Ensaio Energético

Restrição da capacidade de escoamento do gás do Pré-sal através da Rota 1 e a especificação do gás natural

Introdução

Atualmente, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) está revisando a Resolução ANP nº 16/2008, que estabelece a especificação do gás natural, nacional ou importado, a ser utilizado como combustível para fins industriais, residenciais, comerciais e automotivos. Espera-se que essa nova resolução seja publicada em fevereiro de 2024 (ANP, 2023a). A ANP lançou a Consulta Prévia nº 2/2023, por 90 dias (14/02/2023 a 15/05/2023), divulgando o relatório preliminar da análise de impacto regulatório (AIR) sobre a revisão da Resolução ANP nº 16/2008. A AIR trata, em especial, dos teores de hidrocarbonetos presentes no gás natural comercializado em território nacional. A ANP está avaliando três alternativas regulatórias (ANP, 2022):

  • Manter a especificação atual do gás natural prescrita na Resolução ANP nº 16/2008, no que diz respeito aos limites dos hidrocarbonetos (metano, etano, propano, butano e mais pesados);
  • Manter a especificação atual do gás natural prescrita na Resolução ANP nº 16/2008, no que diz respeito aos limites dos hidrocarbonetos (metano, etano, propano, butano e mais pesados) e prever dispositivo possibilitando autorizações ou alterações dos limites dos hidrocarbonetos para casos específicos;
  • Deixar de fixar os limites dos hidrocarbonetos da especificação atual do gás natural prescrita na Resolução ANP nº 16/2008.

Essa revisão regulatória está intimamente relacionada com a especificação do gás natural do Pré-sal, que apresenta um baixo teor metano e um alto teor de etano e hidrocarbonetos mais pesados (C2+). Especificamente, o problema ocorre na Rota 1 do Pré-sal, uma vez que a unidade de processamento de gás natural (UPGN) de Caraguatatuba (diferentemente da UGPN de Cabiúnas) não possui tecnologia de separação de etano. Isso dificulta o cumprimento da especificação do gás natural, em especial, dos teores máximo de 85% metano e o mínimo de 12% etano estabelecidos na Resolução ANP nº 16/2008. Cabe destacar que essa questão não é nova. Em 2016, a Petrobras alegou dificuldade em cumprir os limites para metano mínimo e etano máximo no gás escoado do Pré-sal (ANP, 2022). A Petrobras propôs a remoção dos limites composicionais dos hidrocarbonetos, mantendo inalteradas as demais características.

Ao longo dos últimos anos, esse problema foi superado através da mistura do gás natural do Pré-sal com o gás natural do sistema Mexilhão-Uruguá. O gás natural do sistema Mexilhão-Uruguá apresenta uma especificação com alto teor de metano e baixo teor de C2+, exatamente a especificação oposta do gás natural do Pré-sal. No entanto, a produção de gás natural do sistema Mexilhão-Uruguá está em declínio. Assim, fica cada vez mais difícil para a UPGN de Caraguatatuba conseguir processar o gás natural e obter um gás seco dentro da especificação estabelecida na Resolução ANP nº 16/2008. Ou seja, uma vez que a UPGN de Caraguatatuba não possui tecnologia de separação de etano, cada vez menos gás do Pré-sal pode ser escoado pela Rota 1. Isso porque a mistura de gás escoado pela Rota 1 deve ter uma especificação compatível com a tecnologia de processamento da UPGN de Caraguatatuba.

Portanto, o declínio da produção de gás natural do sistema Mexilhão-Uruguá irá limitar o escoamento de gás do Pré-sal pela Rota 1. Esse problema é de extrema importância no atual cenário de abertura do mercado de gás no Brasil. O PDE 2032 projeta que a produção disponível de gás natural do Pré-sal vai atingir 43 milhões de metros cúbicos por dia (MMm3/d) em 2032 (EPE, 2023). Segundo os dados da ANP, a produção disponível de gás natural do Pré-sal foi de 29 MMm3/d em 2022. Assim, o PDE 2032 está prevendo um aumento de cerca de 50% disponibilização de gás do Pré-sal nos próximos 10 anos. No entanto, a possibilidade de inutilização da Rota 1, poderá impossibilitar o escoamento de 10 MMm3/d de gás natural do Pré-sal.

