Ensaio Energético

O Planejamento Espacial Marinho e o desenvolvimento das eólicas offshore no Brasil

A relação das múltiplas atividades econômicas no oceano com as mudanças climáticas e com o PEM

Sem dúvidas, a existência da Década da Ciência Oceânica pela Organização das Nações Unidas (ONU) sob o escopo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que compreende o período de 2021 até 2030, concedeu um maior destaque para o ambiente marinho e costeiro na agenda internacional. Tradicionalmente, o mar era um espaço usado para atividades como a pesca e o transporte, mas com o passar dos anos começou a ser utilizado para outras áreas, como comunicação e energia.

Como consequência, com o aumento do uso do espaço marinho para diversas atividades começou a haver conflitos e novos desafios. Ao mesmo tempo, começou-se a perceber que o oceano poderia colaborar na solução de muitos desafios presentes. A título de exemplo, destaca-se que, de acordo com o High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy (2023), o oceano pode ajudar na mitigação das mudanças climáticas e contribuir para que o aumento da temperatura não passe dos 1,5oC até 2030 com uma projeção em que as energias baseadas no oceano terão importante papel conforme pode ser observado nos gráficos 1 e 2.

 

Gráfico 1 – Potencial máximo de contribuição das opções baseadas nos oceanos de mitigação de CO2 prontas para implementar para colmatar a lacuna de emissões em 2030

Fonte: Hoegh-Guldberg et al., 2023.

 

Gráfico 2 – Potencial máximo de contribuição das opções baseadas nos oceanos de mitigação de CO2 prontas para implementar para colmatar a lacuna de emissões em 2050

Fonte: Hoegh-Guldberg et al., 2023.

 

Como pode ser observado nos gráficos 1 e 2, as atividades econômicas que ocorrem no mar podem contribuir com 18% da redução de emissões de CO2 que serão necessárias para a temperatura não aumentar mais do que 1,5oC até 2030, podendo contribuir com 35% até 2050 – com destaque para as energias baseadas no oceano, que poderão figurar como a terceira maior atividade econômica no oceano responsável por tal contribuição. De acordo com o High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy (2019) é possível compreender que as fontes de energia renovável baseadas nos oceanos incluem: (I) energia eólica offshore (perto da superfície e em grandes profundidades), (II) energia solar flutuante, (III) biomassa marinha e (IV) energia oceânica, que envolve (IV.a) marés, (IV.b) ondas, (IV.c) conversão de energia térmica oceânica e (IV.d) gradiente de salinidade.

Diante deste cenário, destaca-se o papel do intitulado High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy, que é um grupo formado por 18 países de 6 continentes que representam 45% das zonas econômicas exclusivas (ZEE) no mundo, detém 50% da zona costeira do mundo, são responsáveis por 21% do pescado e 25% da frota de transporte marítimo no mundo. O painel de alto nível publicou em 2019 um documento chamado “The Ocean as a solution to climate Change” em que o planejamento espacial marinho (PEM) é citado 5 vezes e em que todas se relaciona mais diretamente com o setor de energia, com especial atenção para as eólicas offshore. Após quatro anos, em 2023 foi publicada uma versão mais atualizada do mesmo documento em que o PEM é citado 11 vezes, também com especial atenção com relação às eólicas offshore.

Neste sentido, é possível notar o aumento da percepção e da importância do PEM no que se refere às energias baseadas no oceano. De acordo com o High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy (2023), os grandes investimentos na energia eólica offshore acabam gerando e aumentando a importância dos planejamentos espaciais marinhos para reduzir os riscos a vida marinha, aos ambientes e a biodiversidade marinha, bem como aves migratórias, além de minimizar conflitos com outros setores e gerar segurança jurídica e regulatória.

 

A origem do PEM e as relações com as eólicas offshore

A definição de Planejamento Espacial Marinho (PEM) utilizada pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da UNESCO (2021) é de que se trata de um processo compreensivo e estratégico para analisar e alocar os respectivos usos das áreas no mar para minimizar conflitos entre atividades humanas e maximizar benefícios, ao mesmo tempo em que é assegurada a resiliência do ecossistema marinho. Além disso, destaca as seis prioridades dentro de dois pilares que devem existir em um PEM: No pilar Transversal, o PEM deve I – ser o suporte do conhecimento, II – promover o desenvolvimento de capacidades e sensibilização, e III – a cooperação transfronteiriça; já no pilar Temático, o PEM IV – deve ser inteligente no aspecto climático, V – proteger a restauração marinha, e VI – promover a economia azul sustentável.

