Ensaio Energético

Desafios do acesso de terceiros aos terminais de regaseificação de GNL no Brasil

Introdução

A Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134, de 8 de abril de 2021) implementou, em seu artigo 28, o acesso não discriminatório e negociado de terceiros às infraestruturas essenciais, contrapondo o artigo 45 da Lei do Gás (Lei nº 11.909, de 4 de março de 2009), que previa o acesso voluntário (i.e., não obrigatório). Essas infraestruturas incluem os gasodutos de escoamento da produção, as instalações de tratamento ou processamento de gás natural e os terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL). Atualmente, a resolução que regulamentará o acesso de terceiros está em fase de implementação pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A ANP lançou a Consulta Prévia nº 1/2023, por 78 dias (31/01/2023 a 19/04/2023), divulgando a Nota Técnica Conjunta ANP nº 25/2022. Espera-se que essa nova resolução seja publicada em dezembro de 2023 (ANP, 2023b).

Este artigo foca exclusivamente no acesso de terceiros aos terminais de GNL, deixando de lado o acesso aos gasodutos de escoamento da produção e às instalações de tratamento ou processamento de gás natural. A Nova Lei do Gás em seu artigo 3°, inciso XL, define terminal de GNL como “instalação, terrestre ou aquaviária, destinada a receber, movimentar, armazenar ou expedir gás natural na forma liquefeita, podendo incluir os serviços ou instalações necessárias aos processos de regaseificação, liquefação, acondicionamento, movimentação, recebimento e entrega de gás natural ao sistema dutoviário ou a outros modais logísticos” (Brasil, 2021b). Portanto, essa definição não faz distinção entre terminais de regaseificação e terminais de liquefação. No entanto, este artigo foca sua análise nos terminais de regaseificação.

No Brasil, o acesso de terceiros aos terminais de GNL apresenta particularidades. Isso porque a regaseificação de GNL é utilizada como uma ferramenta de flexibilidade (EPE, 2020, 2021). Em outras palavras, a regaseificação é utilizada principalmente para a acomodação das variações de demanda termoelétrica por gás natural. Isso faz com que a taxa de utilização da capacidade de regaseificação dos terminais de GNL seja extremamente baixa. Dessa maneira, essa baixa utilização pode ser percebida erroneamente como uma grande capacidade disponível para o acesso de terceiros. Entretanto, não é a capacidade de regaseificação de GNL, mas sim o gerenciamento do estoque da FSRU (Floating Storage and Regasification Unit) que representa o principal desafio do acesso de terceiros aos terminais de regaseificação. Portanto, para que o acesso de terceiros aos terminais de GNL seja viabilizado, é necessário que resolução da ANP leve em consideração, não somente a capacidade de regaseificação, mas também inclua o gerenciamento do estoque da FSRU na definição de preferência do proprietário, estipulado no § 1º do art. 28 da Nova Lei do Gás.

Desse modo, este artigo busca dar suporte à elaboração da regulamentação acerca do acesso de terceiros, visando identificar os principais desafios desse acesso no caso dos terminais de regaseificação de GNL no Brasil. Para isto, este artigo está divido em quatro seções, além desta introdução. A seção 2 apresenta a regulamentação acerca do acesso de terceiros às infraestruturas essenciais. A seção 3 mostra as principais características da regaseificação de GNL no Brasil. A seção 4 destaca os principais desafios do acesso de terceiros aos terminais de regaseificação no Brasil. A seção 5 conclui e apresenta algumas recomendações.

 

A regulamentação do acesso de terceiros às infraestruturas essenciais

O acesso de terceiros não discriminatório e negociado às infraestruturas essenciais está definido no artigo 28 da Nova Lei do Gás. A obrigatoriedade do acesso significa que o terceiro interessado tem assegurado o direito a negociar seu acesso a capacidades dessas infraestruturas (ANP, 2023a). Portanto, a capacidade não é garantida automaticamente, uma vez que é necessário que, de antemão, ocorra uma negociação. Além disso, o artigo 2 da Nova Lei do Gás determinou que os proprietários ou operadores de infraestruturas essenciais devem divulgar informações relevantes para dar transparência ao acesso de terceiros. As informações relevantes incluem as características das instalações, os serviços prestados, as capacidades disponíveis, os dados históricos referentes aos contratos celebrados, às partes, aos prazos e às quantidades envolvidas.