Desse modo, o objetivo desse artigo é identificar a quantidade máxima de gás natural do Pré-sal que pode ser escoado pela Rota 1, mantendo o gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba dentro da especificação estabelecida pela ANP. Para isto, este artigo está divido em seis seções, além desta introdução. A seção 2 apresenta infraestrutura de escoamento de gás do Pré-sal da Bacia de Santos, em especial a Rota 1 e a UPGN de Caraguatatuba. A seção 3 mostra a composição da mistura de gás natural escoado através da Rota 1. A seção 4 calcula o percentual máximo de gás do Pré-sal que pode ser misturado no gás escoado pela Rota 1, mantendo o gás seco sai da UPGN de Caraguatatuba dentro da especificação estabelecida pela ANP. A seção 5 projeta o declínio da produção disponível de gás natural do campo de Mexilhão. A seção 6 calcula a quantidade máxima de gás natural do Pré-sal que pode ser escoado pela Rota 1, mantendo o gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba dentro da especificação estabelecida pela ANP. A seção 7 conclui e apresenta algumas recomendações.

 

A Rota 1 do Pré-sal e a UPGN de Caraguatatuba

A Figura 1 mostra a infraestrutura de escoamento de gás do Pré-sal da Bacia de Santos. Nota-se que a Rota 1 do Pré-Sal é composta por dois trechos. O primeiro trecho conecta o campo de Mexilhão à UGPN de Caraguatatuba, possuindo 144,1 quilômetros extensão, 34 polegadas diâmetro e capacidade de escoamento de 20 MMm3/d (ANP, 2022, 2023b). Cabe destacar o gasoduto de escoamento de Uruguá-Mexilhão, conecta os campos de Uruguá e Tambaú à Rota 1. Esse gasoduto possui 174,2 quilômetros extensão, 18 polegadas diâmetro e capacidade de escoamento de 10 MMm3/d (ANP, 2022, 2023b). Ou seja, o primeiro trecho da Rota 1 foi inicialmente construído para escoar a produção de gás natural dos campos de Mexilhão, Uruguá e Tambaú. Assim, com objetivo de tratar esse gás natural foi construída a UPGN de Caraguatatuba e, uma vez que o gás desses campos apresentam alto teor de metano, a UPGN de Caraguatatuba foi concebida como uma Unidade de Ajuste de Ponto de Orvalho (CNI, 2019).

Figura 1 – Infraestrutura de escoamento de gás do Pré-sal

Fonte: Elaboração própria com dados da EPE.

 

Com o início da produção de gás do Pré-sal, a Rota 1 foi expandida. O segundo trecho se refere ao gasoduto de escoamento de 216 quilômetros extensão e 18 polegadas diâmetro que conecta o campo de Tupi ao campo de Mexilhão, com capacidade de escoar 10 MMm3/d (ANP, 2022, 2023b). Assim, em 2014, a UPGN de Caraguatatuba passou por obras de adequação e ampliação, possibilitando processar o gás do Pré-sal, em especial, dos campos de Tupi e Sapionhá. Ou seja, essa UPGN foi alterada para a separação de líquidos, isto é, propano, butano, pentano e hidrocarbonetos mais pesados (CNI, 2019). No entanto, a adequação da UPGN de Caraguatatuba não implementou tecnologia para a separação do etano.

 

A Composição do Gás Escoado através da Rota 1

O gás natural de Mexilhão, Uruguá e Tambaú necessitam de menos processamento do que o gás dos campos do Pré-sal. A Tabela 1 apresenta a especificação do gás de Mexilhão, Uruguá, Tambuá e dos campos de Tupi e Sapinhoá, localizados no Pré-sal. Enquanto o gás do sistema Mexilhão-Uruguá apresenta alto teor de metano e baixo de teor de C2+, o gás dos campos do Pré-sal apresenta a especificação oposta. Por exemplo, enquanto o campo de mexilhão possui 92,8% de metano e 4% de etano, o campo de Tupi apresenta 71,81% de metano e 11,43% de etano.

Tabela 1 – Especificação do gás natural de Mexilhão, Uruguá, Tambuá e dos campos do Pré-sal (Tupi e Sapinhoá)

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

Os campos do Pré-sal têm escoado cada vez mais gás à UPGN de Caraguatatuba, enquanto os campos de Mexilhão, Uruguá e Tambaú tem escoado cada vez menos. A Figura 2 mostra a origem do gás processado na UPGN de Caraguatatuba. Em 2021, o gás do Pré-sal correspondeu por cerca de 60% do gás processado na UPGN de Caraguatatuba, enquanto esse valor foi de aproximadamente 30% em 2012. Isto é reflexo do declínio da produção de gás dos campos Mexilhão, Uruguá e Tambaú e aumento da produção de gás do Pré-sal.