A origem do PEM se deu na Austrália nas décadas de 1960 e 1970. De acordo com o COI/UNESCO (2009), havia uma grande preocupação com atividades referentes à extração de petróleo e mineração de calcário em regiões próximas da barreira de corais do país. Naquele cenário, então, foi estabelecida uma nova legislação criando a Autoridade do Parque da Grande Barreira de Corais da Austrália que desenvolveu um PEM para a região. Desde então, alguns Estados também criaram órgãos específicos para desenvolver o PEM como foi o caso do Reino Unido, que criou uma legislação e um órgão específico chamado Marine Management Organization, bem como foi o caso dos Estados Unidos da América (EUA).

Conforme exposto, é possível dizer que o PEM desde a sua origem vai além de uma visão de setores econômicos existentes no mar e inclui uma abordagem mais ampla envolvendo o aspecto da governança. Além disso, é importante ressaltar que, desde sua origem, há cerca de 40 anos, o número de países e a quantidade de Planejamentos Espaciais Marinhos em elaboração e elaborados aumentou muito, conforme pode ser observado na figura 1 e no gráfico 3.

 

Figura 1 – Situação dos Planejamentos Espaciais Marinhos ao redor do mundo até abril de 2022

Fonte: COI/UNESCO, 2022.

 

Gráfico 3 – Situação dos Planejamentos ao redor do mundo até abril de 2022

Fonte: COI/UNESCO, 2022

 

Neste contexto, de acordo com o COI/UNESCO (2022), existiam 20 países com PEM aprovado no mundo em 2021, contemplando 22% das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEEs) e 82 países tinham se comprometido a fazer o PEM, representando 47% das ZEEs no mundo. Destaca-se, ainda, que a maioria dos países com PEM aprovados encontra-se na Europa. Além disso, atualmente existem mais de 300 iniciativas sobre PEM no mundo envolvendo 102 países/territórios (incluindo projetos pilotos); do total, 150 se encontram nas fases iniciais (incluindo projetos piloto), sendo que 38 estão aprovados (escala nacional, subnacional ou local) e apenas 14 referentes a 10 países foram revisados.

Tendo em vista o aumento do número dos Planejamentos Espaciais Marinhos em 2021, foi lançada uma segunda grande edição do guia internacional sobre PEM, que atribuiu 3 vezes mais citações a energia eólica offshore (22 vezes) do que consta na edição de 2009 (7 vezes). A relação entre a elaboração de um PEM com a geração de energia eólica offshore existe em muitos países e pode ser visualizada na tabela 1, a partir da exposição de estudos de caso do COI/UNESCO (2021) dos principais fatores chave na elaboração de PEM em 9 países/territórios.

 

Tabela 1 – Exemplos nacionais e regionais das necessidades e dos responsáveis pelos Planejamentos no mundo

Fonte: COI/UNESCO, 2022.

 

De acordo com o COI/UNESCO (2022), a identificação dos motivos e as necessidades dos planejamentos levou em consideração contextos geográficos, zonas costeiras existentes e recursos marinhos, conflitos percebidos, motivos políticos, legislação e compromissos nacionais e internacionais. Diante deste estudo, é possível notar que em 2 casos dos 9 analisados a energia eólica offshore foi o principal fator que levou a criação de Planejamentos Especiais Marinhos.

No mundo, existem muitos desafios em relação ao PEM, sendo a manutenção e a sustentabilidade dos planejamentos um desses principais obstáculos. Nesse sentido, é importante destacar que, de acordo com o COI/UNESCO (2022), a sustentabilidade dos planejamentos espaciais marinhos é assegurada em alguns países pela existência de impostos para quem utiliza o mar – como no caso de países como China e Austrália. Destaca-se também que, nas regiões que são compartilhadas por vários países costeiros com conflitos de uso do espaço marinho, ou por problemas pela existência de mais de uma jurisdição, a criação de um fundo regional específico para financiar planejamentos pode funcionar como um incentivo para o desenvolvimento de um PEM. Isso pode garantir que as questões transfronteiriças possam ser abordadas de uma forma satisfatória.

