Ensaio Energético

Como anda e para onde vai a captura e uso do carbono

CCU no Brasil

A utilização de CO2 na recuperação avançada de reservatórios de hidrocarbonetos é uma prática recorrente na indústria de petróleo há muitas décadas (HINRICHS et al.,2014). Essa captura e uso do CO2 (do inglês Carbon Capture and Utilization – CCU), também denominado sequestro de carbono [1], no Brasil, é regulamentado pela Resolução da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis nº 17/2015 (RANP 17).

Na RANP 17, o CCU seria uma forma de “recuperação avançada” do petróleo. A recuperação avançada, aperfeiçoada ou terciária, ocorre para que por meio da pressão da injeção do CO2 diretamente no petróleo seja possível aumentar a sua pressão de modo a liberá-lo da rocha (HINRICHS, 2014).

Ainda que a recuperação terciária seja um dos métodos mais avançados de CCU, essa não é a única forma de captura e utilização possível. Processos industriais ou relacionados à geração e consumo de energia são alternativas possíveis para implementar a captura e posterior uso de carbono (COSTA, 2020; IEA, 2020). Logo, o setor energético e o industrial são fortes candidatos à adoção de técnicas de CCU, que podem viabilizar a redução de suas emissões por meio dessas tecnologias.

 

A cadeia de CCU

A captura pode ocorrer por diversas tecnologias, que dependem diretamente de qual seja a fonte emissora (KUNZE; SPLIETHOFF, 2012). As tecnologias para captura estão em constante processo de aprimoramento, mas em geral sequestram o carbono em fontes estacionárias (FERON; HENDRIKS, 2005). Já existem iniciativas voltadas à captura do carbono diretamente do ar, contudo, conforme leciona SILVA (2022), a viabilidade econômica desta captura possivelmente virá pela precificação do carbono, que poderá gerar recursos para investimentos no aumento da eficiência deste método.

A IEA (2019) explica que já há um mercado consolidado de CO2 que anualmente consome cerca de 230 milhões de toneladas desse produto, cujo principal uso é na indústria de fertilizantes. Um exemplo difundido e habitual da utilização do dióxido de carbono é na indústria alimentícia em bebidas carbonatadas (ARESTA; DIBENEDETTO; ANGELINI, 2014). De forma semelhante à captura, estudos sobre uso do carbono estão em constante evolução, sendo novos usos para a indústria química, de combustíveis e materiais de construção uma frente de desenvolvimento e estudo (PACHECO, 2021). A Figura 1 mostra em termos percentuais as principais formas de utilização do carbono:

 

Figura 1 – Capacidade de projetos de captura de CO2 em operação e em desenvolvimento nos setores da indústria e transformação de combustíveis por aplicação

Fonte: IEA (2019).

 

O que falta para o CCU avançar?

A captura e o uso do carbono podem parecer incipientes no mundo, sobretudo no Brasil, mas a IEA (2019) estima que esse mercado poderá atingir pelo menos 10 MtCO2/ano para cada segmento potencial acima mencionado – combustíveis, produtos químicos, materiais de construção de minerais, materiais de construção de resíduos e fertilizantes – no curto prazo. Diante do grande potencial e multiplicidade de formas de CCU e da importância de tecnologias dessa natureza para a redução de gases causadores do efeito estufa, por que esse tema não parece avançar e se desenvolver de forma relevante no Brasil e no mundo?

Para compreender essa questão, Wang et al (2021) se debruçaram sobre a análise de 263 projetos de captura, uso e armazenamento de carbono (do inglês Carbon Capture, Utilization and Storage – CCUS)[2] desenvolvidos entre 1995 e 2018. Na avaliação os autores concluíram que os riscos associados ao desenvolvimento de projetos de CCUS eram elevados, e para sua redução propunham (i) redução da capacidade de cada projeto; (ii) redução de prazo para desenvolvimento do projeto; (iii) apoio governamental no desenvolvimento; e (iv) taxação e crédito de carbono em patamares elevados.

De forma semelhante, a IEA (2021) entende que para acelerar projetos de CCUS, devem ser implementados projetos industriais de menor custo e menos complexos. De acordo com a Agência, a redução da complexidade dos projetos somada aos objetivos climáticos fortalecidos gera um novo momentum para o CCUS no mundo (IEA,2021), o que pode ser retratado pelo aumento no número de projetos em desenvolvimento, conforme Figura 2:

 

Figura 2 – Pipeline global de instalações comerciais CCUS em operação e em desenvolvimento, 2010-2021

Fonte: IEA (2021).