Figura 2 – Origem do gás processado na UPGN de Caraguatatuba

Nota: O volume de gás do Pré-sal foi estimado como resíduo (Gás processado menos produção disponível em Mexilhão, Uruguá e Tambaú).

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

 

O aumento da participação do gás do Pré-sal na Rota 1, tem aumentado o teor de etano e reduzido o teor de metano na mistura de gás escoada à UPGN de Caraguatatuba. A Tabela 2 mostra a especificação do gás escoado à essa UPGN. Enquanto o teor de metano do gás escoado para a UPGN de Caraguatatuba foi de 86,61% em 2012, esse valor foi de 80,41% em 2021. Por outro lado, o teor de etano saltou de 6,04% em 2012 para 8,33% em 2021.

Tabela 2 – Especificação do gás escoado à UPGN de Caraguatatuba

 

Nota: A especificação do gás escoado à UPGN de Caraguatatuba é uma média das especificações do gás natural de cada campo (apresentada na Tabela 1) ponderada pelas respectivas quantidades de gás escoado na Rota 1 (apresentada na Figura 2). Cabe salientar que a especificação do gás do Pré-sal é uma média das especificações do gás de Tupi (inclui Sul de Tupi) e Sapinhoá (inclui Sudoeste de Sapinhoá, Noroeste de Sapinhoá e Nordeste de Sapinhoá) ponderada pelas suas respectivas produções disponíveis.

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

 

A combinação da incapacidade de separação de etano na UPGN de Caraguatatuba com a redução do teor de metano no gás escoado pela Rota 1 tem dificultado cada vez mais o cumprimento da especificação do gás natural estabelecida na Resolução ANP nº 16/2008, em especial, o teor mínimo de metano de 85%. Ou seja, a UPGN de Caraguatatuba fica impossibilitada de retirar o etano para a concentração do metano. A Tabela 3 mostra a especificação do gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba. É possível notar que, em 2021, o teor de metano nesse gás foi de 82,75%, o que está fora da especificação do gás natural estabelecido na Resolução ANP nº 16/2008. Isso somente foi possibilitado pela Autorização ANP nº 836/2020 que permitiu, em caráter especial, a redução teor mínimo de metano de 85% para 80% na UPGN de Caraguatatuba. Cabe ressaltar que embora o teor de etano esteja dentro da especificação (abaixo de 12%), ele vem crescendo ano após ano. Espera-se que quanto maior a participação do gás do Pré-sal na mistura de gás escoada pela Rota 1, menor seja o teor de metano e maior seja o teor de etano do gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba. Portanto, o declínio da produção de gás do sistema Mexilhão-Uruguá irá limitar a quantidade de gás do Pré-sal que pode ser escoada pela Rota 1. Isso porque a UPGN de Caraguatatuba não tem a capacidade de processar exclusivamente o gás natural do Pré-sal, dada sua impossibilidade de separação de etano.

Tabela 3 – Especificação do gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

 

O percentual máximo de gás do Pré-sal que pode ser misturado no gás escoado pela Rota 1

 

O Modelo

O modelo busca obter o percentual máximo de gás do Pré-sal que pode ser misturado no gás escoado pela Rota 1, mantendo o gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba dentro da especificação estabelecida pela ANP. O modelo está divido em quatro etapas.

A primeira etapa consiste no cálculo da composição da mistura de gás natural escoado pela Rota 1 com destino à UPGN de Caraguatatuba. Iremos assumir que o gás escoado na Rota 1 provem apenas dos campos de Mexilhão, Tupi e Sapinhoá. Em relação aos campos do Pré-Sal de Tupi e Sapinhoá, iremos assumir que estes campos escoam quantidades idênticas de gás natural pela Rota 1. A partir daí, se pode calcular a composição da mistura de gás natural escoado pela Rota 1 para cada percentual de gás de Mexilhão contida nessa mistura. Essa composição é calculada através de uma média das especificações do gás natural de cada campo ponderada pelas suas respectivas participações no gás escoado na Rota 1.

