Ensaio Energético

Em busca de uma definição para bioeconomia brasileira

Este artigo é um resumo de um dos capítulo da tese de doutorado do Autor intitulada: Capacidades Tecnológicas em Bioeconomia e Bases para uma Estratégia de Pathcreating no Brasil. O objetivo do presente texto é mapear através de entrevistas com agentes atuantes na bioeconomia brasileira quais os principais temas debatidos e identificar uma definição de bioeconomia para o Brasil

O artigo é dividido em quatro seções. Na Primeira, há uma breve revisão da bioeconomia na literatura econômica. Na segunda seção, é feito um mapeamento de algumas definições de bioeconomia já utilizadas no Brasil.

A terceira seção apresenta uma árvore de palavras construída com base em entrevistas que ilustra os principais temas abordados pelos entrevistados. Por fim, nas conclusões, identifica-se uma definição de bioeconomia para o Brasil que aborde os principais temas abordados.

 

Bioeconomia na literatura econômica- As diferentes visões sobre bioeconomia

Autores como Vivien et al. (2019) consideram que as origens das discussões sobre bioeconomia são antigas, datam da década de 1920, quando o biólogo russo Baranoff cunhou o termo “bioeconomics” para descrever a economia relacionada à atividade de pesca (VIVIEN et al., 2019). Baranoff descrevia algo parecido com o problema do uso de bens comuns, uma falha de mercado na economia neoclássica. No caso da pesca, exigia-se soluções para encontrar a produção ótima que permitisse a reprodução natural do pescado.

Quem de fato trabalhou com o termo “bioeconomics” para descrever uma compreensão ampla do funcionamento da economia foi Georgescu-Roegen, na década de 1970 (VIVIEN et al., 2019). O autor desenvolve uma teoria que compreende a relação entre a tecnosfera, economia e a sociedade, e a biosfera, que compreende a ecologia do planeta.

Para o Autor, períodos de longo de crescimento econômico, como o iniciado com a Revolução Industrial, geram desequilíbrios entre a tecnosfera e a biosfera, uma vez que a biosfera possui capacidade limitada de recompor a degradação ocasionada pelo maior consumo de recursos (GIAMPIETRO, 2019; SAVIOTTI, 2017). Destaca-se que,  fenômenos como o do Aquecimento Global,  anomalias climáticas, extinção de espécies etc., são resultado desses desequilíbrios.

Para a volta ao equilíbrio, segundo a teoria de Georgescu-Roegen, há duas possibilidades. A primeira é o colapso econômico e a consequente redução sobre os recursos da bioesfera. A segunda é o surgimento de “Promethean technologies”, um tipo de tecnologia que permite saltos tecnológicos qualitativos e quantitativos e que tornam possível o uso de recursos da biosfera antes não utilizados de forma eficiente. Torna-se possível o nova oferta de energia e novos ciclos de crescimento (GIAMPIETRO, 2019; SAVIOTTI, 2017; VIVIEN et al., 2019).

Autores como Golembiewski, Sick e Broring (2015) não consideram a abordagem da “bioeconomics” como origem das discussões sobre a bioeconomia moderna.  Para eles, o termo é mais recente, com surgimento nos anos 2000. Para eles, a bioeconomia surge como possibilidade de transição e solução para um crescimento econômico sustentável, bem diferente da visão mais  teórica da “bioeconomics” de Georgescu-Roegen, onde o decrescimento econômico é necessário para se atingir o equilíbrio (GIAMPIETRO, 2019; SAVIOTTI, 2017; VIVIEN et al., 2019).

Uma definição clara de bioeconomia possibilita que governos, empresas e demais agentes desenvolvam métricas e outras formas de avaliar o status da bioeconomia. Permite a adoção de estratégias e de formas de acompanhá-las. Portanto, formalizar uma definição abrangente de bioeconomia que considere as especificidades de cada país, é um passo primordial para a construção e a avaliação de políticas públicas.

Como base de políticas e por incorporar especificidades regionais, diferentes definições de bioeconomia surgiram. Bugge, Hansen e Klitkou (2016) identificam a existência de diversidade de definições sobre bioeconomia e as agrupam em três grandes visões. Duas que eles consideram “business as usual” e uma de ruptura, que, segundo Vivien et al. (2019), sofre influência de Georgescu-Roegen.

