Ensaio Energético

O que o padrão de dispersão dos preços nos diz sobre a concorrência no varejo de combustíveis?

Introdução

Existem duas maneiras tradicionais de concorrência entre empresas: via preço e via qualidade. A concorrência via preços é baseada na premissa de que, quanto menor for o preço praticado, mais clientes serão atraídos. No geral, essa regra vale para produtos homogêneos. Ou seja, os consumidores não são capazes de apontarem diferenças entre o produto de um vendedor em relação aos demais. Já na concorrência via qualidade, o mecanismo de atração de consumidores é diferente. Neste caso, existe uma propensão a pagar um prêmio acima do preço em troca de obter um produto de qualidade superior. Esse tipo de concorrência ocorre em mercado em que a diferenciação de produtos é relevante.

Para o caso dos combustíveis, é mais comum a concorrência via preço, já que – pelo menos em tese – o produto é homogêneo. Isso porque existe uma série de especificações técnicas e padrões, estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que devem ser seguidos. Uma das maneiras de se analisar a competição via preço de um determinado setor é através da dispersão de preços. O objetivo deste trabalho, portanto, é analisar os níveis de competição no varejo de combustíveis, nos últimos 4 meses (abril a julho), pela abordagem da dispersão. Foram consideradas as variações de preços da gasolina comum e do etanol nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Manaus e Salvador.

 

Dispersão de Preços e Concorrência

Os primeiros estudos empíricos acerca da dispersão de preços no varejo de combustíveis foram feitos no Canadá, no início da década de 2000. No artigo seminal, intitulado “The tale of two cities” (em português, “O conto das duas cidades”), Eckert e West (2004) investigaram como os distintos padrões de dispersão de preços entre os postos revendedores se relacionavam com a concorrência. De um lado, na cidade de Vancouver, os preços eram rígidos e variavam pouco entre os postos da cidade. Por outro lado, na capital Ottawa, os preços eram muito voláteis e, portanto, apresentavam elevada dispersão. O interesse dos autores era apontar em qual das duas cidades havia maior competição entre os agentes.

Como resultados, os autores encontraram evidências de uma relação direta entre dispersão de preços e o grau de concorrência. De um lado, mercados com preços muito dispersos, tal como o de Ottawa, tendem a apresentar níveis mais elevados de concorrência. Por outro lado, preços rígidos e pouco dispersos, como aqueles verificados em Vancouver, normalmente se associam a mercados pouco competitivos.

Para compreender este resultado, o ponto de partida é o caso extremo da coordenação de preços. Se determinado grupo de empresas decide coordenar seus preços de modo a maximizarem seus lucros conjuntamente, os preços tendem a flutuarem num intervalo relativamente pequeno ao redor daquele valor estipulado como meta. Ou seja, a dispersão dos preços diminui ao passo em que as empresas decidem cooperar entre si, em vez de competirem. Todavia, é muito importante destacar que uma baixa dispersão de preços não é uma prova de que exista um cartel na região, mas somente um sinalizador de baixa competição.

Analogamente, uma dispersão elevada de preços é um indicativo de que as algumas empresas buscam fazer cortes de preços com intuito de aumentarem a sua participação no mercado e atraírem mais clientes. Como, nesse caso, não há coordenação de preços, as estratégias de preços individuais não são implementadas simultaneamente no mercado, o que ajuda a explicar a elevada da dispersão ao longo do tempo. Outro ponto importante se relaciona com a ocorrência de choques. Na concorrência perfeita, choques de custos são transferidos imediatamente aos preços. Assim, também é maior a propensão à elevada dispersão e variabilidade de preços.

Em geral, a literatura econômica costuma apontar que um coeficiente de variação de preços inferior a 0,25 (ou 25%) já é considerado baixo. Ou seja, se os preços de um determinado mercado variarem até 25% em relação ao preço médio, acende-se um alerta no que se refere à pouca competição entre as empresas estabelecidas. No entanto, os critérios para determinação de um limiar de dispersão de preços no varejo de combustíveis são específicos. Devido à homogeneidade do produto, os preços naturalmente apresentam poucas variações. Além disso, como existe uma regulamentação no que se refere à divulgação obrigatória dos preços praticados nos postos em grandes letreiros, os agentes podem se aproveitar da observação dos preços dos concorrentes e os utilizarem como ponto focal.

Sendo assim, a ANP (2010) aponta que é razoável utilizar o limiar de 0,02 (ou 2%) para o varejo de combustíveis no Brasil. Ademais, a agência reguladora também indica que um indicador de dispersão de preços situado entre 0,01 e 0,02 já faz com que fique evidente para os consumidores uma certa rigidez de preços. Um outro ponto crítico apontado pela ANP é quando a variação de preços é inferior a 1% por um período superior a 24 semanas. Nessa situação, há indícios de baixos níveis concorrenciais, podendo até incluir paralelismo de preços (intencional ou não).

 

Análises Empíricas

A partir do levantamento semanal de preços, realizado pela ANP (2023), é possível coletar os preços praticados pelos postos revendedores para gasolina, etanol, diesel e GLP (botijão de gás de 13kg). Para este artigo, foram coletados os preços da gasolina comum e do etanol hidratado nos postos revendedores das cidades de Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Manaus e Salvador. A justificativa por essas capitais foi incorporar grandes cidades de todas as regiões do país.

Em termos de metodologia, foram calculados a média e o desvio-padrão para cada cidade em cada semana. A partir desses dados, é calculada a dispersão dos preços – ou coeficiente de variação dos preços – ao se dividir o desvio-padrão pela média, conforme equação a seguir:

Cabe destacar que o cálculo em relação à média possibilita a comparação de indicadores entre as cidades. Os resultados da dispersão de preços para a gasolina e para o etanol nas cidades selecionadas estão dispostos no painel abaixo:

 

Painel 1: Dispersão de preços da gasolina e do etanol entre abril e julho de 2023

 

Fonte: Elaboração própria a partir de ANP (2023).

