Ensaio Energético

Análise Comparativa da Política e da Pobreza Energética entre o Brasil e a Colômbia

Introdução

Os países da América Latina e o Caribe registraram melhorias significativas no acesso à energia moderna desde 2000, com a proporção de domicílios com acesso à eletricidade aumentando de 87% em 2001 para 95,1% em 2019. Além disso, a proporção de acesso ao gás doméstico passou de 80,11%, no ano 2000, para 88,69%, em 2020. O progresso é particularmente notável no acesso à eletricidade nas áreas rurais, onde a proporção de residências com acesso cresceu mais de 20 pontos percentuais (de 65,3 para 87,5%). Todavia, 20% dos domicílios da região ainda dependem de combustíveis tradicionais, lenha ou carvão, para cozinhar, especialmente nas áreas rurais (Jiménez e Yépez-García, 2020).

Entretanto, esses números podem esconder diferenças muito significativas no acesso à energia entre as sub-regiões do continente e entre países. Assim, este ensaio mostra o panorama da pobreza e a da política energética nos casos do Brasil e da Colômbia, países com tendências socioeconômicas similares.

 

O acesso a gás doméstico no Brasil e na Colômbia

No contexto dos países da América Latina, o Brasil se destaca pela abrangência do gás doméstico, visto que os dados de 2022 indicam que 100% dos domicílios brasileiros têm acesso a gás canalizado ou GLP (SIDRA IBGE, 2022). Por tanto, do ponto de vista do acesso, o Brasil tem realizado importantes avanços, impulsionados pelas políticas de substituição progressiva de combustíveis tradicionais pelo GLP e pela ampla penetração da eletricidade. O uso do Gás Liquefeito do Petróleo (GLP) em substituição à lenha foi incentivado com substanciais subsídios cruzados, ou seja, subsídios aos botijões de 13 kg por médio da precificação mais alta para o GLP a ser envasado em recipientes de capacidades superiores a 13 kg, o que possibilitou o seu uso massivo no país. Ademais, em 2001 foi criado o Programa Vale Gás, que consistiu na transferência direta de renda às famílias para a compra do botijão de gás. Em 2003 este programa foi integrado no benefício do Bolsa Família (Melo, 2022).

No entanto, o fim do subsídio na venda de gás cozinha e os incrementos frequentes no preço de GLP residencial (P-13), relacionados à nova política implementada pela Petrobras em 2017, motivou o aumento no consumo de fontes tradicionais no Brasil (Melo, 2022). De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), o percentual dos domicílios que usaram lenha ou carvão na cozinha cresceu 27% entre 2016 e 2018 (IBGE, 2019). Mesmo em áreas urbanas do Brasil, encontra-se relatos de famílias que voltaram a utilizar lenha ou o álcool para cozinhar devido aos altos preços do GLP. Assim, crianças e mulheres são os grupos mais expostos a queimaduras por manuseio de lenha ou álcool para cozinhar.

Na Colômbia, a abrangência do gás doméstico é menor em comparação ao Brasil, sendo de 88,3% em 2022. As principais políticas que promoveram a penetração do gás natural foram implementadas no final do século XX, como o Plano de Massificação do Gás Natural, que consistiu num apoio financeiro para o desenvolvimento da infraestrutura do serviço no país e no subsídio para a instalação e conexão do gás canalizado das famílias de menor renda.

Como uma política para a substituição de fontes de energia tradicionais pelo GLP, em 2013 o Ministério de Minas e Energia da Colômbia adotou um programa de subsídios destinado as famílias de três departamentos do Sul do país. O programa é financiado pelo governo nacional e o benefício é transferido através da distribuidora do GLP. Apesar da relevância do GLP no setor residencial, seu uso tem diminuído nas últimas duas décadas devido a massificação do gás canalizado, o menor preço relativo do gás natural e aos fundos de apoio financeiro para a infraestrutura e conexão do serviço. Esses fatores têm contribuído para a substituição parcial do GLP pelo gás canalizado nos grandes centros urbanos da Colômbia.

Apesar das políticas energéticas para reduzir o uso de combustíveis tradicionais, na Colômbia ainda 9,7% dos domicílios usam estas fontes para cozinhar. Esse panorama é mais frequente nas áreas rurais, embora não seja exclusivo dessa população. A privação energética no uso de lenha ou carvão para cozinhar está relacionada aos grupos de população vulnerável, com baixa renda e com possibilidades de serem classificados como pobres, de acordo com o nível de renda.

 

O acesso a eletricidade nos domicílios do Brasil e da Colômbia

No Brasil, foram implementados programas para garantir o acesso à eletricidade, atingindo a cobertura quase total da população do país. As estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022 indicaram que 98,7% dos domicílios do país têm acesso à energia elétrica proveniente de rede geral em tempo integral.

Entre as políticas adotadas no Brasil para a cobertura do serviço de eletricidade está o Programa de Desenvolvimento Energético dos Estados e Municípios (PRODEEM), instituído pelo governo federal em 1994. O objetivo do PRODEEM foi permitir o acesso à eletricidade das comunidades isoladas utilizando fontes renováveis locais em base autossustentável (Melo, 2022).

Também se destaca o Programa Luz para Todos (PLT), proposto pelo governo federal em 2003, cujo objetivo foi levar energia elétrica à população, especialmente nas áreas rurais e com baixos níveis de renda que não conseguiam arcar com as despesas de instalação interna no domicílio.