A primeira é a visão biotecnológica que dá ênfase ao papel da biotecnologia e sua aplicação em larga escala. Esta é uma visão cujo centro dinâmico é globalizado, tendo como agentes principais aqueles envolvidos em P&D de ponta, sobretudo grandes empresas de biotecnologia, start-ups, centros de pesquisa e universidades. Ela é considerada business as usual pois considera o crescimento da bioeconomia como a ampliação do uso da biotecnologia (KLITKOU; FEVOLDEN; CAPASSO, 2019; OECD, 2018).

A segunda visão de bioeconomia é a baseada em biomassa e valorização dos recursos biológicos. Essa é uma ótica com foco regional que busca valorizar os recursos biológicos das diversas regiões. Há um caráter “glocal” (global + local) pois cada região depende de soluções únicas, principalmente no desenvolvimento de cadeias de abastecimento de matérias-primas, e de conhecimentos científicos gerados além dos limites regionais, principalmente para solucionar entraves nos processos industriais (OECD, 2018).

A terceira é a visão bioecológica que sofre influência da “bioeconomics”. Ela destoa das outras pelo foco na sustentabilidade, a qual deve ser sempre priorizada. O crescimento econômico e a geração de emprego são secundários. Eles são resultados de uma mudança nas relações entre o homem e a terra, da valorização dos produtos da biodiversidade e do reconhecimento dos serviços ecossistêmicos (externalidades positivas) (VIVIEN et al., 2019).

 

Visões de bioeconomia no Brasil

No Brasil, o Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), organização ligada ao Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, estudou o panorama das publicações científicas brasileiras sobre a bioeconomia. Foram catalogados mais de oito mil artigos publicados entre os anos de 1976 até 2021 (CGEE, 2022). Importante destacar que o “boom” de publicações envolvendo a bioeconomia no Brasil teve início nos anos 2000, coincidindo com a observação feita por Golembiewski, Sick e Broring (2015).

O texto do CGEE constatou que a maior parte das publicações estão relacionadas com produtos energéticos, principalmente o etanol e o biodiesel. Essa constatação não é surpresa uma vez que o Brasil se destaca no panorama mundial como um grande produtor de biocombustíveis e um dos poucos países com elevada participação de biocombustível na frota. Outra área de destaque envolve os artigos ligados aos processos agrícolas, principalmente aos processos agrícolas relacionados com os biocombustíveis (maioria das publicações dedicam-se a estudar a cana-de-açúcar, por exemplo).

Em períodos mais recentes, a partir dos anos 2000, O Boletim aponta que artigos relacionados com indicadores de sustentabilidade, Amazônia e Biodiversidade ganharam mais espaço. Essa evolução mostra uma expansão da compreensão da bioeconomia no meio acadêmico, englobando questões mais diversas, e considerando a transição para uma economia de baixo carbono par além da transição energética.

Um outro trabalho relevante no Brasil sobre a bioeconomia foi o texto “A Bioeconomia Brasileira em Números”, de 2018, que estimou o impacto da bioeconomia brasileira no Produto Interno Bruto brasileiro. O texto utilizou uma matriz insumo produto, que identifica os fluxos de produtos e serviços entre diferentes cadeias produtivas, para estimar a geração de renda das cadeias inseridas na bioeconomia (SILVA; PEREIRA;BOMTEMPO, 2018).

O texto considerou qualquer setor que utilize biomassa como pertencente à bioeconomia, ou seja, toda a agricultura, produção florestal, produção de animais e seus encadeamentos. O texto claramente parte de uma visão baseada em biomassa sem se ater à sustentabilidade como critério necessário para bioeconomia. Ainda, o texto se concentra em setores estabelecidos.

Seguindo uma definição mais restrita de bioeconomia, o CGEE e o próprio MCTI consideram que a “bioeconomia compreende toda a atividade econômica derivada de bioprocessos e bioprodutos que contribui para soluções eficientes no uso de recursos biológicos – frente aos desafios em alimentação, produtos químicos, materiais, produção de energia, saúde, serviços ambientais e proteção ambiental – que promovem a transição para um novo modelo de desenvolvimento sustentável e de bem-estar da sociedade” (CGEE, 2022).

Esta definição coloca a bioeconomia como uma alternativa ao atual modelo de produção baseado em fóssil pois a considera capaz de trazer soluções, em forma de produtos e serviços, para atender as necessidades ambientais e sociais. Ao considerar apenas “soluções eficientes”, a definição do MCTI concentra a bioeconomia em atividades que exigem inovações para superação de desafios tecnológicos, principalmente desafios de escala com novas tecnologias.