  

Experiências a serem observadas pelo Brasil no mundo: O caso do Reino Unido

O Reino Unido é um dos países pioneiros na construção e instalação de torres de energia eólica offshore, que começaram a ser desenvolvidas na década de 1990.  Recentemente, o Reino Unido também foi pioneiro na instalação de energia eólica offshore com uma tecnologia que permite que a estrutura seja flutuante, fato que, de acordo com o Global Wind Energy Council (2022), aumenta a capacidade da utilização em águas mais distantes da costa e profundas.

O desenvolvimento da energia eólica offshore no Reino Unido pode ser entendido por alguns fatores como, por exemplo, I – pela necessidade de diminuir a dependência externa oriunda da exportação de recursos energéticos, II – pelos compromissos com o desenvolvimento sustentável com a utilização de fontes mais limpas de energia, III – pelos investimentos em inovação e no conhecimento sobre essa matriz energética, IV – pela criação de órgãos específicos para desenvolver o PEM, como o chamado Marine Management Organization, e V – pela criação de legislação e processos de licenciamento envolvendo o ambiente marinho.

Para ser um dos Estados pioneiros no desenvolvimento das eólicas offshore, o Reino Unido recentemente lançou uma estratégia de segurança energética intitulada British Energy Security Strategy (2022), que tem como meta que o Reino Unido disponha a partir do ano de 2030 de 50 GW de energia oriunda da energia eólica offshore, sendo 5 GW de energia eólica offshore com tecnologia flutuante. Apesar disso, de acordo com o governo do Reino Unido (2022), a capacidade instalada da energia eólica offshore em 2022 foi de 11 GW, o que significa que a meta de 2050 parece difícil de ser alcançada – apesar da grande evolução da energia eólica offshore nas últimas décadas. Para alcançar tais objetivos, além dos investimentos já citados a British Energy Security Strategy (2022) também prevê grandes investimentos na rede de conexão e transmissão de energia, interconectando o sistema de eólicas onshore e offshore.

A atual configuração das plantas eólicas offshore no Reino Unido foi formada respeitando os respectivos planejamentos espaciais marinhos da região. No caso do PEM envolvendo a Inglaterra, entre 2014 e 2021 foram planejadas onze áreas, o que ajudou no planejamento dos melhores locais para o desenvolvimento das eólicas offshore.

 

Figura 2 – Mapa dos locais de arrendamentos para energia eólica Offshore nas 11 áreas do PEM da Inglaterra (2023)

Fonte: European MSP Platform. European Comission, 2023

 

A região número 4 do PEM da Inglaterra é uma das regiões que concentram maior quantidade de eólicas offshore. Além do PEM da Inglaterra, no Reino Unido também foi concluído o PEM da Escócia, em 2015, que foi revisado em 2018. Ademais, foi concluído o PEM do País de Gales, em 2019, e está em desenvolvimento o PEM da Irlanda do Norte.  Também é importante destacar que, no caso do Reino Unido, a British Energy Security Strategy (2022) prevê outras metas, dentre as quais a queda do tempo de permissão para instalação de parques eólicos offshore que era de quatro anos até 2022 para apenas um ano, bem como a instalação de medidas de compensação ambiental incluindo projetos que já estão no sistema e a implementação de um novo pacote de desenvolvimento ambiental da eólica offshore com a previsão de um fundo para acelerar a recuperação marinha que será financiado pela indústria com padrões de projetos baseados na natureza.

No mercado mundial a capacidade instalada das eólicas offshore ainda está concentrada em alguns poucos países como pode ser observado no gráfico 4 abaixo.

