Ensaio Energético

Contribuição de veículos elétricos e precificação de carbono na redução das emissões de veículos leves de passageiros no Estado do Rio de Janeiro

Em outubro de 2018, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou o relatório “Global Warming of 1.5oC” (IPCC, 2018). Este documento, escrito e validado por cientistas de diversos países, afirma que, a fim de mantermos o aquecimento global neste século em até 1,5 graus Celsius, todos os países do planeta precisam reduzir substancialmente suas emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) nos próximos anos, atingir a neutralidade carbônica[1] até 2050 e ter emissões negativas na segunda metade do século. Não atingir essas metas resultaria em consequências graves, tais como: derretimento de geleiras e subida do nível do mar, maior incidência de eventos climáticos extremos, desaparecimento de algumas espécies animais e vegetais (corais e algumas espécies de peixes, por exemplo), além de outros impactos.

Dessa forma, a fim de acelerar a transição para uma economia de zero carbono, a produção e consumo de energia mundial deve passar a ser atendida por combustíveis renováveis posto que a queima de combustíveis fósseis é uma das grandes responsáveis pela acumulação dos gases que causam o aquecimento global e consequentes mudanças climáticas. No Brasil, dentre o setores da economia que consomem energia, o setor de transportes é o maior emissor de GEE devido à sua grande dependência em combustíveis fósseis (75% do total consumido em 2019) e à alta participação de fontes renováveis na geração de eletricidade (83% em 2019) (EPE, 2020). O Gráfico 1 mostra as emissões da matriz energética brasileira em 2019, das quais 45% ocorrem no setor de transportes. Dessa forma, um dos grandes desafios para atingir a neutralidade carbônica no Brasil passa por medidas de descarbonização dos transportes no país.

Gráfico 1 – Emissões de CO2 da matriz energética brasileira em 2019

Fonte: EPE (2020).

Este artigo busca entender como algumas políticas de descarbonização dos transportes, especificamente veículos elétricos e precificação de carbono, podem contribuir para reduzir as emissões do setor de transportes no período 2016-2050. Para tal, foi escolhido como estudo de caso o estado do Rio de Janeiro. Por que foram escolhidas essas políticas, esse período e essa região? Primeiramente, veículos elétricos são a evolução da tecnologia veicular. Enquanto veículos à combustão interna (VCI) transformam em energia mecânica apenas entre 15% e 20% da energia contida no combustível que os abastece, veículos elétricos conseguem converter, na média, mais de 80% (García-Olivares, Solé, & Osychenko, 2018). Consequentemente, veículos elétricos necessitam de consideravelmente menos combustível que veículos convencionais, levando a uma redução no total de combustível consumido e ao aumento da eficiência energética da frota. Menos combustível consumido significa menos emissões. Quanto à precificação de carbono, essa política é considerada por economistas como a mais eficaz para reduzir emissões por ser menos distorciva na internalização das externalidades negativas da poluição (Varian, 2010).

O período de estudo (2016-2050) foi assim escolhido para ser possível analisar a evolução das políticas acima no mesmo horizonte temporal no qual o Brasil deve buscar a neutralidade carbônica. Já o estado do Rio de Janeiro foi escolhido para este estudo por sua importância nacional: ser o terceiro estado mais populoso do Brasil, com uma população de aproximadamente 17 milhões de pessoas (IBGE, 2016c), além de ter sido responsável em 2016 por 10% do PIB nacional (IBGE, 2016b). Ademais, 76% do consumo de combustível no setor de transportes fluminense ocorre no transporte rodoviário, do qual 87% é de fonte fóssil; 40% do consumo de combustível do transporte rodoviário é atribuído a veículos leves (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2016; MMA, 2013; Pereira Jr., Santos, & Oliveira, 2015); 45% dos domicílios do estado possuíam um veículo particular em 2016 (IBGE, 2016a); por fim, a taxa de veículos por mil habitantes do estado (232) é similar a de países como Chile e Uruguai (Our World in Data, 2014). Todos esses dados apontam para o peso do setor de transportes, em particular o uso de veículos leves de passageiros, no estado do Rio de Janeiro. Dessa forma, analisar alternativas para descarbonizar esse setor pode auxiliar formuladores de políticas públicas na elaboração de modelos mais sustentáveis para o setor de transportes.

Além desta introdução, o restante deste artigo é organizado da seguinte forma: a seção 2 descreve a matriz energética e o setor de transportes leves de passageiros do estado do Rio de Janeiro; na seção 3, é explicado o método utilizado para analisar a descarbonização de veículos leves de passageiros no Rio de Janeiro; a seção 4 analisa os resultados, enquanto a seção 5 traz a conclusão.