O artigo 28 traz consigo 4 parágrafos cruciais para o acesso de terceiros. O § 1º determina que o proprietário da instalação tem preferência para uso da própria infraestrutura. Isso tem como objetivo não prejudicar o proprietário que realizou os investimentos na infraestrutura e que a dimensionou para seu próprio uso (ANP, 2023a). O § 2º estabelece que os proprietários, em conjunto com os terceiros interessados, devem elaborar código de conduta e prática de acesso às infraestruturas essenciais, bem como assegurar a publicidade e transparência desses documentos. O § 3º estipula que a remuneração a ser paga ao proprietário pelo acesso do terceiro e o prazo de duração do contrato, devem ser objeto de acordo entre as partes, com base em critérios objetivos, previamente definidos e divulgados na forma do código de conduta e prática de acesso às infraestruturas essenciais.

Portanto, apesar da remuneração e do prazo dos contratos a serem negociados livremente, estes devem ser determinados a partir de critérios objetivos, previamente definidos e amplamente divulgados (ANP, 2023a). Isso tem como objetivo garantir a transparência e isonomia de tratamento entre os terceiros interessados. O § 4º estabelece que, na eventualidade de controvérsia, cabe à ANP decidir sobre a matéria, ressalvada a possibilidade de as partes, de comum acordo, elegerem outro meio de resolução de disputas legalmente admitido no Brasil.

O Decreto nº 10.712, de 2 de junho de 2021, regulamentou a Nova Lei do Gás (Brasil, 2021a). Em relação ao acesso de terceiros, esse decreto estabelece a responsabilidade da ANP quanto aos termos, condições e verificação da existência de conduta anticompetitiva nas negociações. O artigo 16 aponta a necessidade de o acesso se dar de forma transparente, aspecto essencial para a garantia de acesso não discriminatório (ANP, 2023a). O § 1º do artigo 16 determina que a ANP pode estabelecer prazos e condições para a negociação do acesso, enquanto o § 2º estabelece que, quando a negociação não for concluída no prazo a estipulado, a ANP pode atuar de ofício para verificar a existência de eventuais condutas anticoncorrenciais ou de controvérsias entre as partes.

 

Principais características da regaseificação de GNL no Brasil

A Figura 1 apresenta os principais terminais de regaseificação de GNL do Brasil. Atualmente, existem 5 terminais de regaseificação no Brasil, são eles: o Terminal de Pecém, Terminal da Baia de Guanabara, Terminal da Bahia, Terminal de Sergipe e Terminal Açu. O Terminal de Pecém foi inaugurado em 2008 pela Petrobras. No ano seguinte, a Petrobras inaugurou o Terminal da Baia de Guanabara. Ambos os terminais tinham como objetivo principal fornecer gás natural ao parque termoelétrico (EPE, 2020, 2021). Em 2014, foi inaugurado o terceiro terminal da Petrobras, ou seja, o Terminal da Bahia. Este terminal teve o objetivo de aumentar a capacidade de importação de GNL e otimizar processos logísticos da companhia (EPE, 2020, 2021). No final de 2021, o Terminal da Bahia foi arrendado pela Excelerate até 31/12/2023 em cumprimento ao estabelecido no Termo de Compromisso de Cessação (TCC) entre a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

 

Figura 1 – Principais terminais de regaseificação de GNL do Brasil

Fonte: Elaboração própria com dados da EPE.

 

Em 2019, a Centrais Elétricas de Sergipe (CELSE) inaugurou o Terminal de Sergipe. No final de 2022, a Eneva adquiriu a CELSE, assumindo a operação do Terminal de Sergipe. O Terminal Açu foi inaugurado pela GNA em 2021. Ambos os terminais foram desenvolvidos para suprir o parque termoelétrico desenvolvido pelas próprias empresas. Diferentemente dos terminais da Petrobras, os terminais de Sergipe e Açu inicialmente não foram conectados a malha interligada de gasodutos do Brasil, sendo dedicados exclusivamente às plantas termelétricas (EPE, 2020, 2021). No entanto, ambos os terminais estão desenvolvendo projetos para conexão com a malha interligada de gasodutos. Enquanto o gasoduto de conexão entre o Terminal de Sergipe e a malha da TAG já está em construção (Governo de Sergipe, 2023), o gasoduto de conexão entre o Terminal Açu ainda está na fase de planejamento (GNA, 2022a, 2022b).