 

Ainda, nesse sentido, a IEA (2021a) aponta três elementos como indicadores de que o aprendizado dos últimos anos criou um ambiente propício ao efetivo desenvolvimento atual do CCUS a nível mundial, são eles: (i) reconhecimento de que o CCUS é necessário para atingir as metas de carbono zero pelos países; (ii) interesse internacional na produção de hidrogênio de baixo carbono, que demandaria a captura do CO2 em sua produção; e (iii) uma nova onda de políticas de incentivo específicas para essa tecnologia.

 

O futuro do CCU no mundo e no Brasil

A recente Bipartisan Infrastructure Law anunciada em março de 2022 pelos Estados Unidos já evidencia um esforço no terceiro aspecto destacado pela IEA (DOE, 2021). No novo pacote estadunidense, promete-se o desembolso de investimentos da ordem de US$ 23 trilhões em energias renováveis, sendo cerca de US$10 bilhões para captura de carbono, captura direta do ar e redução de emissões industriais (DOE, 2021). Esse esforço consolida os EUA como principal impulsionador dos novos investimentos em CCUS no mundo, junto aos países europeus Noruega, Holanda e Reino Unido (IEA, 2021a), onde grandes investimentos estão sendo destinados para projetos de CCUS. A Figura 3 ilustra os principais projetos em desenvolvimento de CCUS considerando o ano de 2021:

 

Figura 3 – Projetos globais de CCUS em desenvolvimento por região ou país, 2021

Fonte: IEA (2021).

 

No Brasil, não existem fortes discussões voltadas ao aumento de investimentos em CCU, mas recentemente foi protocolado no Senado Federal o Projeto de Lei n° 1425, de 2022 (PL 1425), que “Disciplina a exploração da atividade de armazenamento permanente de dióxido de carbono de interesse público, em reservatórios geológicos ou temporários, e seu posterior reaproveitamento” (SENADO FEDERAL, 2022). Esse PL é resultado de quatro anos de pesquisa do Grupo Advocacy no Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI) da Universidade de São Paulo, financiado pela cláusula de P&D dos contratos de concessão de petróleo e gás do Brasil.

Ainda que o PL 1425 se volte especificamente a trazer segurança jurídica sobre o armazenamento e a repartição de responsabilidades especificamente sobre CCS, há complementariedade entre CCU e CCS, vez que “o ciclo de vida de CCU se integra naturalmente ao ciclo de vida de CCS” (SILVA, 2022). Desse modo, além de trazer mais segurança jurídica ao ciclo de vida do dióxido de carbono, a regulamentação do CCS pode impulsionar que o CCU também seja pautado.

Ainda sobre viabilização de projetos de CCU no Brasil para além da recuperação avançada de petróleo, o Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022, “estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa e altera o Decreto nº 11.003, de 21 de março de 2022” (BRASIL, 2022). Esse decreto busca introduzir um mercado de carbono no território brasileiro, e, ainda que demande regulamentação adicional e maiores esforços para a efetiva concretização do mercado, esse tipo de iniciativa pode viabilizar investimentos em novas – ou mesmo existentes e em fase de estudos – formas de CCU, que se tornarão economicamente viáveis pela precificação do carbono.

 

Considerações Finais

Mesmo que nos últimos anos muitos projetos de CCU tenham sido abandonados antes de sua concretização, o momento atual é propício ao desenvolvimento de projetos dessa natureza. Em função de ambiciosos planos de carbono neutro, diversos países têm prometido vastos investimentos em CCU, ganhando destaque os EUA, onde bilhões de dólares devem financiar esse tipo de projeto nos próximos anos.

No Brasil, a recuperação avançada de petróleo já ocorre e é regulamentada pela ANP. Em 2022, além de iniciativas incipientes para a criação de um mercado de carbono, já tramita no Congresso Nacional projeto de lei voltado ao armazenamento de carbono. Proposições dessa natureza podem significar a viabilização de novas formas de CCU no país por (i) trazer a indústria do dióxido de carbono ao debate público; e (ii) viabilizar investimentos em CCU pela precificação do carbono.

