Ensaio Energético

Potencial de cooperação para difusão de energias renováveis e gás natural nos BRICS

Introdução

O sistema energético mundial estruturou-se em torno de fontes de energia fósseis, sendo um grande emissor de dióxido de carbono (CO2). As ações de descarbonização e de mitigação do aquecimento global concentram-se na reestruturação da matriz energética dos países e passam, necessariamente, por políticas energéticas que dão suporte à difusão de fontes de energia mais limpas. Essas transformações envolvem muitas possibilidades quanto à sua natureza e ritmo, dado que os desafios impostos pela transição energética e as estratégias adotadas por cada país são heterogêneos, considerando as diferenças econômicas, institucionais e de mix de energia. Cada experiência conta com objetivos particulares, e os instrumentos de política energética são diversos.

Os BRICS, conjunto de países em desenvolvimento formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, são marcadamente caracterizados por sistemas de energia, estruturas socioeconômicas e arcabouço institucional bastante distintos, o que aponta para tendências particulares de transição energética. Por outro lado, o grupo compartilha objetivos em torno do desenvolvimento sustentável, visando oportunidades de complementaridade e cooperação na área de energia. Este artigo tem o objetivo de apresentar as principais políticas de difusão das fontes renováveis e do gás natural nos BRICS e avaliar as iniciativas e oportunidades de cooperação na área de energia.

Difusão das fontes renováveis e do gás natural nos BRICS

Os BRICS são grandes consumidores de energia, tendo demandado 223 Exajoules de energia primária (5,3 bilhões de toneladas de petróleo equivalente) em 2019,  ou 38% do total mundial. O consumo de energia do grupo cresceu à taxa de 3,3% ao ano (a.a.) na última década, bem superior à média mundial, 1,9%. Essa dinâmica de consumo é liderada pela China que representa 64% do consumo dos BRICS, seguida por Índia (15%) e Rússia (13%).

Gráfico 1 – Evolução do consumo de energia primária dos BRICS, 2009-2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados de BP Statistical Review of World Energy (BP, 2020).

Os BRICS apresentam consumo de energia primária muito concentrado em recursos fósseis. Em todos os países, os fósseis constituem a principal fonte energética, com predomínio do carvão na China, Índia e África do Sul e do gás natural na Rússia. O Brasil possui consumo fóssil mais diversificado entre petróleo e derivados, gás e carvão, que somam 55% do total. A diversidade e a abundância de fontes de energia, bem como a elevada participação de fontes renováveis no sistema elétrico e no setor de transporte particularizam o caso brasileiro (gráfico 2).

Gráfico 2 – Consumo final de energia primária dos BRICS – 2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados de (BP, 2020).

Os sistemas elétricos dos BRICS são igualmente concentrados em combustíveis fósseis, a exceção do Brasil devido ao uso predominante da hidreletricidade, além de produtos da cana e energia eólica (gráfico 3). Neste cenário, o gás natural desempenha papel importante nas políticas de descarbonização dos BRICS , pois substitui fontes mais poluentes e oferta confiabilidade e flexibilidade aos sistemas elétricos frente a penetração das energias renováveis.

Gráfico 3 – Matriz Elétrica nos países BRICS – 2019

Fonte: Elaboração própria a partir de dados de (BP, 2020).

A descarbonização do setor de energia via eletrificação dos usos finais é uma das principais estratégias de transição energética dos BRICS, que apresentam participação crescente na capacidade mundial de geração renovável, especialmente China, Índia e Brasil, que se posicionam entre os principais demandantes dessas tecnologias (gráfico 4).

Gráfico 4 – Evolução da capacidade instalada de renováveis nos países BRICS

Fonte: Elaboração própria a partir de Renewable Energy Statistics (IRENA, 2020).

África do Sul

A África do Sul é a segunda maior economia do continente africano e o sétimo maior produtor de carvão mineral do mundo. Sua matriz energética é altamente dependente do carvão, que atende 70% da demanda de energia primária total, seguido do petróleo. Todas as demais fontes de energia têm participação pouco expressiva no balanço energético. Dentre os BRICS, a África do Sul enfrenta os maiores desafios para uma transição energética sustentável, do ponto de vista da disponibilidade de recursos econômicos e institucionais. O país combina os objetivos de transição energética aos de desenvolvimento econômico e erradicação da pobreza, a partir do aproveitamento do seu grande potencial renovável – um dos melhores regimes solares do mundo e alto potencial eólico em regiões costeiras e hidrelétrico – e da universalização do acesso à eletricidade. Essa estratégia, usualmente chamada de transição justa, busca beneficiar a descentralização da geração, reforçar a segurança energética e garante o acesso à energia limpa às comunidades remotas. Para isso, a África do Sul visa não contratar novas termelétricas a carvão e descomissionar 11 GW até 2030. Nesse período planeja aumentar da capacidade de geração eólica (14,1 GW), solar (7,1 GW) e gás natural (3 GW[1]) (ÁFRICA DO SUL, 2019a).