Além disso, estão previstos mais 4 novos terminais de regaseificação, a saber: Terminal Celba, Portocem, Terminal Regaseificação São Paulo, Terminal Gás Sul. O terminal Portocem está sendo desenvolvido para fornecimento exclusivo de plantas termoelétricas (Governo do Estado do Ceará, 2022).  O Terminal Celba está ancorado em uma planta termelétrica, mas também irá suprir uma indústria local. Por outro lado, os terminais de São Paulo e Gás Sul não serão ancorados em plantas termoelétricas, tendo como principal objetivo a comercialização do gás natural. Enquanto o primeiro deverá se conectar a malha de distribuição da Comgás, o segundo será conectado ao GASBOL (EPE, 2019, 2022).

A característica mais marcante da regaseificação de GNL no Brasil é que ela é um instrumento para dar flexibilidade para a demanda de gás do setor elétrico. A Figura 2 mostra a relação entre a regaseificação de GNL e a demanda termoelétrica de gás no Brasil. Devido à intermitência e sazonalidade na geração elétrica através das fontes renováveis, o despacho termelétrico apresenta grande variação. Assim, uma vez que a produção de gás natural do Brasil é, em sua maioria, associada ao petróleo, as térmicas flexíveis movidas a gás natural não podem, no geral, ser supridas exclusivamente por gás doméstico. Isso porque a produção de gás natural associado ao petróleo não pode ser interrompida ou reduzida sem que haja prejuízo à extração do óleo. Assim, a regaseificação de GNL é de extrema importância para o balanceamento da rede e acomodação das variações de demanda termoelétrica por gás natural.

 

Figura 2 – Relação entre a regaseificação de GNL e a demanda termoelétrica de gás no Brasil

Fonte: Elaboração própria com dados do MME.

 

A utilização dos terminais de regaseificação de GNL como ferramentas de flexibilização gera uma baixa utilização dos mesmos. A Figura 3 mostra a capacidade de regaseificação dos terminais de GNL existentes no Brasil e o volume médio regaseificado (média entre o primeiro mês de operação até dezembro de 2022). Enquanto a taxa de utilização dos 3 terminais da Petrobras conectados a malha interligada de gasodutos fica em torno de 25%, a taxa de utilização dos terminais de Sergipe e Açu são de aproximadamente 5%.

 

Figura 3 – Capacidade de regaseificação dos terminais de GNL existentes no Brasil e volume médio regaseificado

Fonte: Elaboração própria com dados do MME e ANP (2023a).

 

Além disso, todos os terminais de regaseificação de GNL existentes no Brasil utilizam a tecnologia do FSRU. Nenhum dos terminais possuem tanques de armazenamento ou acondicionamento de GNL em ambiente onshore (EPE, 2020, 2021). Ou seja, a capacidade de armazenamento desses terminais está limitada aos tanques das próprias FSRU. A Figura 4 apresenta a capacidade de armazenamento das FSRU em operação no Brasil. A capacidade de armazenamento das FSRU em operação no Brasil é de cerca de 170 Mm3 de GNL, exceto a FSRU do Terminal de Pecém, que possui capacidade de armazenamento de 138 Mm3 de GNL. De modo geral, uma única entrega de GNL é capaz de abastecer os tanques das FSRU em operação no Brasil, uma vez que a capacidade de transporte média dos navios metaneiro é de aproximadamente 150 Mm3 (GIIGNL, 2022).

 

Figura 4 – Capacidade de armazenamento das FSRU em operação no Brasil

Fonte: Elaboração própria com dados do GIIGNL (2022).

Principais desafios do acesso de terceiros aos terminais de GNL no Brasil

Identificamos 2 principais desafios do acesso de terceiros aos terminais de regaseificação no Brasil, a saber: desafio da capacidade de armazenamento limitada da FSRU e desafio da propriedade do GNL. Cabe destacar que existem outros desafios que não serão tratados neste artigo, tais como diferenças nas especificações do GNL e congestionamento para descarregamento do GNL.