Outra política pública é a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), em que são concedidos descontos específicos à população de baixa renda, de acordo com o seu consumo energético. A TSEE foi regulamentada em 2011 e consiste em um subsídio cruzado, ou seja, os usuários que pagam a tarifa convencional financiam o desconto recebido pelas famílias de baixa renda. Os beneficiários da TSEE são famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal, com renda mensal familiar per capita menor ou igual a meio salário-mínimo ou que incluam entre seus moradores beneficiários da prestação continuada da assistência social. Os descontos são concedidos de acordo com as faixas de consumo de até 220 kWh/mês. Para parcela de consumo mensal até 30 kWh/mês, o desconto é de 65%, de 30 kWh/mês a 100 kWh/mês, o desconto é de 40%, e de 100 kWh/mês a 220 kWh/mês, o desconto cai para 10%.

Na Colômbia, os dados de 2022 mostraram que 97% dos domicílios têm acesso à energia elétrica, sendo que nas áreas urbanas a cobertura atingiu a totalidade da população e 96% nas áreas rurais. Similarmente ao que foi feito no Brasil, a cobertura de eletricidade na Colômbia, de um lado, tem sido fundamentada em programas que procuram sustentar financeiramente o acesso deste serviço a população rural e de maior vulnerabilidade no país. De outro lado, o serviço de eletricidade também foi promovido com a adoção de um subsídio cruzado, definido na Lei de serviços públicos domiciliários de 1994, e com recursos do governo nacional. Este subsídio é um benefício em que os usuários localizados nos bairros de classe média-alta e classe alta pagam uma contribuição adicional na tarifa para subsidiar a população da classe média e baixa. Na Colômbia, os imóveis residenciais são classificados em um nível socioeconômico conhecido como “estrato”. O benefício depende do consumo de energia e da altura sobre o nível do mar em que o município está localizado.

 

Considerações finais

É preciso destacar o esforço realizado pelo Brasil e pela Colômbia para implementar políticas e ações que permitissem aumentar a proporção de famílias com acesso à energia moderna, eletricidade e gás doméstico. Entre os instrumentos utilizados por estes países estão os subsídios, subvenções e tarifas sociais para o consumo de eletricidade. Tanto no Brasil quanto na Colômbia, as tarifas sociais são aplicadas em função do consumo de energia.

As condições geográficas da Colômbia e do Brasil tem representado uma barreira para garantir o acesso à energia moderna e de qualidade para toda a população. As principais barreiras geográficas têm estado relacionadas com características climáticas e com as condições montanhosas, especialmente na Colômbia por fazer parte da região andina. Ademais, as características sociais, em particular o tamanho dos assentamentos humanos, a dispersão espacial dos domicílios e a distância a centros urbanos tem gerado barreiras no acesso à energia moderna e de qualidade nestes dos países. Na Colômbia, o conflito armado nas áreas rurais foi outra barreira na eletrificação. De acordo com a Unidade de Planejamento Minero Energético (UPME, 2016), os municípios com maior déficit de cobertura elétrica coincidem, na sua maioria, com os municípios com maior presença de grupos criminosos.

Tais condições influenciam o acesso dos domicílios localizados em áreas rurais montanhosas e isoladas não apenas aos serviços de eletricidade, mas também aos combustíveis como o GLP. Por exemplo, o investimento em infraestrutura elétrica convencional (redes de distribuição) e em alguns casos a sistemas renováveis isolados é afetada por essas condições.

Outra barreira importante no acesso e uso da energia moderna no Brasil e na Colômbia, tem a ver com fatores econômicos, como a capacidade de pagamento da população, aos preços relativos da eletricidade e do gás doméstico e aos preços de eletrodomésticos mais eficientes e de qualidade. Como foi apontado anteriormente, o uso de lenha o carvão para cozinhar está relacionado ao grupo economicamente vulnerável da população e não se limita apenas as áreas rurais.

Embora as instituições públicas do Brasil e da Colômbia tenham sido relevantes para a implementação de mecanismos de inclusão social e econômica, ainda existem barreiras que precisam ser superadas em articulação com outros atores do setor energético. Além disso, é relevante que a política energética estabeleça critérios de focalização na aplicação de subsídios. No contexto colombiano, a alocação de subsídios para a energia elétrica deveria eliminar o critério dos “estratos” e alocar os subsídios em função de características socioeconômicas da população, como é feito no Brasil.

 

 Referências

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/condicoes-de-vida-desigualdade-e-pobreza/17270-pnad-continua.html?edicao=24437&t=resultados

Jiménez, R., Yépez-García, A. (2020). Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). ¿Cómo consumen energía los hogares?: evidencia de América Latina y el Caribe.

Melo, Y. As dimensões da pobreza energética no Brasil. Tese (Doutorado em Economia), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.

SIDRA IBGE. (2022). Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA –. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua Anual. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadca/tabelas

UPME – Unidad de Planeación Minero Energética. Plan Indicativo de Expansión de Cobertura de Energía Eléctrica (PIEC) 2016-2020. (2016).

 

Autora do Ensaio Energético. Economista e mestre em Economia pela Universidade Nacional de Colômbia, sede Medellin, doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense e membro do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

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