Brasil

O Brasil tem uma condição única dentro dos BRICS, pois possui uma das matrizes mais limpas do mundo e grande potencial de fontes renováveis a custos competitivos. O país conta com substancial parque hidrelétrico com grandes reservatórios e um sistema elétrico nacionalmente interligado, que são facilitadores para a integração das energias eólica, solar e biomassa. A indústria de biocombustíveis é madura no país, apresentando alternativas aos derivados de petróleo, especialmente no setor de transportes. Com a descoberta do Pré-sal, o Brasil se tornou uma fronteira de expansão da produção de petróleo e gás associado, e estima-se-que a oferta nacional de gás alcance 138 MMm³/d até 2029 (EPE, 2020).

Nesse cenário de abundância de recursos, o desafio do Brasil é promover a expansão da oferta de energia de modo a sustentar o crescimento econômico, elevar a disponibilidade de energia por habitante[2] e manter a alta proporção de fontes renováveis no sistema energético frente a restrições para a expansão hidrelétrica.

Um dos principais instrumentos para a difusão de energias renováveis no setor elétrico é os leilões de contratação de nova capacidade. As energias eólica e solar foram impulsionadas, inicialmente, através de leilões de fontes específicas[3], e, progressivamente, conquistaram competitividade nos leilões de energia abertos. Os empreendimentos vencedores podem se beneficiar de programas de financiamento diferenciado para fontes renováveis. Em particular, o financiamento é vantajoso para projetos que apresentem níveis elevados de conteúdo nacional. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) disponibiliza créditos para projetos individuais e participa do Plano Inova Energia, que apoia as empresas brasileiras no desenvolvimento e domínio tecnológico das cadeias produtivas eólica e sola e smart grids.

No setor de biocombustíveis,  o governo federal utiliza instrumentos regulatórios e incentivos econômicos para investimentos, como: linhas de financiamento, mandatos obrigatórios de adição de biocombustível à gasolina e ao diesel, diferenciação tributária, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio[4]) e programas de desenvolvimento para biocombustíveis específicos. Já o Programa Novo Mercado de Gás (NMG) vem conduzindo reformas normativas frente à saída da Petrobras a fim de incentivar a entrada de agentes privados e a ampliação da oferta de gás nacional e importado a preços competitivos, possibilitando o aumento do uso termelétrico e industrial do combustível.

China

A China é o maior consumidor de energia primária e responsável por 30% das emissões de CO2 mundiais – o dobro dos Estados Unidos e três vezes da União Europeia. O carvão compõe a base do sistema energético chinês, apesar da queda da sua participação relativa de 70% para 58% na última década. No setor elétrico, a capacidade instalada de geração a carvão atinge 1.000 GW, quase metade da capacidade global, porém cerca de 400 GW permanecem em baixa ou nenhuma operação.

Por outro lado, a China vem fortalecendo seus compromissos com a redução de emissões de CO2 e desenvolve programas de grande escala para ampliação de fontes renováveis e de gás natural. A geração de fontes renováveis se expande rapidamente, tendo atingido 790 GW no final de 2019[5]. As capacidades eólica (240 GW) e solar (204 GW) correspondem a mais de um terço da capacidade instalada mundial e o país vem ampliando os investimentos em eólica offshore, com 11 GW em construção atualmente. A biomassa e os biocombustíveis têm baixa participação na matriz chinesa, mas o país tem programas de reflorestamento e de aproveitamento de resíduos urbanos e adotou a mistura de 10% de etanol na gasolina a partir de 2020.

Além disso, a China tem políticas de subsídio às energias renováveis, tendo dedicado US$ 13 bilhões ao segmento apenas em 2020, e é um dos maiores emissores de títulos verdes do mundo (WOODMAC, 2020). O país avança em tecnologias de fronteira que apoiam a difusão de energias limpas e a eficiência energética, como: sistemas de energia inteligentes de alta eficiência e baterias; captura e armazenamento de carbono; veículos elétricos e uso de hidrogênio no setor de transportes; e rotas alternativas de produção de hidrogênio de zero carbono. A China também domina a cadeia global de fornecimento de painéis solares fotovoltaicos e células de bateria de carregamento ultrarrápido (SINO-GERMAN ENERGY TRANSITION PROJECT, 2020).