 

Gráfico 4 – Total instalado das energias eólica offshore no mercado mundial

Fonte: GLOBAL Offshore Wind Report 2022

 

É possível notar que China e Reino Unido concentram a maior parte do total instalado das energias eólicas offshore no mundo. Outros países da Europa, como a Alemanha, Holanda e Dinamarca, também se destacam nesse cenário e fazem parte da União Europeia (UE), que possui a chamada EU’s 2050 Energy Strategy, que tem como objetivo alcançar 60 GW de capacidade instalada de geração de energia eólica offshore até 2030 e 300GW até 2050. Para isso, a UE precisou estruturar uma governança de longo prazo das múltiplas atividades econômicas que acontecem no espaço marinho europeu e que foram viabilizadas pelos respectivos Planejamentos Espaciais Marinhos dos respectivos Estados Membro da União.

 

O caso brasileiro da relação das eólicas offshore com o PEM

No âmbito internacional, destaca-se que o Brasil foi apontado pelo Global Wind Report (2022) como um mercado promissor para a indústria das eólicas offshore com potencial de liderança regional e mundial. No escopo nacional, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) (2020), o potencial energético da eólica offshore do país foi mapeado em cerca de 700 GW. Neste contexto, é possível dizer que a relação das eólicas offshore com o PEM no Brasil já se mostrou presente no RoadMap da EPE (2020) sobre eólicas offshore, especialmente nas seções dedicadas às principais estratégias de mitigação e de uso de instrumentos de gestão ambiental com especial atenção às experiências desenvolvidas na Europa.

Sobre as estratégias de mitigação que foram consideradas no RoadMap sobre eólicas offshore da EPE (2020), destaca-se uma preocupação com o fato de a experiência internacional ter apontado a utilização do PEM como principal estratégia para evitar impactos causados em escala regional ou nacional em áreas marinhas consideradas sensíveis ambientalmente, bem como em áreas em que já ocorrem outras atividades econômicas. Além disso, no RoadMap da EPE (2020) sobre instrumentos de gestão ambiental relacionados às eólicas offshore são destacadas experiências internacionais que apontam o PEM como um dos principais mecanismos adotados no mundo para dar suporte e fundamentar tais atividades. Neste sentido, de acordo com a EPE (2020), nos países europeus foi necessária a realização de avaliações de viabilidade técnico-econômica e ambiental dos projetos de eólica offshore em nível estratégico nacional antes da determinação de áreas marítimas para a instalação de tais projetos.

Sobre o ambiente regulatório no que se refere ao PEM do Brasil, destaca-se que o atual X Plano Setorial para recursos do Mar (X PSRM, 2020-2023) contempla dentro das 11 ações uma ação específica para o PEM do Brasil.  A ação sobre o PEM é conduzida por um Comitê Executivo sob a coordenação da Marinha do Brasil (MB) no âmbito da Comissão Interministerial para Recursos do Mar (CIRM) por intermédio da sua própria Secretaria Executiva (SECIRM). Na ação sobre o PEM do X PSRM existem 18 metas e 9 produtos dentre os quais nota-se uma preocupação com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14). No caso brasileiro, destaca-se que a MB é a Autoridade Marítima do país e que a CIRM, criada em 1974, é coordenada pelo Comandante da MB. Então, nesse ambiente regulatório envolvendo o mar, a CIRM tem um papel muito importante na coordenação, proposição e elaboração de políticas públicas.

No contexto internacional, muitos Planejamentos Espaciais Marinhos que já foram iniciados e concluídos por diversos países, de acordo com Violante et al (2022), são fundamentados em Políticas Marítimas Nacionais (PMN) ou em outras políticas nacionais e regionais baseadas em estratégias sustentáveis de Economia Azul. No entanto, foram desenvolvidos de forma individualizada em setores sem uma abordagem integrada e sem ferramentas que incentivam a cooperação de modo que podem resultar em uma maior fragmentação nacional nos respectivos países. Após a experiência de diversos países, o Brasil hoje busca desenvolver um PEM que possa permitir o desenvolvimento da economia brasileira em consonância com a proteção do meio ambiente.