No âmbito da indústria, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem incentivado uma  agenda de conscientização sobre a bioeconomia com o objetivo de facilitar a interação entre empresas e agentes de ciência e tecnologia que atuam com áreas afins à bioeconomia (CNI, 2020). A CNI define a bioeconomia “como resultado de uma revolução de inovações aplicadas no campo das ciências biológicas. Está diretamente ligada à invenção, ao desenvolvimento e ao uso de produtos e processos biológicos nas áreas da saúde humana, da produtividade agrícola e da pecuária, bem como da biotecnologia. Envolve, por isso, vários segmentos industriais”.

A agenda da CNI alinha-se com a visão da biotecnologia e entende a bioeconomia como um resultado da revolução da biotecnologia. Os diferentes setores passam a sofrer influência de novos processos e a concorrer com novos produtos. Eles acabam caminhando para um novo paradigma, no caso, a bioeconomia. Interessante que, quando a CNI trata da biodiversidade, há uma visão de processo e não apenas de produto. A ideia é explorar a biodiversidade brasileira para identificação de microrganismos e de enzimas capazes de gerar novos processos (CNI, 2020).

 

Árvore de palavras: principais tópicos discutidos sobre a bioeconomia no Brasil

Como comentado, este  artigo tem como base a Tese de Doutorado do autor deste artigo. Um dos exercícios realizado na tese foi a construção de uma árvore de palavras com base nas transcrições de cerca de 50 entrevistas com agentes que atuam na bioeconomia brasileira. A árvore gerada, Figura 1, contém nomes que representam grupos de palavras de uma mesma família. Como era de se esperar, dentre as palavras mais citadas estavam “Bioeconomia” e “Brasil”, uma vez que estes forma os temas principais das entrevistas. Todavia, a árvore de palavras mostra algumas outras palavras que possibilitam discussões interessantes.

 

O grupo de palavras “produtos”, que contempla palavras como “produto”, “produção”, “produtividade”, foi a mais citada pelos entrevistados. Isso deve-se em boa parte a forte relação da biomassa com os processos industriais e a necessidade de ganhos de produtividade para se alcançar maior sustentabilidade.

Buscar mais produtividade e mais biomassa por hectare. Tecnologias que permitam o aproveitamento integral da biomassa como o etanol celulósico que dobra a produtividade. Há muitas saídas! Produtividades podem crescer bastante. Pode-se reduzir os insumos. Uma economia circular completa pode ser utopia, mas é para lá que você tem que olhar” (Entrevistado 8, agente de governo).

Codificações como a citada acima permearam as entrevistas. Em muitos casos, a “produtividade” estava relacionada com biomassas em que o Brasil é líder, como cana e soja, e como essas variedades contribuem e podem contribuir mais para a construção bioeconomia sustentável por meio de inovação. Importante, palavras como cana, soja e celulose, biomassas em que o Brasil é líder de produção, também possuem destaque na árvore de palavras.

Então, não pode deixar que o cara ganhe terra na Amazônia para fazer o mais fácil. Melhor que ele gaste recursos para desenvolver tecnologia na área que ele tem. Essa cana energia, por exemplo, enquanto a cana normal a produtividade chega a 80 toneladas por ha, a energia chega a 200 – 250. Tecnologia resolve isso. Para forçar a tecnologia tem que ter restrições. Obriga o camarada a desenvolver tecnologia.” (Entrevistado 14, agente de centro de pesquisa).

Outro grupo de palavras interessante é a “Desenvolvimentos” que engloba palavras como “desenvolver”, “desenvolvimento” e “desenvolvido”. Este grupo relaciona-se com diversos temas como o avanço de tecnologias (sociais e físicas) específicas, como o entrevistado 24 (agente da indústria) que cita o caso de uma empresa: “Eles têm uma longa história de desenvolver comunidades e desenvolver processos de extração do óleo e promover os óleos brasileiros no Brasil mesmo e lá fora”. E o entrevistado 16 (agente de governo) que comenta das possibilidades que o Brasil possui por ter desenvolvido seu próprio acelerador de partículas: “até o desenvolvimento mega absurdo no Sirius, em São Paulo, que permite observar estrutura molecular de alimentos para uma série de coisas. Exemplo, produção de coquetéis específicos para degradar biomassas”.