 

Dentre os resultados obtidos, a cidade de São Paulo é destaque positivo. Comparativamente com as demais capitais selecionadas, São Paulo apresenta dispersão de preços muito superior às demais capitais, variando de 9,67% até 11,20% para a gasolina e de 7,63% a 13,22% para o etanol. Além disso, a cidade se distancia muito dos intervalos críticos de 1% e 2% (sinalizado pelas linhas pretas pontilhadas), estipulados pela ANP, sobre a percepção de rigidez de preços por parte dos consumidores. Outro ponto interessante é a tendência crescente na dispersão do etanol. Ou seja, na comercialização do biocombustível, a concorrência entre os postos se intensificou nos últimos meses.

No Rio de Janeiro, também é verificado que os níveis de dispersão da gasolina e do etanol ficaram em patamares superiores àqueles estipulados pela ANP. Assim, de um modo geral, é possível afirmar que a concorrência entre postos revendedores na capital do estado é relativamente alta. Além disso, os preços do etanol são muito mais dispersos do que os preços da gasolina, sinalizando que a concorrência via etanol é maior entre os postos.

No entanto, é importante fazer uma ressalva. Tanto São Paulo quanto Rio de Janeiro são cidades muito grandes e que possuem grande heterogeneidade em seus bairros. Portanto, o padrão verificado como um todo para os municípios pode não ser o mesmo verificado em bairros ou em regiões específicas dentro das próprias cidades.

Para os casos de Brasília e Salvador, existem períodos pontuais em que a dispersão de preços se localiza no intervalo entre 1% e 2%. No caso da capital federal, em duas semanas de abril de 2022 o coeficiente de variação da gasolina foi inferior a 2%. Já na capital baiana, a dispersão de gasolina ficou abaixo dos 2% durante 3 semanas em abril e também por 3 semanas em julho. Assim, já fica perceptível aos consumidores que os preços variam pouco e que a competição não é tão intensa.

Belo Horizonte e Cuiabá apresentam uma similaridade no que se refere à dispersão de preços. Em cada uma das cidades, um combustível apresenta dispersão no intervalo crítico da ANP e outro combustível tem variação de preços superior a 2%. Em Belo Horizonte, a competição no caso da gasolina se mostra menos intensa do que a competição no varejo de etanol. Em Cuiabá, é o oposto: a competição entre os postos nas vendas de etanol ocorre em menor grau do que em relação à gasolina.

Por último, os casos mais críticos parecem ocorrer em Curitiba e em Manaus. Na capital paranaense, exceto pelas últimas semanas de julho, a dispersão de preços tanto da gasolina quanto do etanol se encontrou dentro do intervalo de 1% e 2%, em que já existe a percepção de preços similares por parte dos consumidores. Este seria um indicativo de menor competição entre os postos para ambos os combustíveis. Em Manaus, a situação parece ainda pior: a dispersão de preços da gasolina ficou inferior a 1% durante quase todo o horizonte temporal analisado. O menor indicador verificado foi de 0,04% e o maior, de 2,15%. Portanto, dentre as cidades analisadas, Manaus é aquela em que há menores indícios de competição na revenda de combustíveis.

 

Conclusões

O objetivo do artigo foi analisar a concorrência no varejo de combustíveis de 8 capitais brasileiras através de indicadores de dispersão de preços. De acordo com a literatura econômica, quanto mais dispersos e voláteis são os preços, maiores são os indicativos de que o mercado possui competição acirrada entre as empresas. Nesse sentido, São Paulo e Rio de Janeiro são as capitais em que há maior concorrência entre os postos revendedores de gasolina comum e de etanol.

Por outro, em cidades como Belo Horizonte (gasolina), Cuiabá (etanol) e Curitiba (gasolina e etanol), a dispersão de preços costuma variar entre 1% e 2%. De acordo com a ANP, nesse intervalo, os consumidores são capazes de notar a rigidez dos preços. O caso mais extremo é para a variação dos preços da gasolina em Manaus. Com uma baixa dispersão, a análise deste indicador sugere pouca concorrência.

Embora exista uma relação direta entre concorrência e dispersão de preços, cabe ressaltar que existem uma série de outros indicadores que podem ser utilizados para se analisar a concorrência em um determinado mercado. Ademais, vale reforçar que o varejo de combustíveis é um setor naturalmente sujeito a uma dispersão de preços mais baixas, dada a homogeneidade do produto e a divulgação de preços praticados. Portanto, para conclusões mais robustas, é necessária a utilização de um conjunto mais amplo de indicadores.

 

Referências

ANP (2010). Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Metodologia adotada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis para detecção de cartéis.

ANP (2023). Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Levantamento de Preços de Combustíveis. Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos/levantamento-de-precos-de-combustiveis-ultimas-semanas-pesquisadas

ECKERT, A.; WEST, D. S. (2004). A tale of two cities: Price uniformity and price volatility in gasoline retailing. The Annals of Regional Science, 38(1), pp. 25–46.

 

Sugestão de citação: Raeder, F. (2023). O que o padrão de dispersão dos preços nos diz sobre a concorrência no varejo de combustíveis? Ensaio Energético, 14 de agosto, 2023.

Autor Fixo e Editor dos Indicadores do Ensaio Energético. Formado em Economia, Mestre e Doutorando em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É professor substituto da Faculdade de Economia da UFF e pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

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