A segunda etapa consiste na identificação dos hidrocarbonetos e de outros componentes retirados na UPGN de Caraguatatuba. Iremos assumir que a UPGN possui a tecnologia Joule-Thomson, conseguindo separar 75% do propano (C3), 85% do butano (C4) e 99% do pentano e hidrocarbonetos mais pesados (C5+). Cabe destacar que a tecnologia Joule-Thomson não é capaz de separar o etano (CNI, 2019). Além disso, iremos assumir que os demais componentes, isto é, oxigênio (O2), nitrogênio (N2) e dióxido de carbono (CO2), sempre estarão dentro da especificação. A Resolução ANP nº 16/2008 estipula que os teores de oxigênio, inertes (N2+CO2) e dióxido de carbono sejam de no máximo 0,5%, 6% e 3%, respectivamente. Em outras palavras, sempre que os teores destes componentes estiverem acima do permitido, eles serão retirados na UPGN até se igualarem aos seus respectivos teores máximos autorizados.

A terceira etapa consiste na obtenção da especificação do gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba para cada percentual do gás natural de Mexilhão na mistura de gás escoado pela Rota 1. Essa especificação é calculada através da divisão da quantidade remanescente de cada componente no gás natural pela quantidade total de gás seco que sai da UPGN.

Por fim, a quarta etapa consiste na identificação dos percentuais do gás natural de Mexilhão na mistura de gás escoado pela Rota 1 que possibilitam manter o gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba dentro da especificação estabelecida pela ANP. A partir daí, se obtém os percentuais do gás natural do Pré-sal que atendem essa condição. Esses percentuais são facilmente calculados, uma vez o percentual do gás natural do Pré-sal na mistura de gás escoado pela Rota 1 é complementar ao gás de Mexilhão nessa mistura.

 

Resultado

A Figura 3 mostra o percentual de metano contido no gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba para cada percentual de gás natural do Pré-sal contido na mistura de gás escoada pela Rota 1. O resultado indica que essa mistura pode conter no máximo 62,9% de gás natural do Pré-sal. Qualquer proporção de gás do Pré-sal acima desse valor, fará com que o gás seco saia da UPGN de Caraguatatuba contendo menos do que mínimo permitido de 85% metano. Isso porque a impossibilidade de separar o etano nessa UPGN impede a concentração do metano no gás seco. Cabe destacar que a Autorização ANP nº 836/2020, que reduziu o teor mínimo de metano para 80%, permite que a UPGN de Caraguatatuba cumpra a especificação de metano mínimo para qualquer percentual de gás natural do Pré-sal contido na mistura de gás escoada pela Rota 1. Ou seja, em relação a especificação do metano, a UPGN de Caraguatatuba seria capaz de processar exclusivamente gás do Pré-sal.

Figura 3 – Percentual de metano contido no gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

 

A Figura 4 mostra o percentual de etano contido no gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba para cada percentual de gás natural do Pré-sal contido na mistura de gás escoada pela Rota 1. Embora a Autorização ANP nº 836/2020 tenha solucionado o problema de teor de metano, a impossibilidade de separar o etano na UPGN de Caraguatatuba impede o recebimento de gás exclusivamente do Pré-Sal. O gás seco irá sair da UPGN contendo mais de 12% de etano sempre que percentual de gás natural do Pré-sal contido na mistura de gás escoada pela Rota 1 for maior do que 91,1%. Cabe destacar que, caso a mistura de gás escoada pela Rota 1 fosse composta exclusivamente de gás natural do Pré-sal, o teor de etano do gás seco seria de 12,9%.

Figura 4 – Percentual de etano contido no gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

 

Projeção da produção disponível de gás natural do campo de Mexilhão

A metodologia para projetar o declínio da produção disponível de gás natural do campo de Mexilhão se baseia no modelo APD (Avanço-Patamar-Declínio) com uma função exponencial de declínio. Em primeiro lugar, é projetado o declínio da produção bruta de gás natural, utilizando a seguinte fórmula: Pi+t = Qie-dt , onde Pi+t  é a projeção da produção bruta de gás natural t períodos a frente, Qi é a produção bruta de gás natural no período i (dezembro de 2022), t é o número de períodos a frente para a projeção, e d é a taxa de declínio. Os dados do histórico da produção bruta do campo de Mexilhão indicam uma taxa de declínio de 1% ao mês. Cabe destacar que o campo de Uruguá e Tambaú não foram considerados porque suas produções são insignificantes.