Todavia, o uso mais corrente da palavra desenvolvimento estava relacionado a necessidade de construção de capacidades de pesquisa & desenvolvimento, identificado pelos entrevistados como uma capacidade que deve ser construída no Brasil para o avanço da bioeconomia, principalmente na área de biotecnologia industrial. Exemplos de citações a seguir:

O mercado de carne cultivada, ele é intensivo em pesquisa. Fica definido pelo apetite de CNPJ em investir em Pesquisa & Desenvolvimento e em Pesquisa & Desenvolvimento disruptivo. Não é um mercado winner takes it all, mas é um mercado onde a intensidade de capital na hora da multiplicação das plantas pode definir as coisas.” (Entrevistado 27, agente de ONG).

E dar tempo! O resultado não vem em dois ou três anos. O desenvolvimento de uma bioindústria e de complexo industrial leva tempo. Assim como levou tempo para desenvolver o setor de petróleo e gás, no etanol, na Embraer. E olha aonde chegou, somos excelência. Temos exemplos que dão referência para acreditar que, com a bioeconomia, a gente possa realmente conseguir ter essas histórias para contar para os nossos netos.” (Entrevistado 16, agente de governo).

Eu acredito que o Brasil tem espaço para desenvolver e ter mais pesquisa e desenvolvimento. Mas, nessa questão de biotecnologia industrial, acredito que o Brasil tem sim vários grupos de pesquisa sobre” (Entrevistado 33, agente de indústria).

“Biomassa” contém outro grupo de palavras entre as mais citadas. Este grupo poderia ser complementado com muitos outros presentes na Figura 1 como “resíduos”, “matérias”, “culturas”, “agricultura” e as biomassas já exemplificadas, como “cana” e “soja”. O surgimento dessas palavras com elevada frequência é esperado uma vez que a biomassa é a base da bioeconomia e estruturante dos setores industriais.

As referências à biomassa perpassam distintos temas. Parte deles exaltam a competitividade de culturas estabelecidas e como elas apresentam um diferencial para expandir o processamento da biomassa e ampliar o escopo de bioprodutos. Por exemplo, o Entrevistado 33, agente de um centro de pesquisa internacional, comenta que, em sua experiência no exterior ele trabalhou em “um projeto com o pessoal de papel e celulose e a visão que o pessoal tem do Brasil é impressionante. … Eles têm muita apreciação, respeito e reconhecem essa capacidade e até agradecem ao Brasil andar lento no desenvolvimento tecnológico

Sobre a cana-de-açúcar as citações foram amplas e focavam na longa tradição da produção e da sua relação com a produção de biocombustíveis.

O usineiro é tradicionalmente conservador (300 anos). Gilberto Freyre escreveu a Cana-de-Açúcar. Mas as coisas estão mudando pois há investidores institucionais pesados Raízen se associou com a Biosev (ainda é um mercado pouco concentrado). Essa consolidação está ocorrendo. A cana cresceu em SP por conjunção de fatores: necessidade de sair do café, solo adequado, indústria metal mecânica e escola de agriculturas” (Entrevistado 7, agente da academia).

Tem áreas que estão devastadas que algumas variedades de bioeconomia, como a cana energia, poderiam ser utilizadas para melhorar as condições dessas terras devastadas. Recuperar e ainda assim ter biomassa para isso. Sobre esse ponto de vista não há dúvida que o Brasil é líder.” (Entrevistado 34, agente de centro de pesquisa)

Parte significativa das citações envolvendo biomassa falam do potencial do desenvolvimento de novas culturas e das oportunidades que elas representam. Em particular, por um lado, destacam as vantagens do Brasil como disponibilidade de terras, clima favorável e biodiversidade e, por outro lado, ressaltam que há dificuldades como falta de financiamento, de políticas públicas e de pouca inserção social.

O Brasil tem incentivado novas cadeias? Eu vejo incipiente. Ainda existe muita atenção nos winners globais. As inciativas para a diversificação são poucas, isoladas e definidas por iniciativas privadas. Se você pegar a cadeia de grãos, também tem uma limitação. Tem pequenos pontos onde há cultivos de grãos alternativos. Mas isso aí acaba perdendo não tem uma política nacional que olhe isso. Até a Embrapa olha para muitas coisas diferentes. Inclusive tem pancs, grãos diferentes. Ela olha para isso, mas a percepção é que isso não tem tanta tração. Anda de lado com menos apoio do que devia ter” (Entrevistado 24, agente da indústria).

