as emissões de GEE seguindo as orientações do GHG Protocol. A companhia informou que entre 2015 e 2021 reduziu a intensidade de carbono do E&P de 30 kgCO2e para 15,7 kgCO2e, apresentando meta de redução para 15 kgCO2e para o período 2025-2030 (Petrobras, 2021).

Com relação às suas emissões de metano no E&P, houve uma tendência de queda desde 2019 até 2021. Esta tendência foi resultado, entre outros aspectos, da mudança de perfil de seus ativos em operação (processo de desinvestimento) e de uma maior eficiência de combustão em flares. No entanto, a última previsão da companhia para 2025 apresentou elevação. Saindo de 0,33 toneladas de metano para cada mil toneladas de hidrocarbonetos em 2021, foi prevista uma elevação para 0,39 em 2025, como podemos observar pela Figura 3.

 

Figura 3 – Intensidade de emissões de metano no E&P da Petrobras – histórico e meta para 2025 (em tonelada de metano por mil tonelada de hidrocarbonetos)

Fonte: Petrobras (2021).

 

A Petrobras informou que irá ajustar as suas práticas à iniciativa Zero Routine Flaring by 2030 do Banco Mundial (Petrobras, 2021). Para tanto, iniciou em 2021 a operação do sistema de recuperação de gases de tocha (FGRU, de Flare Gas Recovery Unit) nas plataformas P-66, P-70 e P-77, localizadas nos campos de Tupi, Atapu e Búzios (Petrobras, 2021). Segundo GARO (2022), a utilização do FGRU é associada a três ganhos:

  1. a redução das emissões, principalmente associada a gases tóxicos como o H2S (sulfeto de hidrogênio);
  2. a redução de custos operacionais devido à elevação da recuperação de líquidos de gás natural (LGN) que tem maior valor agregado no mercado; e
  3. a redução na quantidade total de emissões de gás carbônico, auxiliando as empresas a atenderem os padrões mínimos exigidos por órgãos ambientais.

Considerando todos esses elementos, a Petrobras planeja a expansão da utilização desse sistema para oito plataformas em 2022, ressaltando que os novos projetos já contam com previsão de iniciarem a operação com o FGRU.

 

Conclusões

Em um contexto de transição para economias de baixo carbono, iniciativas que venham a mitigar as emissões de metano devem ser priorizadas pois atenuam de forma expressiva o aquecimento global no curto prazo. Apesar de ter sua concentração aumentada mais rápido do que em qualquer momento desde a década de 1980, o metano por ter uma vida relativamente curta na atmosfera e maior potencial de aquecimento, tornando-o um candidato ideal para se iniciar uma nova tendência de menores emissões de GEE.

A estratégia de descarbonizar as atividades de E&P, ainda que não promova a substituição do consumo final de combustíveis fósseis, segue o direcionamento da agenda da transição energética ao reduzir a emissão de GEE durante sua extração e movimentação. Além disso, como discutimos neste artigo a mitigação de emissões de metano no E&P não dependeria de desenvolvimento de novas tecnologias, requerendo tão somente a aplicação massiva de tecnologias existentes e custo-efetivas.

Dentre os desafios identificados desta agenda estão aqueles relacionados a:

  • medição, relato e verificação (na sigla MRV) trazendo melhor informação à sociedade e aos tomadores de decisão para a identificação de soluções de mitigação;
  • definição e estabelecimento de incentivos claros via mecanismos de mercado e/ou regulatórios para minimização de emissões.

Apesar da agricultura e do setor de resíduos concentrarem os maiores níveis de emissões de metano no Brasil, a trajetória para uma economia de baixo carbono requer a redução de emissões em todas as frentes. O E&P brasileiro já iniciou discussão nesta agenda podendo e devendo contribuir para uma trajetória de descarbonização consistente.

 

Bibliografia

Beck et al. 2020 “The future is now: How oil and gas companies can decarbonize”. https://www.mckinsey.com/industries/oil-and-gas/our-insights/the-future-is-now-how-oil-and-gas-companies-can-decarbonize

Cunha, B. S. L.; Schaeffer, R.; Szklo, A. 2021. “O passado, o presente e o futuro da indústria de O&G frente à crise climática”. Ensaio Energético, 09 de novembro, 2021.

https://ensaioenergetico.com.br/o-passado-o-presente-e-o-futuro-da-industria-de-og-frente-a-crise-climatica/

EPE. 2019. “Atlas da Eficiência Energética”. Rio de Janeiro – RJ. Brasil. https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/atlas-da-eficiencia-energetica-brasil-2019#:~:text=%E2%80%8BEste%2 0relat%C3%B3rio%20cont%C3%A9m%20um,os%20de%20outros%20pa%C3%ADses%20selecionados.

EU. 2020. “EU Strategy to Reduce Methane Emissions”. Brussels. https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/eu_methane_strategy.pdf.

———. 2021. “Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à redução das emissões de metano no setor da energia e que altera o Regulamento (UE)” 2019/942. https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:06d0c90a-5d91-11ec-9c6c-01aa75ed71a1.0002.02/DOC_1&format=PDF.

GARO. 2022. “Flare Gas Recovery System (FGRS) | GARO Engineered Solutions”. Garo. 12 de maio de 2022. https://www.gardnerdenver.com/en-de/garo/applications/flare-gas-recovery.

Gargett et al. 2019 “Toward a net-zero future: Decarbonizing upstream oil and gas operations”. https://www.mckinsey.com/industries/oil-and-gas/our-insights/toward-a-net-zero-future-decarbonizing-upstream-oil-and-gas-operations

IEA. 2020. “Curtailing Methane Emissions from Fossil Fuel Operations: Pathways to a 75% Cut by 2030”. IEA. https://iea.blob.core.windows.net/assets/ba5d143a-f3ab-47e6-b528-049f81eb31ae/CurtailingMethaneEmissionsfromFossilFuelOperations.pdf.