Em segundo lugar, é cálculo o fator de disponibilidade (ρ): ρi = Qi/qi: , onde qi é a produção disponível de gás natural no período i. Os dados do histórico da produção do campo de Mexilhão indicam um fator médio de disponibilidade de 99%. Em terceiro lugar, se obtém a projeção da produção disponível de gás. O resultado é apresentado na Figura 5.

Figura 5 – Projeção da produção disponível de gás do campo de Mexilhão

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

 

Quantidade máxima de gás natural do Pré-sal que pode ser escoado pela Rota 1

A quantidade máxima de gás natural do Pré-sal que pode ser escoado pela Rota 1 é calculada considerando o percentual máximo de gás natural do Pré-sal que pode estar contido na mistura de gás escoada pela Rota 1, mantendo o gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba dentro da especificação estabelecida pela ANP. Esse percentual é de 62,9% para manter o gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba dentro da especificação estabelecida pela Resolução ANP nº 16/2008 e de 91,1% para cumprir a Autorização ANP nº 836/2020.

A Figura 6 apresenta a quantidade máxima de gás natural do Pré-sal que pode ser escoado pela Rota 1. Caso a especificação do gás da Resolução ANP nº 16/2008 fosse aplicada à UPGN de Caraguatatuba, a capacidade de escoamento de gás do Pré-sal pela Rota 1 já estaria limitada atualmente. Nesse cenário, apenas 2,3 MMm3/d de gás natural poderiam ser escoados pela Rota 1 no final de 2032. Autorização ANP nº 836/2020 conseguiu superar essa limitação, pelo menos, ao longo dos próximos 10 anos. No entanto, o cumprimento do teor máximo de 12% de etano fará com que a capacidade de escoamento de gás do Pré-sal à UPGN de Caraguatatuba seja limitada abaixo da capacidade da Rota 1 quando a produção de gás de Mexilhão atingir um patamar abaixo de 0,98 MMm3/d. Além disso, nenhuma quantidade de gás do Pré-sal poderá ser escoada pela Rota 1 quanto o campo de Mexilhão for depletado. Isso porque a UPGN de Caraguatatuba é incapaz de cumprir a especificação do gás natural ao processar gás natural exclusivamente do Pré-sal.

Figura 6 – Quantidade máxima de gás natural do Pré-sal que pode ser escoado pela Rota 1

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

 

Conclusão e Recomendações

Este artigo buscou estimar a quantidade máxima de gás natural do Pré-sal que pode ser escoado pela Rota 1, mantendo o gás seco que sai da UPGN de Caraguatatuba dentro da especificação estabelecida pela ANP. O artigo mostrou que, o declínio do campo de Mexilhão, irá impor um limite à capacidade de escoamento do gás do Pré-sal pela Rota 1. Isso porque a UPGN de Caraguatatuba é incapaz de processar gás exclusivamente do Pré-sal. Portanto, a depleção do campo de Mexilhão fará com que a Rota 1 fique inutilizável, o que impossibilitará o escamento de 10 MMm3/d de gás natural do Pré-sal. Isso terá um forte impacto na estratégia de expansão da oferta de gás natural do Brasil, que projeta um aumento de cerca de 50% na produção disponível de gás do Pré-sal ao longo dos próximos 10 anos. Portanto, é de extrema importância que a ANP e os outros órgãos competentes avaliem minuciosamente essa questão.

Cabe destacar que a primeira alternativa de alteração da Resolução ANP nº 16/2008 avaliada pela ANP na análise de impacto regulatório (AIR) não deve ser considerada uma opção. Isto é, a ANP não deve considerar manter a especificação atual do gás natural prescrita na Resolução ANP nº 16/2008. Isso porque a Autorização ANP nº 836/2020 prevê que sua vigência se encerra com a publicação da nova resolução sobre a especificação do gás natural. A publicação de tal resolução em fevereiro de 2024 limitaria consideravelmente a capacidade de escoamento do gás do Pré-sal pela Rota 1, uma vez que não se teria tempo hábil para a adequação da tecnologia de processamento da UPGN de Caraguatatuba. A Figura 6 mostra que, em fevereiro de 2024, o cumprimento da especificação do gás natural estabelecida na Resolução ANP nº 16/2008 limita a capacidade de escoamento do gás do Pré-sal pela Rota 1 em 6,5 MMm3/d.

