A indústria petrolífera é um setor essencial no Brasil nas últimas décadas, pois para além da produção de bens estratégicos (hidrocarbonetos) e dos ganhos com as rendas extraordinárias, o país desenvolveu infraestruturas e um parque industrial competente e capaz de atender às diversas demandas e desafios exigidos pela fronteira exploratória e produtiva. Isso é fruto do papel proativo da Petrobras e de políticas públicas de desenvolvimento de mão de obra qualificada, pesquisa e inovação, e de conteúdo local. Assim, se impulsionou uma gama de ramos industriais e serviços, e de centros de pesquisa tecnológicos em universidades e empresas (DANTAS E BELL, 2009; PIQUET E TERRA, 2011; MATOS, 2020).
A trajetória de pioneirismo, inovação e desenvolvimento de capacidades construída na exploração e produção (E&P) offshore, desde a década de 1970, possibilitou o crescimento da produção e das reservas aos maiores níveis alcançados. Atualmente, o país vislumbra ser um dos dez principais produtores do mundo, apresentando um grande potencial produtivo devido a enormes campos de desenvolvimento e ótimas taxas de recuperação no ambiente do pré-sal. Porém, muitas vezes se passa despercebido e, no fundo do mar, que isso só é possível graças ao esforço do chamado “subsea” (submarino em português).
A janela de oportunidade do subsea brasileiro
O “subsea” se relaciona com uma variedade de áreas de conhecimento, tecnologias, bens e serviços fundamentais para a E&P petrolífera. É o segmento da indústria onde se discute e busca soluções tecnológicas para superar os desafios encontrados no ambiente produtivo offshore referente à faixa d’água, como por exemplo: profundidade; corrosão; pressão; temperatura; e condições meteorológicas, geofísicas e geológicas. A interdisciplinaridade deixa ainda mais complexa as operações e atividades e a engenharia empregada.
Desta forma, sugiro utilizar o termo Sistema Produtivo Submarino (SPS) para agregar e englobar os aspectos relacionados ao conjunto de elementos que interagem com o intuito de dispor de equipamentos, estruturas e serviços submarinos para produção petrolífera. Além disso, no Quadro 1 a seguir é proposta uma divisão de atividades em pacotes tecnológicos para facilitar as análises e mostrar os processos inseridos em cada pacote.
Quadro 1 – Descrição dos pacotes tecnológicos no SPS
Fonte: Matos (2020).
É fundamental notar que estes processos, desafios e desenvolvimentos tecnológicos abrem espaço e oportunidades para a introdução e conexão de clusters tecnológicos[1] com potencial disruptivo no SPS brasileiro. A importância de compreender o SPS brasileiro tem relação com seu potencial dinamizador de atividades e de desenvolvimento e mudança técnica (PÉREZ E SOETE, 1988; PÉREZ, 2010) e reside em duas janelas de oportunidades principais: a atração e desenvolvimento de alguns clusters tecnológicos na indústria petrolífera brasileira e o investimento e avanço em conhecimentos e competências tecnológicas gerando efeitos para toda a indústria brasileira.
A partir desta constatação, é interessante estudar os desdobramentos e segmentos da cadeia de atividades construídas no SPS brasileiro. As redes de atividades mostram as ligações industriais e o conteúdo exigido de tecnologia e inovação. De forma geral, todos os clusters tecnológicos podem criar laços no SPS devido à multiplicidade de interesses e necessidades, entretanto, alguns tem maior potencial de inserção como: materiais avançados e os clusters relativos à digitalização (inteligência artificial, big data e computação em nuvem; redes de comunicação; internet das coisas; e produção inteligente e conectada) (MATOS, 2020).
As redes de atividades do sistema produtivo submarino brasileiro
As redes de atividades do SPS no Brasil mostram a relação da cadeia de atividades no fornecimento e em alguns níveis do subfornecimento. Demonstra também os bens e serviços demandados pelas operadoras para o desenvolvimento do campo. As figuras mostradas a seguir por pacote tecnológico exemplificam isso.
Pacote tecnológico 1 – Processos de controle de fluxos
Os equipamentos submarinos e os equipamentos de processamento submarino são essencialmente fabricados com aço forjado e aços nobres e dependem de uma tecnologia mecânica como válvulas, compressores e bombas submarinas. O painel de controle pode incrementar esses equipamentos com tecnologias que permitem uma operação mais confiável e eficiente. Entretanto, o aço forjado e os componentes do painel normalmente são importados.