O gás natural ainda possui baixa participação na matriz chinesa, com constantes episódios de escassez. O governo busca aumentar a oferta de gás natural a partir de incentivos à produção de gás não convencional; ampliação da infraestrutura de armazenamento e regaseificação de GNL e de transporte doméstico e internacional; e reformas liberalizantes na indústria de gás. Por sua vez, governos locais possuem políticas de ar limpo e metas ambientais que apoiam o uso de gás na geração elétrica, aquecimento e transporte, como alternativa ao carvão e à gasolina (IEA, 2019).

Índia

A Índia é o terceiro maior consumidor de energia do mundo e emissor de CO2, mas apresenta o menor consumo de energia per capita dos BRICS. Assim como a África do Sul  e a China, o sistema energético indiano é baseado no carvão, a fonte mais barata e abundante do país. Segundo a IEA (2020), a Índia responderá por 25% do crescimento da demanda de energia global nas próximas duas décadas e, por isso, a sua transição energética é uma frente crítica na luta global contra as mudanças climáticas e na própria segurança energética do país, que sofre recorrentes apagões e tem o objetivo de universalização do acesso à energia.

A Índia tem a meta expandir a capacidade renovável em 227 GW até 2022 (114 GW de  solar e 67 GW de eólica) e 450 GW até 2030 (US EIA, 2020). O atendimento de problemas da eletrificação de populações isoladas e ganhos de eficiência na agricultura são priorizados nessas metas. A expansão da energia solar faz parte da Missão Solar Nacional (Pandit Jawaharlal Nehru), que almeja construir uma liderança indiana nesse setor (ÍNDIA, 2018).

Existem mecanismos diversos de incentivo para as energias renováveis, como tarifas feed-in estaduais, certificados e obrigações de compra de energia renováveis, incentivos via subsídios e tributos e leilões. O governo fornece benefícios sobre impostos a telhados solares, o que reduz o custo de instalação.

O país planeja aumentar o consumo gás natural, que hoje é baixo, como parte do plano nacional para reduzir a poluição do ar, principalmente em áreas urbanas. O governo oferece incentivos às empresas privadas e estatais na produção de gás natural, principalmente não convencional e de águas profundas, e planeja expandir a infraestrutura de gasodutos, terminais de regaseificação e estações de distribuição de GNC e biogás comprimido.

Rússia

A Rússia é o segundo maior exportador mundial de gás natural e o terceiro de petróleo bruto e carvão mineral, enquanto ocupa o quarto lugar no consumo de energia primária, produção de eletricidade e emissões de CO2. A matriz energética russa é dominada por combustíveis fósseis – gás natural (53%), carvão (12%) e petróleo (22%). As fontes de energia livres de carbono são representadas, principalmente, por hidrelétricas (5%) e nuclear (6%). Solar, eólica, biomassa e outras renováveis são insignificantes e totalizam menos de 1% da matriz (BP, 2019).

A Rússia tem a estratégia de desenvolver o chamado “complexo de combustível e energia”, visando ampliar o uso dos recursos domésticos para impulsionar o desenvolvimento econômico, incluindo a produção de reservas de óleo e gás de difícil recuperação no Extremo Oriente, a modernização e expansão do setor nuclear, a eficiência energética e o aproveitamento das fontes renováveis. As indústrias de hidrocarbonetos têm peso elevado na economia do país (25% do PIB, 39% do orçamento federal e 65% das receitas de exportação) e ampara redes existentes de poder político e investimentos de longo prazo em infraestruturas de energias fósseis, o que gera uma inércia institucional e tecnológica para a transição para uma economia de baixo carbono (TYNKKYNEN, 2020). Por outro lado, o país tem recursos energéticos para se tornar uma grande potência ecológica e vem buscando um “salto de modernização” para uma indústria de energia mais eficiente e sustentável, apoiada no desenvolvimento de tecnologias digitais nacionais (MITROVA; YERMACOV, 2019).

A Rússia consolidou um sistema de leilões para compra de capacidade de geração. As regras de conteúdo local foram flexibilizadas para novos projetos de energia renovável e os limites de capacidade reduzidos (MALIK, 2019). O governo avalia a retirada de subsídios à tarifa aos geradores fósseis e a paridade das tarifas elétricas (ERI RAS; ACRF, 2019). A Rússia também objetiva ampliar a oferta doméstica de gás e se destaca em pesquisas para produção do hidrogênio azul (IRENA, 2017). 