O principal desafio está associado à capacidade limitada de armazenamento da FSRU. A Figura 5 ilustra esse desafio. Como demostrado na seção 3 acima, os navios metaneiros têm uma capacidade de transporte semelhante à capacidade de armazenamento das FSRU em operação no Brasil. Assim, qualquer entrega de GNL de terceiros irá, no geral, ocupar toda a capacidade os tanques de armazenamento da FSRU. Desse modo, uma entrega de GNL de terceiros pouco antes da data de entrega de GNL do proprietário, poderia impossibilitar a FSRU de receber, em parte ou em todo, a carga de GNL do proprietário. A incapacidade de recebimento do GNL poderá resultar em penalidades de falha de recebimento. Além disso, caso o contrato de fornecimento exija a nominação de cargas de GNL com um certo de período de antecedência (e.g., nominações mensais, trimestrais ou anuais), o efeito de falta de capacidade de armazenamento pode ser propagado para entregas futuras já programadas de GNL do proprietário. Isso pode ocasionar sucessivas penalidades de falha de recebimento, até que o GNL de terceiro seja completamente consumido.

 

Figura 5 – Ilustração dos desafios de capacidade limitada de armazenamento da FSRU e de propriedade do GNL

Fonte: Elaboração própria.

 

A capacidade limitada de armazenamento da FSRU também gera um desafio relacionado à propriedade do GNL. A Figura 5 ilustra esse desafio. A entrega de GNL de terceiros e a consequente incapacidade de descarregar totalmente a entrega de GNL do proprietário pode resultar em um baixo estoque de GNL do proprietário armazenado na FSRU. Mais do que isso, o estoque do GNL do proprietário pode ser esgotado, a depender da magnitude do seu consumo de gás. Nesse caso, todo o GNL armazenado na FSRU seria de propriedade de terceiros. Em terminais de regaseificação associados a plantas termoelétricas, isso poderia resultar em penalidades por falha na geração de energia estipuladas nos contratos de compra e venda de energia. Em terminais de regaseificação cujo principal objetivo é a comercialização de gás natural, a falta de GNL do proprietário poderia resultar em penalidades por falha no fornecimento.

Cabe destacar que a capacidade de regaseificação não é um desafio ao acesso de terceiros aos terminais de GNL no Brasil. Isso porque, como demostrado na seção 3 acima, a utilização desses terminais é muito baixa, uma vez que eles são utilizados como ferramenta de flexibilidade. Em outras palavras, os desafios associados à capacidade limitada de armazenamento da FSRU e à propriedade do GNL irão surgir muito antes do que uma possível limitação através da utilização máxima da capacidade de regaseificação. Portanto, a capacidade de regaseificação de GNL somente será um limitador ao acesso de terceiros quando esses desafios forem superados.

No entanto, a ANP (2023a), em sua Nota Técnica Conjunta ANP nº 25/2022, deixou em segundo plano as questões relacionadas ao estoque, dando maior importância as questões relacionadas à vazão. Nesta nota técnica, a ANP sinalizou que pode utilizar a definição de preferência do proprietário conforme definido na Resolução ANP n° 881/2022, que estabelece critérios para o uso dos terminais aquaviários existentes ou a serem construídos, para movimentação de petróleo, de derivados de petróleo, de derivados de gás natural e de biocombustíveis. A Figura 6 resume o entendimento da Resolução ANP n° 881/2022 sobre a capacidade disponível para livre acesso de terceiros nos terminais aquaviários. Se pode notar que a capacidade disponível para livre acesso de terceiros focada excessivamente na vazão de movimentação e não no estoque. Dessa maneira, a ANP não pode replicar essa definição no caso do acesso de terceiros aos terminais de regaseificação. Caso isso seja feito, poderá ocorrer prejuízos para os proprietários dos terminais de GNL. Nesse caso, é necessário que a ANP leve em consideração os desafios associados à capacidade limitada de armazenamento da FSRU.

 

Figura 6 – Definição da capacidade disponível para livre acesso de terceiros na Resolução ANP n° 881/2022

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP (2023a).