———. 2021a. “World Energy Outlook”. Paris, Fr: IEA. https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2021.

———. 2021b. “Driving Down Methane Leaks from the Oil and Gas Industry: A Regulatory Roadmap and Toolkit” https://www.iea.org/reports/driving-down-methane-leaks-from-the-oil-and-gas-industry

———. 2022. “Methane Tracker Database”. 2022. https://www.iea.org/articles/methane-tracker-data-explorer.

Petrobras. 2021. “Relatório de Sustentabilidade 2021”. Rio de Janeiro – RJ. Brasil. https://sustentabilidade.petrobras.com.br/documents/42532/42809/2022_04_13+-+RS2021-FINAL.pdf/38f0e4d6-920c-46fc-9106-1aaef5bd7481.

Stavins, R. N. 2015. “From the Science to the Economics and Politics of Climate Change: An Introduction.” Em Our World and Us: How Our Environment and Our Societies Will Change, editado por K. Barysch, 20–36. Munich, Germany: Allianz Group. https://scholar.harvard.edu/stavins/publications/science-economics-and-politics-climate-change-introduction.

Tavares, F. 2021 “O novo mercado de ‘GNL carbono neutro’ e suas perspectivas de desenvolvimento”. Disponível em: https://ensaioenergetico.com.br/o-novo-mercado-de-gnl-carbono-neutro-e-suas-perspectivas-de-desenvolvimento/

UNEP and and CCAC, 2021. “Global Methane  Assessment: Benefits and Costs of Mitigating Methane Emissions”. Nairobi: United Nations Environment Programme and Climate and Clean Air Coalition.

 

Notas:

[1] https://www.globalmethanepledge.org/

[2] Portaria MMA nº 71, de 21 de março de 2022 (Programa Metano Zero)

https://in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mma-n-71-de-21-de-marco-de-2022-387378473

[3] Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/d11075.htm

[4] Emissões fugitivas são vazamentos e outras liberações irregulares de gases ou vapores de sistemas geralmente pressurizados (tubulações, tanques, poços ou outros equipamentos), podendo gerar perdas de produto (no caso de gases), riscos à segurança e danos ambientais.

[5] O gás natural é um conjunto de hidrocarbonetos que tem especificação definida por cada país consumidor. A despeito das diferentes especificações, o gás natural habitualmente conta majoritariamente com metano, sendo admitido outros hidrocarbonetos como parcelas residuais que, ou não conseguem ser fracionadas durante o processamento do gás natural bruto, ou são permitidas pela legislação do país. Normalmente os gases residuais correspondem a parcelas de etano, propano e butano.

[6] A agência ainda estima que a redução das emissões de metano nos demais casos custaria cerca de US$ 13 bilhões. Destaca-se que parcela desse custo será abatida das vendas do metano ao mercado (IEA, 2020).

[7] Energy and greenhouse gas efficiency compendium: https://www.ipieca.org/resources/energy-efficiency-solutions/

[8] A agência considera que a intensidade das emissões brasileiras seria superior em 30-40% se comparadas às referências norte-americanas.

[9]Resolução Nº 806, de 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-806-de-17-de-janeiro-de-2020-238839783. Acesso em: 10/05/2022.

[10] Disponível em: https://atosoficiais.com.br/anp/portaria-tecnica-n-249-2000-aprova-o-regulamento-tecnico-de-queimas-e-perdas-de-petroleo-e-gas-natural-que-dispoe-sobre-as-questoes-relacionadas-com-as-queimas-em-flares-e-as-perdas-de-gas-natural-2000-11-03-versao-original?origin=instituicao. Acesso em: 10/05/2022.

[11] Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-806-de-17-de-janeiro-de-2020-238839783. Acesso em: 10/05/2022.

[12] IUGA refere-se ao “percentual do volume de gás associado utilizado em relação ao volume total de gás associado movimentado”.

[13] Destaca-se que a Resolução inseriu um marco temporal de 5 anos a partir de sua promulgação. Após os 5 anos de sua promulgação, todas as instalações deverão aumentar o IUGA para 98% (portanto limitando a queima à 2%), portanto, efetivamente aumentando o IUGA e limitando às queimas à 2% a partir de 2025. Adicionalmente, para unidades marítimas que circulem gás para elevação de petróleo ou receba gás de outras unidades em volumes iguais ou maiores a 50% (cinquenta por cento) do volume de gás movimentado, o IUGA é de 98,5%, limitando as queimas à 1,5%.

 

Sugestão de citação: Tavares, F. B. & Esteves, L. E. (2022). A Descarbonização do Upstream de Petróleo e Gás Natural: O papel da mitigação de emissões de metano. Ensaio Energético, 30 de maio, 2022.

Autor do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ, mestre em Economia e Gestão de Indústrias de Rede pela Universidade de Comillas (Espanha) e Paris Sul XI (França) e Fulbright scholar na Universidade de Columbia (Estados Unidos).

Luis Eduardo Esteves
Formado em Economia pela UEL, mestre em Economia pela UFPR e doutor em Economia pela Universidade de Grenoble, França. É especialista em regulação da ANP exercendo suas atividades na coordenadoria de defesa da concorrência e regulação econômica.
Áreas de interesse: Dinâmica de mercado de petróleo e gás natural, regulamentação da nova lei do gás natural, implantação de programas de gas release, transição energética, explotação de reservatórios não-convencionais, defesa da concorrência e regulação econômica do setor de gás natural.

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