Cooperação para difusão de fontes renováveis e gás natural nos BRICS

Três vetores-chave estruturam a cooperação em energia dos BRICS: apoio ao desenvolvimento dos sistemas energéticos nacionais, cooperação tecnológica e melhores condições de investimento em energia.

No âmbito da Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D, I), a cooperação intra-BRICS ganha ênfase gradual a partir de treinamentos especializados, consultorias, intercâmbio de conhecimento e transferências tecnológicas. Em 2018, os BRICS criaram a Plataforma de Cooperação em Pesquisa Energética, que reúne especialistas, empresas e institutos de pesquisa com o objetivo de coordenar os interesses comuns dos BRICS em áreas de P&D promissoras, novas tecnologia e políticas de inovação. Nesse âmbito, foi criado o relatório BRICS Energy Technology (BRICS ERPC, 2020), que aponta  as áreas e tecnologias estratégicas no desenvolvimento conjunto da energia sustentável, como:

  • Cooperação científica e técnica: equipamentos de geração limpa, armazenamento e uso generalizado da energia renovável;
  • Tecnologias de energia limpa: utilização da biomassa, sistemas de armazenamento baseados em baterias de íon-lítio, aumento da eficiência dos painéis solares, integração de estações de energia solar com armazenamento de energia;
  • Setor elétrico: tecnologias de monitoramento de rede, smart grid, medidores inteligentes, sistemas integrados de análise de dados e geodata, telemetria e automação total da rede;
  • Gás natural: sistemas para processamento autônomo e interpretação de dados sísmicos, equipamentos geofísicos, plataformas de produção e digitalização da produção.

A plataforma é apoiada por duas iniciativas adicionais. A BRICS Network University é uma associação de universidades que oferece treinamento online em áreas prioritárias de pesquisa identificadas pelo BRICS e é supervisionada pelos ministérios da educação nacionais do BRICS. O BRICS Think Tank Council é uma plataforma cooperativa para think tanks dos países do BRICS, com o objetivo de facilitar a pesquisa conjunta e o debate, liderada pelos ministérios de relações exteriores.

Já o i-BRICS Network é um projeto conjunto de rede de inovação tecnológica e transformação digital com sede em Xiamen (China) e faz a conexão de parques tecnológicos, incubadoras e aceleradoras de modo a ampliar as possibilidades conjuntas de apoio e atuação das startups. Por fim, a Parceria Econômica dos BRICS 2020 busca aprimorar parcerias público-privadas em P&D e tecnologias em áreas de interesse mútuo.

Os BRICS reúnem economias emergentes que, via de regra, contam com menos recursos tecnológicos e financeiros e têm o desafio de expandir a infraestrutura e o acesso à energia enquanto implementam novos modelos econômicos de baixo carbono, colocando o financiamento como um ponto crítico da transição energética. Em 2014, os BRICS lançaram o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) como mecanismo de cooperação para financiar projetos de infraestrutura e promover o desenvolvimento. O sistema de financiamento também é amparado pelo Mecanismo de Cooperação Interbancária do BRICS, que reúne as instituições financeiras dos cinco países para mobilização de investimentos privados em projetos de infraestrutura (NBD. 219).

A cooperação intra-BRICS também ocorre no âmbito das relações bilaterais de comércio e investimento, onde as complementaridades energéticas apresentam diversas possibilidades de colaboração.

A China é o maior investidor e possui forte capacidade tecnológica em energias de baixo carbono, gerando amplo potencial de cooperação tecnológica, especialmente nos campos de armazenamento à bateria, painéis solares fotovoltaicos, veículos elétricos, rotas para produção de hidrogênio e digitalização de instalações de energia elétrica. A China é também um grande consumidor de energia, o que permite acordos comerciais com países produtores do grupo, como a Rússia, que é o segundo maior exportador de petróleo para a China e tem o comércio de gás natural fortalecido pela construção dos gasodutos Altai e Power of Siberia. A Rússia também tem forte potencial hidrelétrico e de outras renováveis na fronteira oriental, que podem ser explorados visando o mercado chinês. Em contrapartida, a China realiza investimentos em  produção e liquefação de gás natural na Sibéria e pode contribuir para o aproveitamento hídrico e eólico próximo à fronteira. Nesse sentido, as relações sino-russas envolvem o interesse mútuo em fortalecer laços energéticos, que levam à interdependência política e econômica.