 

Conclusão e Recomendações

Este artigo buscou apresentar os principais desafios do acesso de terceiros aos terminais de regaseificação no Brasil. O artigo mostrou que esses desafios estão associados à capacidade limitada de armazenamento da FSRU e à propriedade do GNL armazenado na mesma. Ou seja, não é a capacidade de regaseificação de GNL, mas sim o gerenciamento do estoque da FSRU que representa o principal desafio do acesso de terceiros aos terminais de regaseificação no Brasil. Isso significa que a baixa utilização dos terminais de GNL no Brasil não deve ser percebida como uma grande capacidade disponível para o acesso de terceiros. Caso isso seja feito sem que haja o devido cuidado com os desafios relacionados ao estoque da FSRU , os proprietários dos terminais poderão ser prejudicados. Portanto, a principal conclusão deste artigo é de que a definição de preferência do proprietário, que deverá ser regulamentada por resolução da ANP, deve considerar não somente a utilização da capacidade de regaseificação do terminal de GNL, mas também os desafios associados ao gerenciamento do estoque da FSRU.

Uma maneira de superar esses desafios seria a ANP conceder ao proprietário do terminal de GNL a competência sobre o gerenciamento das datas de entrega, sejam de suas próprias cargas de GNL ou de terceiros. Isso daria ao proprietário a capacidade de mitigar os riscos associados às penalidades de falha de recebimento, ocasionadas pela falta de capacidade de armazenamento na FSRU. Isso poderia ser feito através de rodadas de oferta de capacidade para acesso de terceiros, que ocorreriam periodicamente. Nesse caso, os proprietários projetariam o volume de GNL necessário para suprir seu consumo em um determinado período. O volume de GNL disponível para acesso de terceiros seria estimada através da subtração do volume operacional de GNL que o terminal pode regaseificar nesse intervalo pré-determinado pelo volume de GNL projetado para suprir o consumo do proprietário. Cabe destacar que o volume operacional do terminal é menor (ou igual) ao volume máximo de GNL, que corresponde à capacidade máxima de regaseificação do terminal vezes o número de dias contabilizados no período. Isso porque o terminal pode ter uma limitação técnica no descarregamento de navios metaneiros (por exemplo, por questões logísticas ou climáticas) ou uma limitação técnica na capacidade de regaseificação (por exemplo, paradas programadas para manutenção).

Os proprietários dos terminais de regaseificação dariam publicidade a todas essas informações. Assim, os terceiros interessados poderiam efetuar suas propostas, devendo informar o volume total de GNL requerido, o tamanho das cargas de GNL a serem entregues e o consumo projetado para o período em questão. Com essas informações em mãos, o proprietário do terminal poderia gerenciar as datas de entregas do GNL de maneira ótima, garantindo que os níveis de estoque na FSRU serão adequados para o recebimento do GNL nas datas de entregas. Além disso, esse gerenciamento possibilitaria evitar o congestionamento de navios metaneiros para o descarregamento no terminal de GNL. Caso houver mais propostas do que a capacidade disponível para o acesso de terceiros, podem ser considerados mecanismos de alocação de capacidade pro-rata, first-committed-first-served ou leilão.

No entanto, para que essas rodadas de oferta de capacidade para acesso de terceiros sejam viáveis é necessário que seja permito o swap dentro do tanque de armazenamento da FSRU (in-tank transfers), concedendo a prioridade no consumo de GNL para o proprietário. O swap permitiria o gerenciamento ótimo do estoque da FSRU. Além disso, a prioridade no consumo também é essencial para evitar prejuízos aos proprietários dos terminas, incorridos pela falta de estoque de GNL de sua propriedade. Como, no geral, os terminais de GNL estão associados às térmicas flexíveis, se torna muito difícil projetar o volume de GNL necessário para suprir o consumo do proprietário e, consequentemente, o volume de GNL disponível para acesso de terceiros. Nesse sentido, sempre que comprovado a necessidade de cumprir suas obrigações de geração de energia (i.e., para evitar penalidades por falha na geração de energia), o proprietário poderia exercer seu direto de prioridade, consumindo compulsoriamente GNL de terceiros. Esse GNL consumido compulsoriamente seria devolvido aos respectivos terceiros em entregas futuras. Embora essa dificuldade de previsão seja mais proeminente nos terminais ancorados em plantas termoelétricas, ela também poderia ocorrer em terminais que visam a comercialização de gás natural. Assim, a prioridade no consumo de GNL também deve ser aplicada nesses casos, uma vez que ela permite reduzir o risco de desabastecimento de GNL do proprietário e as consequentes penalidades de falha no fornecimento.

