Ensaio Energético

Nas alturas? O impacto do aumento do preço do querosene de aviação nas tarifas aéreas domésticas

1.      Introdução

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a Covid-19 como pandemia. Embora todos os setores da economia tenham sido atingidos, o setor aéreo foi um dos mais prejudicados pelo coronavírus. As medidas de isolamento social derrubaram o número de passageiros que realizavam viagens aéreas a trabalho ou a lazer. No período mais crítico da pandemia, no mês de maio de 2020, a oferta de voos caiu quase 92% no Brasil. Por sua vez, a demanda chegou a despencar 94% no momento mais crítico.

No entanto, com o avanço da vacinação e o progressivo relaxamento das restrições sanitárias, o setor aéreo vem ensaiando uma recuperação no país. Dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC, 2022a) apontam que em julho de 2022, a oferta doméstica de voos no Brasil já havia superado em 6% os níveis de julho de 2019. A demanda atual por voos também se mostra aquecida e está prestes a superar o patamar pré-pandemia, estando somente 2,5% abaixo dos níveis verificados em 2019. Nesse período de retomada, como estão as tarifas aéreas? Pelo menos por parte da população, a impressão é que os preços das passagens também decolaram. O objetivo do artigo é discutir as razões pelas quais os preços das tarifas aéreas domésticas estarem nas alturas.

 

1.      O impacto do preço do querosene de aviação nas tarifas aéreas

Se não fosse o surgimento de uma nova variante do coronavírus, a ômicron, o mercado doméstico brasileiro já poderia ter voltado os níveis pré-pandêmicos ainda no primeiro semestre de 20022 (Figura 1). Porém, além da nova variante, um outro fator vem retardando o processo de recuperação do mercado aéreo: os preços dos combustíveis. Em média, a parcela referente ao querosene de aviação (QAV) representa um terço dos custos dos serviços aéreos do Brasil[1]. Os desdobramentos da Guerra entre Rússia e Ucrânia, somada à crescente demanda mundial por petróleo, causou reflexos na trajetória de preços de todos os derivados do petróleo – incluindo no QAV, que seguem crescendo.

 

Figura 1 – Oferta (ASK) e Demanda (RPK) do setor aéreo doméstico

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da ANAC (2022a)

Nota: ASK: Available Seat Kilometers / RPK: Revenue Passenger Kilometers

 

Conforme visualizado na Figura 2, existe uma correlação positiva e forte entre o preço médio do QAV e as tarifas aéreas domésticas no Brasil. Ademais, é possível perceber o impacto negativo da pandemia nos preços, já que a demanda por deslocamento estava comprimida nos primeiros meses de 2020. Em abril desse mesmo ano, a tarifa aérea média nacional atingiu seu valor mínimo, de R$ 380,46. Já em maio, foi a vez do querosene de aviação chegar ao menor preço, no patamar de R$ 1,30 o litro. Menos de dois anos depois, o litro do QAV já ultrapassava os R$ 5,00. O preço do combustível, portanto, mais do que triplicou. Por sua vez, a tarifa média atingiu os R$ 986,62 em abril de 2022 – aumentando em 2,6 vezes em um período de dois anos.

 

Figura 2: Evolução do preço médio do QAV e da tarifa aérea média no Brasil

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da ANAC (2022b) e ANP (2022)

 

Em um contexto de preços dos combustíveis em trajetória ascendente, não restou outra alternativa às empresas aéreas a não ser o repasse dos custos com QAV às tarifas aéreas. Um ponto que chama atenção é que, na maioria dos casos, o repasse das variações de preço do QAV às tarifas segue um padrão que tende a não ser favorável aos consumidores: o padrão “foguete” e “pena”. Existe uma tendência de que os preços subam como “foguetes”, mas enfrentem resistências e caiam como “penas”. Sendo assim, quando os custos sobem, o repasse aos preços tende a ser instantâneo e completo. Contudo, se o custo do insumo cair, o repasse ao preço pode não ser nem completo nem instantâneo. Esse cenário é maléfico aos consumidores pois são raras as vezes que eles podem se beneficiar integralmente da queda de preços.

Kaufmann (2017) apontou que, entre junho de 2014 e maio de 2016, ocorreu uma queda de 57% no preço do petróleo. Todavia, nesse mesmo período, foi observada uma queda de apenas 12% na tarifa aérea média dos Estados Unidos. De uma maneira geral, as tarifas aéreas se ajustam assimetricamente às mudanças no mercado de petróleo ou de QAV (Wadud, 2015). A principal causa do repasse assimétrico das variações de custos aos preços finais é a concorrência imperfeita – ou seja, poucas empresas ofertando um determinado produto.