A Rússia avalia também a expansão das vendas de GNL para Índia e Brasil. Além disso, a cooperação em energia nuclear civil é tradicionalmente importante nas relações externas da Rússia, enquanto o interesse comum nessa fonte a coloca no rol de energias limpas prioritárias dos BRICS. A Rússia tem acordos de venda de urânio com China e Índia  e joint ventures com a China para desenvolvimento de reatores de neutros rápidos e visa acordos de transferência de tecnologia em projetos de usinas nucleares com África do Sul e Índia e de cooperação com o Brasil para fornecimento de urânio e construção de usinas nucleares estacionárias. Já a Índia explora a possibilidade de expandir investimentos na região ártica da Rússia, em novos projetos de óleo e gás e renováveis.

O Brasil também é um fornecedor de petróleo para China, recebendo em contrapartida investimentos chineses no Pré-sal, e se destaca na área de bioenergia, podendo obter ganhos com a abertura do mercado de biocombustíveis dos demais BRICS, além de transferir tecnologias de etanol, cogeração e carros híbridos. Em especial, Brasil e África do Sul têm oportunidades de colaboração nas áreas de bioenergia, bioeletricidade e biocombustíveis, dado que o país africano possui indústria açucareira competitiva e tem potencial para produção de bioenergia a partir da cana-de-açúcar (ESI AFRICA, 2020).

Por fim, o hidrogênio tem potencial para configurar um importante eixo de integração e cooperação energética nos BRICS, no qual países com base tecnológica mais desenvolvida, como China e Rússia, podem desempenhar o papel de fornecedores de tecnologia, enquanto Brasil, África do Sul e Índia podem se tornar exportadores de hidrogênio limpo com o desenvolvimento de projetos integrado de geração renovável e eletrolisadores. Ou seja, uma abordagem colaborativa para o hidrogênio nos BRICS poderia complementar as iniciativas nacionais, permitindo aos países captarem complementaridades nos padrões de demanda e produção e desbloquearem sinergias no uso e desenvolvimento da infraestrutura, podendo tornar a eletricidade uma commodity comercializada por países distantes, além dos limites de redes de transmissão. Além disso, os países podem desbloquear fundos públicos e privados para P&D e promover projetos de financiamento em rotas tecnológicas de hidrogênio, além de aumentar o foco em áreas de pesquisa transversais.

Conclusões

Os BRICS têm elevada participação no consumo e na produção global de energia, especialmente de fontes fósseis, mas vem expandindo seu engajamento da redução das emissões de CO2, ainda que tardiamente em relação aos países da OCDE. É interessante ressaltar que o gás natural pode representar um passo importante no processo de descarbonização dos BRICS. Apesar das peculiaridades presentes nos processos de  transição energética nacionais, os BRICS demonstram o fortalecimento da cooperação internacional em energia como mecanismo fundamental para ampliar investimentos e desenvolver novos processos e tecnologias sustentáveis, aperfeiçoar políticas e programas e explorar ganhos de comércio, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.

 

Notas

[1] Dado referente a gás natural e óleo diesel (IRP, 2019).

[2] 1,4 tep/hab em 2019, inferior à média mundial de 1,85 tep/hab, em 2016 (EPE, 2020b).

[3] Os Leilões de Fontes Alternativas (LFA) foram instituídos com o objetivo de atender ao crescimento do mercado no ambiente regulado e aumentar a participação de fontes renováveis – eólica, biomassa e energia proveniente de PCHs.

[4] O RenovaBio é um modelo de mercado de compra e venda de créditos de carbono a partir de certificados chamados CBIOs. Os produtores (de etanol, biodiesel, biometano, bioquerosene, segunda geração, entre outros), voluntariamente, certificam sua produção e recebem CBIOs listados na bolsa (B3), onde podem ser comprados pelas distribuidoras, que são obrigadas a cumprir metas anuais de aquisição de CBIOs na proporção da participação do mercado de gasolina e diesel, ou por investidores no mercado de balcão da bolsa.

[5] O avanço das renováveis na China é impressionante, mas, sob a dinâmica atual, faz-se crucial a inserção mais acelerada das fontes limpas e da captura de carbono, de modo a permitir o descomissionamento de quase todo o parque termelétrico a carvão antes do fim da sua vida útil e a estagnação das emissões de CO2 em termos absolutos, em acordo com a nova NDC no âmbito do Acordo de Paris (atingir o pico de emissões de CO2 em 2035 e tornar-se neutro em carbono antes de 2060).

Referências bibliográficas

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Sugestão de citação: TAVARES, A.; LOSEKANN, L. (2021). Potencial de cooperação para difusão de energias renováveis e gás natural nos BRICS. Ensaio Energético, 29 de março, 2021.

Autora do Ensaio Energético. Analista de Relações Internacionais pela PUC-Rio, mestre em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ, doutoranda em Ciências Econômicas pela UFF e pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação – GENER/UFF.

Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

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