No contexto internacional, o Brasil se comprometeu em 2017 nas Nações Unidas a desenvolver e concluir o PEM até 2030. De acordo com Violante (2022), tal compromisso foi registrado como a Ação Oceânica 19.704 (#Ocean Action 19.704) no item 334 do Anexo II do Relatório da Conferência das Nações Unidas para Apoio à Implementação do ODS 14. No contexto nacional, o PEM do Brasil está em fase de estruturação pela qual foram definidas 4 regiões geográficas: sul, sudeste, nordeste e norte. Em 2023, Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) concluiu um edital sobre o Projeto Piloto do PEM do Brasil para a região Sul e os recursos disponibilizados foram R$ 7 milhões. De acordo com BNDES (2022), tais recursos serão utilizados pela empresa classificada em primeiro lugar no edital de seleção. O Estudo técnico será desenvolvido em até 36 meses em três fases com as atividades demonstradas na figura 3 abaixo.

 

Figura 3 – Fases do projeto piloto do PEM na região marinha do Sul do Brasil

Fonte: Elaboração própria dos autores com base em dados do BNDES, edital de seleção, 2022.

 

A Figura 3 mostra que para a fase 1 está prevista a atividade “3 identificação dos usos atuais e potenciais” a partir da publicação de onze cadernos, sendo dez “Cadernos Setoriais” e um “Caderno Multisetorial”, denominado “potenciais de investimentos”, que deverá deter informações como déficits de investimentos nos setores estudados e áreas potenciais para novas tecnologias e investimentos. Também é importante destacar que nos “Cadernos Setoriais” vão constar os estudos dos potenciais usos dos espaços do mar para os próximos 10, 20 e 30 anos, sendo então um ponto de especial atenção do Projeto Piloto do PEM da região sul do Brasil.

Além disso, destaca-se que a empresa vencedora do edital será responsável por elaborar na fase número 2 a atividade número 6, que é a criação do intitulado Geoportal De acordo com o BNDES (2022), o Geoportal deverá ser compatível com a Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE) e possibilitar a modelagem de mapas, simulações em tempo real, configuração de cenários futuros e também apresentar superposições representativas de conflitos e sinergias do uso do espaço marinho que serão muito importantes para o PEM. Ele deverá, ainda, servir de base para o PEM das demais regiões do Brasil. Tal atividade, em conjunto com os cadernos setoriais, será muito importante para o desenvolvimento e avaliação dos locais destinados às eólicas offshore.

No que se refere ao caso da energia eólica offshore, todas essas atividades constantes no Projeto Piloto do PEM para a região sul são muito importantes no Brasil tendo em vista as experiências internacionais. Apesar disso, é importante mencionar que o Brasil precisa desenvolver um planejamento de política energética para as eólicas offshore e que já consegue fazer isso tendo em vista o potencial de geração de energia eólica offshore que já foi mapeado pela EPE em 2020.

Nota-se que nas experiências internacionais principalmente em países da Europa, como é o caso do Reino Unido, a energia eólica offshore se desenvolveu fundamentada no PEM e em planos nacionais de energia com metas de alcançar uma transição energética para uma matriz mais limpa. E um movimento recente do Brasil que foi positivo neste sentido de aprender com experiências de países que realizaram o PEM foi o de entrar na Global Offshore Wind Alliance (GOWA) no dia 05 de dezembro de 2023 durante a COP28 em Dubai. A GOWA é uma organização que agora reúne 18 países e 2 estados subnacionais além de representantes da sociedade civil e tem como objetivo a contribuição para o aumento dos investimentos na energia eólica offshore de modo a alcançar no mundo a capacidade instalada de 380GW até 2030. Além disso a GOWA também tem como objetivo a troca de experiências e de conhecimento sobre o planejamento espacial marinho entre os países membros.

Ainda no contexto regulatório do Brasil, é importante mencionar a recente aprovação no dia 29/11/2023 pela Câmara dos Deputados do projeto de lei (PL) 11.247/2018 chamado de marco legal das eólicas offshore que a partir de então segue para o Senado. O PL contém pontos que precisam ser mais debatidos e revisados, pois, de acordo com a Câmara dos Deputados (2023), o texto aprovado determina a obrigatoriedade de contratação de termelétrica a carvão mineral nos leilões de reserva de capacidade até 2050 incluindo aquelas que têm contratos vigentes em dezembro de 2022 e aquelas com contratos vigentes que terminarão até dezembro de 2028.  O PL, de acordo com a EPBR (2023), também não define parâmetros fixos para promoção da indústria nacional como, por exemplo, o volume de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e não define critérios para distribuição da riqueza gerada. Apesar disso, como ponto positivo, destaca-se o PL 11.247/2018 determina na parte sobre licenciamento ambiental que para a cessão das áreas deverão ser observados os resultados do PEM, elaborado sob a coordenação da CIRM.