De acordo com a ANAC (2022c), três companhias dominam o mercado aéreo brasileiro: Azul, Gol e Latam. Tendo como referência os últimos 12 meses (agosto de 2021 até junho de 2022), a fatia de mercado abocanhada por cada uma delas era de 31%, 32,5% e 35,6%, respectivamente. Conjuntamente, as três empresas somam 99,1% de market-share em se tratando de voos domésticos. Assim, dada a quantidade relativamente pequenas de ofertantes no setor aéreo nacional, este é um mercado que pode ser propício ao repasse assimétrico.

 

Tabela 1: Estatísticas Descritivas (Janeiro/2020 a Junho/2022)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da ANAC (2022b) e ANP (2022)

 

Apesar de o reajuste positivo médio no preço do querosene de aviação (7,61%) ser menor do que o reajuste positivo médio nas tarifas aéreas domésticas (8,25%), um ponto chama bastante atenção. Durante os 30 meses analisados, o preço do combustível subiu 22 vezes. No entanto, as companhias aéreas reajustaram para cima os preços das passagens 18 vezes, isto é, 4 vezes a menos. Isto é, em 4 períodos os consumidores não se depararam com aumentos de preços quanto os custos foram pressionados para cima.

No lado oposto, quando o preço do querosene de aviação recuava em relação ao preço vigente no mês anterior, essa queda média foi de 9,47%. Já o reajuste negativo médio das tarifas áreas foi um pouco menor: 8,46%. No entanto, assim como no caso anterior, o preço médio das passagens domésticas caiu 11 vezes nos últimos 30 meses, enquanto o preço do combustível apresentou queda somente em 7 ocasiões.

 

2.      Considerações Finais

Os números, portanto, indicam que as companhias aéreas tendem a repassar as quedas de custos aos preços médios das passagens, o que é um indício de competição mais acirrada entre elas. Além disso, na média, também parece que as empresas buscaram, na medida do possível, evitar repassar de maneira completa e instantânea os aumentos do QAV. A subida de preços remeteu mais a um “balão” do que a um “foguete”. No entanto, é fundamental destacar que o período analisado é atípico.

É possível que essa situação tenha ocorrido visando a recuperação mais acelerada do mercado e que esse padrão seja exceção e não regra. Conforme a situação do mercado aéreo vai se encaminhando para patamares semelhantes ao período pré-pandêmico, é possível que o padrão de transmissão de preços se altere no curto prazo. Somente em agosto de 2022, a Petrobras já havia anunciado duas reduções (2,6% e 10,4%) no preço do QAV em suas refinarias, em decorrência dos preços do petróleo mais baixos no mercado internacional. Resta agora ver como responderão os preços das passagens domésticas nos próximos meses, em que as operações devem retornar ao nível de normalidade.

 

Referências

ANAC (2022a). Agência Nacional de Aviação Civil. Indicadores do Mercado do Transporte Aéreo – Oferta e Demanda. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/dados-e-estatisticas/mercado-de-transporte-aereo/consulta-interativa/demanda-e-oferta-origem-destino

ANAC (2022b). Agência Nacional de Aviação Civil. Indicadores de Tarifas Aéreas Domésticas. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/regulados/empresas-aereas/Instrucoes-para-a-elaboracao-e-apresentacao-das-demonstracoes-contabeis/indicadores-de-tarifas-aereas-domesticas

ANAC (2022c). Agência Nacional de Aviação Civil. Relatório de Demanda e Oferta do Transporte Aéreo. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/regulados/empresas-aereas/Instrucoes-para-a-elaboracao-e-apresentacao-das-demonstracoes-contabeis/relatorio-demanda-e-oferta-do-transporte-aereo

ANP (2022). Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Preços de produtores e de importadores de derivados de petróleo e de biodiesel. Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos/precos-de-produtores-e-importadores-de-derivados-de-petroleo.

KAUFMANN, R. K. (2017). Airfares and oil prices: ‘Feathers and Rockets’ adjustments. Energy Economics, vol. 68 (2017), pp. 515–521.

WADUD, Z. (2015). Imperfect reversibility of air transport demand: Effects of air fare, fuel prices and price transmission. Transportation Research Part A, vol. 72 (2015), pp. 16–26.

 

Notas

[1] Para mais informações, consultar: https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2022/aereas-brasileiras-acumularam-prejuizo-liquido-de-r-20-bi-em-2021

 

Sugestão de citação: Raeder, F. (2022). Nas alturas? O impacto do aumento do preço do querosene de aviação nas tarifas aéreas domésticas.  Ensaio Energético, 26 de setembro, 2022.

 

Autor Fixo e Editor dos Indicadores do Ensaio Energético. Formado em Economia, Mestre e Doutorando em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É professor substituto da Faculdade de Economia da UFF e pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

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