Portanto, para não impor limite à disponibilização de gás do Pré-sal pela Rota 1, a ANP deve escolher entre uma alteração temporária ou permanente da especificação do gás natural. A alteração temporária poderia ser feita através da segunda alternativa avaliada na AIR, isto é, manter a especificação do gás natural prescrita na Resolução ANP nº 16/2008, mas possibilitando a concessão de autorizações que alteram os limites dos hidrocarbonetos para casos específicos. Nossas análises demostraram que manter a especificação estabelecida na Autorização ANP nº 836/2020 não limitaria a capacidade de escoamento de gás do Pré-sal pela Rota 1 por, pelo menos, 10 anos. No entanto, essa nova autorização alterando os limites dos hidrocarbonetos deve ser concedida visando garantir tempo hábil para a adequação da tecnologia de processamento da UPGN de Caraguatatuba. Ou seja, a vigência dessa autorização deve se encerrar assim que essa UPGN for revitalizada. Para determinar tal prazo, a ANP deve realizar avaliações minuciosas sobre as alternativas de adequação da UPGN de Caraguatatuba.

Caso a ANP escolha por uma alteração permanente da especificação do gás natural, ela poderá fazer isso através da segunda ou da terceira alternativas avaliada na AIR. Caso for utilizado a segunda alternativa, basta a ANP autorizar por tempo indeterminado a alteração do teor mínimo de metano para 80% e o teor máximo de etano para 13% na UPGN de Caraguatatuba. A terceira alternativa consiste na ANP deixar de fixar os limites dos hidrocarbonetos. No entanto, enquanto a segunda alternativa tem impacto localizado na UPGN de Caraguatatuba, a terceira tem impacto em âmbito nacional.

Seja qual for a escolha da ANP, se faz necessário um amplo debate na sociedade. Como demostrado na análise de impacto regulatório (AIR) realizada pela ANP tanto a escolha de uma alteração temporária como uma alteração permanente da especificação do gás natural apresentam vantagens e desvantagens.

Por fim, cabe salientar que a depleção da produção de gás do sistema Mexilhão-Uruguá terá um outro impacto na oferta de gás nacional que não está relacionado à especificação do gás natural em si. Isto é, depleção desses campos irá causar uma subutilização do primeiro trecho da Rota 1 e da UPGN de Caraguatatuba. Isto é, essas instalações ficarão quase que exclusivamente limitadas a disponibilização de no máximo 10 MMm3/d do gás natural do Pré-sal, embora tenham capacidade de receber até 20 MMm3/d. Portanto, deve ser avaliada minuciosamente pela ANP e pelos outros órgãos competentes, a viabilidade de conectar o gasoduto de escoamento de Uruguá-Mexilhão à Rota 2 do Pré-sal. Como esse gasoduto possui uma capacidade de escoar 10 MMm3/d e já está conectado à Rota 1, isso permitiria utilizar a Rota 1 e a UPGN de Caraguatatuba em plena capacidade. Isto é, essa conexão, caso viável, permitiria uma disponibilização de até 20 MMm3/d de gás natural do Pré-sal pela Rota 1.

 

Referências

ANP. (2022). Especificação dos hidrocarbonetos do gás natural [Relatório Preliminar de Análise de Impacto Regulatório (AIR)]. https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/consultas-e-audiencias-publicas/consulta-previa/2023/consulta-previa-2-2023

ANP. (2023a). Painel Dinâmico da Agenda Regulatória. https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/paineis-dinamicos-da-anp/painel-dinamico-da-agenda-regulatoria

ANP. (2023b). Relação de dutos de transferência e escoamento da produção E&P. https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/dados-de-e-p

CNI. (2019). Especificação do Gás Natural: Oportunidades e Experiência Internacional. http://portaldaindustria.com.br/publicacoes/2019/11/especificacao-do-gas-natural-oportunidades-e-experiencia-internacional/

EPE. (2023). Caderno de Gás Natural (Plano Decenal de Expansão de Energia 2032). https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/plano-decenal-de-expansao-de-energia-2032

 

Felipe Freitas da Rocha

Formado em Economia, mestre e doutor em Economia pela UFRJ. Pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio e consultor na Prysma E&T Consultores.

É professor e pesquisador do Instituto de Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) e Presidente eleito da Associação Internacional de Economia da Energia - IAEE. Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Grenoble na França. Conselheiro Editorial do Ensaio Energético.

Eloi Fernández y Fernández

Diretor do Instituto de Energia da PUC-Rio. É professor do Departamento de Engenharia Mecânica da PUC-Rio. É Mestre e Doutor em Engenharia Mecânica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), fez Pós-Doutorado na University of California – Berkeley.

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