As demais fatias do primeiro nível são referentes a serviços. A gestão de projetos envolve estudos e análises para o design e layout dos equipamentos e das operações. Os serviços de instalação, ROV/AUV e geotecnia dependem de embarcação específica de acordo com a operação. Além disso, o monitoramento do ambiente marinho é fundamental nestes processos. São utilizados umbilicais, equipamentos, robótica e instrumentos de medição.
Figura 1 – Principais desdobramentos e segmentos industriais envolvidos na rede de equipamentos e serviços do pacote tecnológico 1
Fonte: Matos (2020).
Pacote tecnológico 2 – Processos de transporte de fluxos
As linhas e risers representam grande parte do custo na produção petrolífera submarina e apresentam diferentes configurações (rígidos ou flexíveis) e composições de materiais. Além de tubos de aços nobres com revestimentos para proteção, podem ser utilizados termoplásticos, cimento e fibras de carbono e de vidro. As boias são um componente utilizado para sustentar as linhas e risers nas longas distâncias que ligam os equipamentos submarinos e a unidade de produção na superfície. Estas são compostas de aço e de fibra de vidro.
Figura 2 – Principais desdobramentos e segmentos industriais envolvidos na rede de equipamentos e serviços do pacote tecnológico 2
Fonte: Matos (2020).
Os umbilicais são dutos submarinos responsáveis por transporte de energia e de fluxos químicos; ou seja, dependem de materiais diferenciados. Além dos tubos de aço e dos termoplásticos preparados para tais funções, são demandados cabos elétricos e fibra ótica. O segundo material permite o transporte de informações de equipamentos submarinos para a superfície e é utilizado nas técnicas de sensoriamento.
Quanto aos serviços do pacote 2, os apontamentos são os mesmos do pacote 1. Estes serviços demandam insumos similares, a despeito da especificidade que equipamentos submarinos e dutos submarinos exigem. Por exemplo, no caso de instalação de dutos já é possível utilizar robôs para realizar encaixes entre os tubos.
Pacote tecnológico 3 – Processos de gerenciamento de integridade
Neste pacote há um enlace com os dois anteriores, pois todo o gerenciamento da integridade da produção objetiva analisar a confiabilidade dos ativos e operações nos campos de desenvolvimento. A realização do monitoramento de ativos, de forma usual, depende de robôs e ROV/AUV, de embarcações, de sensores e de softwares para manejar a atividade. Os últimos também estão presentes em outros três serviços (testes, inspeção e avaliação) e participam na inserção de tecnologias relativas à digitalização.
A inspeção é feita de forma programada. Esta, inclusive, pode ser reprogramada, adiantada, adiada e evitada dependendo da avaliação feita dos ativos. É uma operação que pode demandar uma série de insumos e isso encarece e especializa ainda mais o serviço. Os serviços de testes exigem softwares e laboratórios capazes de simular ambientes e verificar o estado do ativo. Sobre os laboratórios, podemos citar o uso de câmaras hiperbáricas de última geração para simular a pressão submarina. A avaliação antecede a manutenção e ajuda na tomada de decisão sobre a programação de atividades de integridade de ativos.
Figura 3 – Principais desdobramentos e segmentos industriais envolvidos na rede de equipamentos e serviços do pacote tecnológico 3
Fonte: Matos (2020).
Oportunidades e lacunas encontradas
Podemos classificar a participação e a mobilização gerada pelo Sistema Produtivo Submarino (SPS) em três tipos de atividades no Brasil: (A) segmentos já maturados e consolidados, (B) segmentos com dificuldades de desenvolvimento produtivo e tecnológico nacional e dependência de insumos externos e (C) segmentos em desenvolvimento com baixo conhecimento e grande potencial futuro.
No pacote 1, o tipo A é mais marcante com segmentos consolidados no país como metalúrgica, tecnologias mecânicas e ferramentas e instrumentos de medição. O conteúdo tecnológico não é alto, apesar da possibilidade de adaptação de tecnologias disruptivas e da forte tendência do uso de técnicas de sensoriamento. No pacote 2, o tipo A também se destaca devido à expertise em linhas e risers no Brasil, mas o avanço na fronteira tecnológica é mais forte devido à pesquisa e ao uso recorrente de materiais avançados, polímeros e robótica. No último pacote os tipos B e C se destacam por serem atividades mais recentes e específicas, ou seja, muitas vezes são nichos de mercado. Isso eleva a complexidade, mas possibilita maior inserção de inovações.