 

Considerações Finais

O presente artigo mostra que o Brasil já está compreendido internacionalmente como um país que pode assumir uma liderança regional, bem como assumir uma posição importante no cenário mundial no que envolve a geração de energia a partir das eólicas offshore. No entanto, assim como aconteceu em muitos países, o processo de planejamento das eólicas offshore é de longo prazo e exige a construção de uma governança que seja capaz pensar e gerenciar diversas atividades socioeconômicas no ambiente marinho ao mesmo tempo.

Foi possível identificar que os principais documentos que mapearam o potencial energético das eólicas offshore no Brasil dedicaram especial atenção ao PEM e às experiências europeias. No continente europeu, o Reino Unido foi um dos pioneiros no desenvolvimento das eólicas offshore e, em 2022, aparece como segundo país com a maior capacidade instalada de eólicas offshore no mundo, de acordo com o Global Offshore Wind Report 2022.

Contudo, para alcançar este cenário o Reino Unido desenvolveu uma legislação e criou órgãos específicos dedicados ao PEM e, somente a partir de então, desenvolveu e revisou alguns planos especialmente entre 2014 até 2021. Após esse período, em 2022 o Reino Unido lançou uma estratégia energética nacional que estabeleceu novas políticas e metas envolvendo as eólicas offshore em consonância com uma transição energética limpa e com o potencial dos oceanos de contribuir neste sentido.

No caso brasileiro, foi observado que um importante passo foi dado para o planejamento e governança das eólicas offshore com a conclusão do edital do Projeto Piloto do PEM focado na região sul do país. Adicionalmente, é importante dizer que no Projeto Piloto do PEM da região sul do Brasil, com I – a elaboração dos cadernos setoriais, II – a construção dos cenários para 10, 20 e 30 anos dos respectivos setores econômicos que podem se desenvolver no mar, e III. a construção do Geoportal de forma compatível com a INDE, será possível a construção de um planejamento de médio e longo prazo envolvendo as eólicas offshore. No entanto, também é importante destacar a necessidade de o Brasil construir uma política energética que de fato análise de forma profunda a aplicação do potencial de geração de energia eólica no Brasil para a segurança energética e transição rumo a uma economia de baixo carbono no país.

 

Referências

(1) BNDES. Edital de Seleção Pública de Parceiro Executor de Estudo Técnico voltado à implementação de Projeto Piloto do Planejamento Espacial Marinho – PEM na Região Marinha do Sul do Brasil. Disponível em:  https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/pesquisaedados/estudos/bndes-fep/fep-fomento-03-2022-projeto-piloto-do-planejamento-espacial-marinho-pem. Acesso em: 07.07.2023.

(2) Câmara dos Deputados. Câmara aprova exploração de energia eólica em alto mar, com reserva para carvão. Disponível em:  https://www.camara.leg.br/noticias/1020965-camara-aprova-exploracao-de-energia-eolica-em-alto-mar-com-reserva-para-carvao-acompanhe/. Acesso em: 29.11.2023

(3) Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. Institucional. Disponível em:  https://www.marinha.mil.br/secirm/institucional#membros. Acesso em: 10.06.2022

(4) Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. X Plano Setorial Para Os Recursos Do Mar. 2020

(5) Ehler, Charles, and Fanny Douvere. Marine Spatial Planning: a step-by-step approach toward ecosystem-based management. Intergovernmental Oceanographic Commission and Man and the Biosphere Programme. IOC Manual and Guides No. 53, ICAM Dossier No. 6. Paris: UNESCO. 2009 (English)

(6) EPBR. Ponderações essenciais sobre o marco regulatório das eólicas offshore. Disponível em: https://epbr.com.br/ponderacoes-essenciais-sobre-o-marco-regulatorio-das-eolicas-offshore/m. Acesso em: 06.12.2023

(7) EPBR. Câmara aprova marco da eólica offshore com incentivo para carvão:  https://epbr.com.br/camara-aprova-marco-da-eolica-offshore-com-incentivo-para-carvao. Acesso em: 06.12.2023