“… se a gente for pegar a macaúba, um hectare tem um potencial de produzir 40 vezes mais óleo que a soja. Isso é fabuloso. Só que a macaúba é uma planta de ciclo longo. Você não tem, ou não tinha pelo menos, o desenvolvimento em termo de cultivares e de fitotecnia quanto a soja, tudo isso vai dificultado. Você tem uma empresa que é nossa associada inclusive, que é a Soleá. Eles desenvolveram uma start-up, o CEO da empresa é um visionário, ele começou o desenvolvimento tanto da fitotecnia da macaúba como fazer o melhoramento desenvolver a técnica de plantio e ele vai com a parte de extração de óleo e desenvolvimento de produtos de alto valor agregado e como transforma aquele óleo extraído em produtos de valor agregado.” (Entrevistado 25, agente da indústria).

A gente tem área suficiente para alimentar uma planta exclusiva de macaúba? Não tem. Está começando agora a ter plantação industrial (extrativista até agora). A Embrapa estuda sistema de produção da macaúba de irrigação, genótipo… A gente acredita muito na macaúba. Para o setor investir em uma planta específica de macaúba, precisa ter muita macaúba. Precisa alguém apostar. … . Ainda não dá para plantar (são três, quatro anos para começar a produzir). É um investimento que você vai deixar seu dinheiro parado ali. Há estudo que buscam fazer consorciamento da cultura até ela chegar em uma idade produtiva. consorciar com pasto ou alguma outra cultura, feijão ou algo assim. Há experimentos no Nordeste. Cada oleaginosa tem problema específico e desafios particulares.”( Entrevistado 13, agente de centro de pesquisa).

Temos a evidência do potencial falta aquele plano mais agressivo, uma missão mesmo. ‘eu quero ser o maior produtor de óleo de palma do mundo até 2050’ vamos plantar 10 milhões de hectares nos próximos 20 anos. A macaúba começa a explorar depois de 10 – 20 anos (ela gera fruto até 90 anos). Planta a macaúba, não precisa tirar seu gado. Tem coisas que não precisa ser tão radical. Pode fazer uma transição inteligente e que consiga agregar valor. Acima de tudo, a questão da bioeconomia é agregar valor localmente. Temos que mudar o paradigma de exportador de commodities.” (Entrevistado 16, agente de governo)

“Processos”, “Plantas” e “Biorrefinarias” são grupos de palavras que foram utilizadas com foco na parte de processamento da biomassa a implantação de unidades industriais. Entre os entrevistados, pareceu haver uma tendência de considerar a biorrefinaria como algo a mais do que uma simples unidade processadora de biomassa e produtora de bioprodutos ou como algo inserido em um contexto maior de biomanufatura.

O entrevistado 17, agente de centro de pesquisa, por exemplo, considera a biorrefinaria como apenas um elemento a ser considerado no processamento da biomassa e relacionado a grandes escalas. Ele diz: “Quando você pensa em biorrefinaria, pensa primeiro no setor sucroenergético e depois pensa em papel e celulose. … O etanol se sobressai porque o agro é muito forte. Então, esse discurso de biorrefinaria domina. Toda vez que você tenta discutir biomanufatura industrial com quem só entende de biorrefinaria ele só pensa no etanol e vai quebrar o discurso em matéria-prima, pré-tratamento, hidrólise fermentação e produto. Pelo amor de deus, não é isso. A biomanufatura é muito mais abrangente. A biorrefinaria também faz parte de uma biomanufatura

Já o entrevistado 5, agente de indústria, olha a biorrefinaria como uma evolução das usinas tradicionais de etanol. “No futuro, a chance de haver melhoramento tecnológico das usinas e transformá-las em biorrefinarias existe se houver novas empresas entrando no setor com o etanol de segunda geração e buscando parceria com a primeira geração”. Ainda, ele complementa: “pode ser que as biorrefinarias não sejam grandes refinarias. Mas sim pequenas refinarias descentralizadas.”

Na mesma linha, o entrevistado 16, agente de governo, considera que a atual indústria de etanol e de grãos pode contribuir para o avanço do que ele chamou de biorrefinarias avançadas, mais intensivas em conhecimentos. “A gente tem essa indústria do açúcar e do etanol. A gente tem a indústria dos grãos. A gente tem competência para poder ser realmente um grande player na questão das biorrefinarias. Nesse contexto, a gente traz a questão das biorrefinarias avançadas

Nas entrevistas com agentes que atuam com produtos da biodiversidade, eles apresentam um modelo de produção que se distancia do modelo de evolução da usina de etanol. O entrevistado 24, agente de indústria, ao comentar do processo produtivo de sua empresa diz: “Existem tecnologias disponíveis e equipamentos disponíveis, há tecnologias mais sofisticadas pelo mundo. Mas você pode fazer processos de extração, são sempre processo de extração. O nosso negócio é usar o que a natureza tem. A gente não faz a biotransformação.”. Continua: “a gente hoje está expandindo para uma fábrica nova que tem uma capacidade de processamento de material de 5 a 8 vezes maior que a atual. Mas elas fazem a mesma coisa, são operações de extração, de separação, de refino e mistura e composições, ponto. A unidade multipropósito, as tecnologias são desenvolvidas pensando na unidade que a gente tem.”