Algumas competências desenvolvidas em cada pacote precisam ser destacadas, pois são a base para a construção de novas oportunidades e a resolução de lacunas de mercado. No pacote 1 e 2, existe infraestrutura e capacidade para produção e inovação. No pacote 2, os materiais avançados tem tido boa aplicabilidade. No pacote 3, algumas empresas e instituições de pesquisa nacionais oferecem serviços especializados que já envolvem digitalização, robótica, sensoriamento, laboratórios e softwares.
O SPS brasileiro ainda enfrenta dificuldades no desenvolvimento tecnológico e produtivo e as fornecedoras muitas vezes recorrem a suas matrizes e subfornecedores externos. A principal dificuldade está em insumos de alto valor agregado, em especial, no subfornecimento de partes de eletrônica e robótica, desenvolvimento de ROV e AUV, termoplásticos e serviços relativos à logística, operação de ROV e AUV e geotecnia. É neste ponto que deveriam haver políticas capazes de atrair empresas e especialistas para suprir essas lacunas e, consequentemente, reduzir o custo e promover a eficiência em todo o SPS.
O desenvolvimento e produção de equipamentos de controle e transporte de fluxos são atividades consolidadas no país e referência a nível mundial, sendo parte importante da estratégia de negócios das fornecedoras multinacionais no SPS. O desenvolvimento de equipamentos de processamento submarino e a inserção de tecnologias de digitalização e de materiais avançados são fundamentais na obtenção de ganhos econômicos nas operações. Por isso a centralidade da expertise das redes de colaboração brasileiras, auxiliando na disponibilização de soluções tecnológicas viáveis, até porque o país tem centros de pesquisa qualificados nos diferentes clusters tecnológicos e disponibilidade de recursos.
O SPS tem a oportunidade de ser mais do que um sistema produtivo fundamental da indústria petrolífera brasileira e se tornar, com os devidos estímulos de políticas públicas e ações empresariais, um núcleo dinâmico da indústria brasileira. O primeiro passo é a mobilizar e combinar interesses em comum, já que existe um enorme esforço de investimentos, de recursos humanos e de competências tecnológicas no país.
Notas
[1] Agrupamento de tecnologias realizado pelo IEL (2017), em parceria com o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para mapear grupos relevantes e com potencial disruptivo para a competitividade de sistemas produtivos. Se reuniram tecnologias-chave por proximidade tecnológica e de acordo com as bases de conhecimento envolvidas. Foram identificados oito grupos: Inteligência artificial, big data e computação em nuvem; redes de comunicação; internet das coisas; produção inteligente e conectada; materiais avançados; nanotecnologia; biotecnologia; e armazenamento e geração de energia.
Referências
BRITTO, J. Cooperação Interindustrial e Redes de Empresas. In: Kupfer, D.; Hasenclever, L. Economia Industrial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
DANTAS, E.; BELL, M. Latecomer firms and the emergence and development of knowledge networks: The case of Petrobras in Brazil. Research policy, Ed.38. 2009.
INSTITUTO EUVALDO LODI. Mapa de clusters tecnológicos e tecnologias relevantes para competitividade de sistemas produtivos. 2017.
INSTITUTO EUVALDO LODI; PINTO JR., H. Q. Estudo de sistema produtivo petróleo e gás. Nota técnica: Indústria 2027: riscos e oportunidades para o Brasil diante de inovações disruptivas. 2018.
MATOS, M. V. M. Desenvolvimento tecnológico e indústria petrolífera brasileira: as redes e estratégias do sistema produtivo submarino. Tese de Doutorado. Instituto de Economia – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020.
PÉREZ, C. Dinamismo tecnológico e inclusión social en América Latina: uma estratégia de desarrollo productivo basada em los recursos naturales. Revista de la CEPAL, 2010.
PEREZ, C., SOETE, L. Catching-up in technology: entry barriers and windows of opportunity. In: DOSI, G., FREEMAN, C., NELSON, R., SILVERBERG, G., SOETE, L. (Eds.), Technical Change and Economic Theory. Pinter Publishers, London, pp. 458-479, 1988.
PIQUET, R; TERRA, D. A roda da fortuna: a indústria do petróleo e seus efeitos multiplicadores no Brasil. In: PIQUET, R. (Org.) Mar de riquezas, terras de contrastes. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011.
Sugestão de citação: Matos, M. V. M. (2020). Mergulhando no sistema produtivo submarino da indústria petrolífera brasileira: oportunidades e lacunas das redes de atividades. Ensaio Energético, 19 de outubro, 2020.
Manuel Victor Martins de Matos
Economista pela UFRRJ, mestre em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas pela UFRRJ e doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da UFRJ.