(8) European Commission (2022). The EU Blue Economy Report. 2022. Publications Office of the European Union. Luxembourg

(9) European Comission (2023). MSP Platform: United Kingdom. Disponível em: https://maritime-spatial-planning.ec.europa.eu/countries/united-kingdom. Acesso em: 10.10.2023

(10) Global Offshore Wind Alliance (GOWA). California, the EU Commission, Panama and Brazil join the Global Offshore Wind Alliance launched by Denmark, GWEC and IRENA. Disponível em:  https://gwec.net/gowa-new-members-at-cop28/.  Acesso em: 05.12.2023

(11) Global Wind Energy Council. Global Offshore Wind Report 2022. Disponível em: https://gwec.net/gwecs-global-offshore-wind-report. Acesso em: 20.10.2023

(12) Governo do Reino Unido. British Energy Security Strategy. Disponível em:  https://www.gov.uk/government/publications/british-energy-security-strategy. Acesso em: 11.11.2023

(13) Hoegh-Guldberg, O., Northrop, E. et al. 2023. “The ocean as a solution to climate change: Updated opportunities for action.” Special Report. Washington, DC: World Resources Institute. Available online at https://oceanpanel.org/publication/ocean-solutions-to-climate-change.

(14) IOC-UNESCO. 2022. State of the Ocean Report, pilot edition. Paris, IOC-UNESCO. (IOC Technical Series, 173). Disponível em: https://www.unesco.org/en/articles/state-ocean-report-2022. Acesso em: 05.11.2023.

(15) IOC-UNESCO/European Commission. 2022. Updated Joint Roadmap to accelerate Marine/Maritime Spatial Planning processes worldwide – MSProadmap (2022–2027). Paris, UNESCO. (IOC Technical Series, 182).

(16) UNESCO-IOC/European Commission. 2021. MSPglobal International Guide on Marine/Maritime Spatial Planning. Paris, UNESCO. (IOC Manuals and Guides no 89). Disponível em:  https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000379196. Acesso em 05.11.2023.

(17) UK Government. Marine Activity Data. Disponível em: https://www.gov.uk/government/statistics/uk-energy-in-brief-2022. Acesso em: 10.12.2023.

(18) UK Government. UK energy in brief 2022. Disponível em:  https://www.gov.uk/government/statistics/uk-energy-in-brief-2022. Acesso em: 10.12.2023.

(19) Violante, A. et al. A RELEVÂNCIA ESTRATÉGICA DO PLANEJAMENTO ESPACIAL MARINHO PARA A ECONOMIA AZUL. In: SANTOS, T. et al. Economia Azul: vetor para o desenvolvimento do Brasil. Marinha do Brasil. Rio de Janeiro. 2022. P.231-249

 

Sugestão de citação: Velasco, D.; Santos, T. (2023). O Planejamento Espacial Marinho e o desenvolvimento das eólicas offshore no BrasilEnsaio Energético, 11 de dezembro, 2023.

Diogo Velasco

Doutorando em Estudos Marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN) e bolsista Capes/Brasil pelo projeto Governança da Amazônia Azul, possui mestrado em Análise e Gestão de Políticas Internacionais e graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Atualmente, é pesquisador do GEM no subgrupo Energias offshore. Trabalhou com consultoria para a elaboração de pesquisa e quatro documentários no projeto “Visualizando e aprimorando cadeias de valor na Amazônia” desenvolvido na Universidade Federal do Amazonas em parceria com a Universidade de Leeds e Newton Fund.

Thauan Santos

Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN) e coordenador do Grupo Economia do Mar (GEM). Economista (IE/UFRJ), mestre em Relações Internacionais (IRI/PUC-Rio), doutor em Planejamento Energético (PPE/COPPE) e pós-doutor em Economia Azul pelo Center for the Blue Economy, Middlebury Institute of International Studies (CBE/MIIS), Monterey, Califórnia (EUA). Participa do pool of experts da United Nations Division of Ocean Affairs and Law of the Sea (UN DOALOS) e do panel of technical experts do Global Ocean Accounts Partnership (GOAP).

 

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