Faz então sentido pensar biomanufatura como um escopo amplo de possibilidades produtivas para a bioeconomia. Onde as diferenças de matérias-primas, regionais e regulatórias determinarão o modelo ótimo de produção.

O exercício realizado com a árvore de palavras revela de forma geral e rápida os principais temas sobre a bioeconomia considerados pelos agentes envolvidos. Porém não revela se há ainda convergência ou divergências entre os diferentes setores avaliados e nem possibilita uma avaliação de como os principais temas estão relacionados.

 

Conclusões

Com base nas entrevistas com agentes atuantes no Brasil, percebe-se que há alinhamentos com as visões descritas inicialmente. Em diferentes níveis, a substituição dos fósseis está presente em todas as visões, apesar de algumas tentarem replicar o modelo linear e com grandes escalas e outras buscarem uma ruptura mais drástica em relação ao modo de produções. A biotecnologia também é elemento presente em todas as visões e é vista como um importante eixos de inovação. Todavia, para alguns dos entrevistados, há ressalvas quanto ao desenvolvimento de variedades de animais, vegetais e microrganismos geneticamente modificados.

Importante, há consenso que a “sustentabilidade” precisa estar presente para que o modo de produção praticado se enquadre na bioeconomia. Nos modelos de produção estabelecidos, em geral, ela é uma resposta às demandas de mercado que passam a exigir certificações de sustentabilidades. Para muitos dos entrevistados, dada a disponibilidade de terras e de biomas, há no Brasil a possibilidade de convívio de diversos modelos de produção.

Pelas entrevistas, parece que há a possibilidade de modelos de produção tradicionais e sistemas agroflorestais ganharem escala com difusão de tecnologias da informação, de ferramentas biotecnológicas e de tecnologias agrícolas (manejo, por exemplo). Por outro lado, grandes produções agrícolas ou pecuárias, podem avançar para uma agricultura orgânica, com uso de biofertilizantes e outros modelos de recuperação de solos. Ao mesmo tempo, modelos de produção mais intensivos, como integração lavoura pecuária floresta (ILPF), mostram-se cada vez mais como uma opção de alcançar sustentabilidade.

Biocombustíveis foram entendidos como essenciais para a realização da transição energética uma vez que, com a biomassa, é possível gerar energia para setores de difícil descarbonização e gerar bioquímicos e biomateriais, necessários para reduzir a dependência da petroquímica e, consequentemente, a dependência de fóssil.

Com base nas entrevistas e na revisão da literatura, identifica-se que no Brasil a bioeconomia é definida como o conjunto de setores relacionados à produção de biomassa e seu uso como matéria-prima para a geração de ampla gama de bioprodutos como alimentos, rações, energéticos, biomateriais e bioquímicos. Porém, apenas considera inseridos na bioeconomia aqueles setores com produção sustentável, que não ameaça o meio ambiente, protege a qualidade dos alimentos e valoriza a biodiversidade.

Esta definição revela que há entre os agentes um maior alinhamento com a visão baseada em biomassa. Contudo entende-se que diferente dos tradicionais setores que atualmente exploram a biomassa, como os de biocombustíveis, de papel e celulose e da agricultura, na bioeconomia não pode restar dúvidas quanto o compromisso com a sustentabilidade e há a necessidade de intensa pesquisa para a criação de soluções que gerem empregos, valorizem as especificidades locais e criem encadeamentos produtivos em outros setores.

 

Sugestão de citação: Soares, G. (2023). Em busca de uma definição para bioeconomia brasileiraEnsaio Energético, 20 de março, 2023.

Autor do Ensaio Energético. Formado em Economia, mestre e doutorando em Economia pela UFRJ. Pesquisador do Grupo de Estudos em Bioeconomia da Escola de Química da UFRJ. É consultor na Prysma E&T Consultores atuando no mercado de gás natural e de biocombustíveis no Brasil.

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