Não é possível ser categórico ao afirmar que a cadeia do CCU vai florescer nos próximos anos, mas o surgimento de financiamentos, novos projetos e mercados de carbono podem indicar que no futuro esse mercado será próspero, e apoiará de forma mais contundente a redução de gases causadores do efeito estufa a nível internacional.

 

Referências

ANP (2015). Resolução ANP nº 17, de 18 de março de 2015, DOU 20.3.2015. Disponível em:  https://atosoficiais.com.br/anp/resolucao-n-17-2015?origin=instituicao&q=17/2015.

ARESTA, Michele; DIBENEDETTO, Angela; ANGELINI, Antonella (2014). Catalysis for the valorization of exhaust carbon: From CO2 to chemicals, materials, and fuels. technological use of CO2. Disponível em:  link.

BRASIL (2022). Decreto nº 10.946, de 25 de janeiro de 2022. Disponível em: link.

COSTA. H; NUNES. R (2020). An overview of international practices for authorization and monitoring CO2 storage facilities. Disponível em: https://ijaers.com/detail/an-overview-of-international-practices-for-authorization-and-monitoring-co2-storage-facilities/

DOE (2021). DOE Fact Sheet: The Bipartisan Infrastructure Deal Will Deliver for American Workers, Families and Usher in the Clean Energy Future. Disponível em: https://www.energy.gov/articles/doe-fact-sheet-bipartisan-infrastructure-deal-will-deliver-american-workers-families-and-0

FERON, P.; HENDRIKS, C. (2005). CO 2 Capture Process Principles and Costs. Disponível em: link.

HINRICHS, R. A., KLEINBACH, M (2014). Energia e Meio Ambiente. São Paulo: Ed. Thomson.

WANG, N.; AKIMOTO, K.; NEMET, G (2020). What went wrong? Learning from three decades of carbon capture, utilization and sequestration (CCUS) pilot and demonstration projects. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S030142152100416X

IEA (2019), Putting CO2 to Use. Disponível em: https://www.iea.org/reports/putting-co2-to-use

IEA (2021), CCUS in Industry and Transformation. Disponível em: https://www.iea.org/reports/ccus-in-industry-and-transformation.

IEA (2021a), Carbon Capture in 2021: Off and running or another fake start? Disponível em: https://www.iea.org/commentaries/carbon-capture-in-2021-off-and-running-or-another-false-start

KUNZE, C.; SPLIETHOFF, H (2012). Assessment of oxy-fuel, pre- and post-combustion-based carbon capture for future IGCC plants. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.apenergy.2012.01.013.

PACHECO, K.; BRESCIANI, A.; ALVES; R (2021). Multi criteria decision analysis for screening carbon dioxide conversion products. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jcou.2020.101391.

SENADO FEDERAL (2022). Projeto de Lei n° 1425, de 2022. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/153342

SILVA, I. M. M. (2022). Definições jurídicas estratégicas para estruturação do marco regulatório da cadeia de captura e armazenamento de carbono. Doctoral Thesis, Instituto de Energia e Ambiente, University of São Paulo, São Paulo. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/106/106133/tde-11052022-185113/en.php

 

Notas

[1] “sequestro (do carbono): captura de CO2 por drenos ou dissipadores não atmosféricos.” (HINRICHS et. al, 2014).

[2] O escopo da análise dos autores abarca também o armazenamento (storage em inglês).

 

Sugestão de citação: Leão, C.; Costa, H. K. M. & Seabra, P. N. (2022). Como anda e para onde vai a captura e uso do carbono. Ensaio Energético, 06 de junho, 2022.

Clarissa Leão

Advogada e mestranda em Energia pelo Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (PPGE/USP). Bacharela em direito, com ênfase em economia pela Fundação Getulio Vargas (RJ). Pesquisadora do Grupo Advocacy no Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI).

Hirdan Katarina Medeiros Costa

Pesquisadora Visitante PRH 33.1. Advogada. Pós-Doutora, Doutora e Mestre em Energia pelo Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (PPGE/USP). LLM na Oklahoma University, USA. Pesquisadora do Grupo Advocacy no Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI).

Paulo Negrais Seabra

Consultor e doutor em engenharia química, pelo Programa de Engenharia Química da COPPE/UFRJ. Pesquisador do Grupo Advocacy no Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI). Pesquisador Visitante no IEE/USP.

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