Por fim, essas duas recomendações ocorreria a mitigação dos prejuízos aos proprietários, que são ocasionados pelo acesso de terceiros aos terminais de GNL no Brasil. No entanto, elas também determinam que o acesso não ocorrerá em bases firmes, mas sim em bases interruptíveis.

 

Referências

ANP. (2023a). Estudo prévio para regulamentação do acesso de terceiros negociado e não discriminatório às infraestruturas essenciais de gás natural no Brasil: Gasodutos de escoamento, unidades de processamento de gás natural e terminais de gás natural liquefeito (GNL) (Nota Técnica Conjunta ANP no 25/2022). https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/consultas-e-audiencias-publicas/consulta-previa/2023/consulta-previa-ndeg-1-2023

ANP. (2023b). Painel Dinâmico da Agenda Regulatória. https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/paineis-dinamicos-da-anp/painel-dinamico-da-agenda-regulatoria

ANP (2023c). Workshop Acesso a Infraestruturas Essenciais de Gás Natural – dia 2. Disponível em: https://www.youtube.com/live/fGBjDJWWoZE?feature=share

Brasil. (2021a). Decreto no 10.712, de 2 de junho de 2021. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/decreto/D10712.htm

Brasil. (2021b). Lei no 14.134, de 8 de abril de 2021. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14134.htm

EPE. (2019). Plano Indicativo de Gasodutos de Transporte. https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/plano-indicativo-de-gasodutos-de-transporte-pig

EPE. (2020). Terminais de GNL no Brasil: Panorama dos Principais Projetos (Ciclo 2019-2020) [Nota Técnica]. https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/nota-tecnica-terminais-de-gnl-no-brasil-panorama-dos-principais-projetos-ciclo-2019-2020

EPE. (2021). Plano Indicativo de Terminais de GNL 2021. https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/plano-indicativo-de-terminais-de-gnl-piter-

EPE. (2022). Plano Indicativo de Gasodutos de Transporte 2022. https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/plano-indicativo-de-gasodutos-de-transporte-pig-2022

GIIGNL. (2022). GIIGNL Annual Report 2022. https://giignl.org/document/giignl-2022-annual-report/

GNA. (2022a, dezembro 15). NTS e GNA assinam Memorando de Entendimentos para estudos técnicos e de viabilidade de um novo gasoduto até o Porto do Açu. https://www.gna.com.br/sala-de-imprensa/noticias

GNA. (2022b, dezembro 15). TAG e GNA assinam Termo de Compromisso para desenvolvimento de estudos técnicos e de viabilidade visando interligar o Parque Termelétrico, no Porto do Açu, à rede de transporte de gás. https://www.gna.com.br/sala-de-imprensa/noticias

Governo de Sergipe. (2023, janeiro 10). Projeto de interligação do Terminal de GNL da Eneva à malha da TAG evolui com o recebimento dos primeiros tubos para construção de gasoduto em Sergipe. https://www.se.gov.br/noticias/desenvolvimento/projeto_de_interligacao_do_terminal_de_gnl_da_eneva_a_malha_da_tag_evolui_com_o_recebimento_dos_primeiros_tubos_para_construcao_de_gasoduto_em_sergipe

Governo do Estado do Ceará. (2022, dezembro 9). Portocem assina pré-contrato para construção de usina termelétrica movida a gás natural no Complexo do Pecém. Governo do Estado do Ceará. https://www.ceara.gov.br/2022/12/09/portocem-assina-pre-contrato-para-construcao-de-usina-termeletrica-movida-a-gas-natural-no-complexo-do-pecem/

 

Felipe Freitas da Rocha

Formado em Economia, mestre e doutor em Economia pela UFRJ. Pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio e consultor na Prysma E&T Consultores.

É professor e pesquisador do Instituto de Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) e Presidente eleito da Associação Internacional de Economia da Energia - IAEE. Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Grenoble na França. Conselheiro Editorial do Ensaio Energético.

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