A matriz energética e o setor de transportes leves de passageiros do estado do Rio de Janeiro

O Gráfico 2 traz as características da matriz energética no estado do Rio de Janeiro em 2016. O RJ é um importante produtor de petróleo e gás natural: em 2016, 82% e 61% das reservas brasileiras provadas desses energéticos encontravam-se no estado, respectivamente (EPE, 2017a). No mesmo ano, o RJ produziu 614.713 milhões de barris de petróleo e 16.613 milhões de metros cúbicos de gás natural, equivalente a 67% e 44% da produção nacional (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2016). Em 2016, duas refinarias de petróleo e unidades de processamento de gás natural estavam em operação no estado, com capacidade para processar 266 mil barris de óleo/dia e 20,9 milhões de metros cúbicos de gás natural/dia. Além de ser consumida internamente, essa produção é exportada para outras regiões do Brasil. Ademais, tanto petróleo como gás natural e diesel são importados de outros países. Diesel, óleo combustível leve e gás natural são utilizados na geração de eletricidade em centrais termelétricas (Gráfico 2 e Tabela 1).

Gráfico 2 – Oferta interna de energia (A) e geração de eletricidade por fonte (B) no estado do Rio de Janeiro, 2016

Fonte: Governo do Estado do Rio de Janeiro (2016).

No Rio de Janeiro, não há reservas de carvão, que é importado de outros estados do Brasil para uso na indústria. No setor elétrico, uma turbina instalada em uma usina siderúrgica utiliza gás de queima de carvão para geração de eletricidade (Tabela 1). O estado do RJ também não possui reservas de urânio. O combustível utilizado nas usinas nucleares de Angra I e II é parcialmente produzido no RJ (a etapa de conversão do ciclo do combustível nuclear, em que o concentrado de urânio é dissolvido, purificado e depois convertido em gás para ser enriquecido, ocorre no exterior) (INB, 2020).

Tabela 1 – Capacidade instalada e geração termelétrica no estado do Rio de Janeiro, 2016

Fonte: Governo do Estado do Rio de Janeiro (2016).

Uma usina termelétrica utiliza bagaço de cana para geração de eletricidade no estado do RJ. Na produção de etanol, apesar de o estado ter produzido o combustível em quatro destilarias em 2016, a produção (95 mil metros cúbicos) não foi suficiente para satisfazer a demanda interna. Assim, etanol foi importado de outros estados.

Como visto na Tabela 2, a participação das fontes renováveis na geração de eletricidade no Rio de Janeiro não é tão significativa quanto no Brasil (que, em 2016, era 71%) (EPE, 2017b). O Brasil tem um grande potencial para geração de eletricidade renovável, mas, comparado a outros estados, o Rio de Janeiro não possui vantagens competitivas para desenvolvimento dessas fontes. A geração solar fotovoltaica distribuída, contudo, tem espaço para crescer no RJ (EPE, 2018a). Por fim, a capacidade instalada de geração de eletricidade do RJ não é suficiente para satisfazer a demanda interna. Dessa forma, eletricidade é importada de outros estados brasileiros através do Sistema Interligado Nacional (SIN) – Gráfico 2.

Tabela 2 – Capacidade instalada renovável e participação percentual na produção de eletricidade no estado do Rio de Janeiro, 2016

Fonte: Governo do Estado do Rio de Janeiro (2016).

Quanto ao setor de transportes leves de passageiros, existiam por volta de 3,4 milhões de veículos no estado do Rio de Janeiro em 2016, dentre os quais 41% eram veículos flex, 29% a gás natural veicular, 29% a gasolina e 1% a etanol (DETRAN-RJ, 2016). Existiam 365 veículos elétricos no Rio de Janeiro em 2016 (híbridos, híbridos plug-in – PHEV, e elétricos puro – BEV) (DETRAN-RJ, 2016).

As informações acima são a base para o modelo de sistema energético do estado do Rio de Janeiro, que será detalhado a seguir.

Metodologia

Modelos de sistemas energéticos são modelos de otimização que minimizam o custo total de operação e expansão do sistema, sujeito a restrições técnicas e de capacidade, para satisfazer a demandas externas, sejam elas de eletricidade, transporte, ou algum outro serviço energético (ou seja, as demandas não são determinadas endogenamente pelo modelo, são imputadas pelo modelador). O modelo de sistemas energético otimiza a melhor maneira de satisfazer essas demandas, dadas as restrições do sistema, ao menor custo possível. As características do setor energético em estudo, desde a extração de recursos, passando pelas tecnologias que transformam vetores energéticos até a demanda final por serviços energéticos, são representadas no modelo.

O modelo de sistema energético do estado do Rio de Janeiro foi desenvolvido em Silva et al. (2020) utilizando o programa Open Source Energy Modeling System (OSeMOSYS), que utiliza programação linear para otimizar a satisfação da demanda por eletricidade e transporte no estado do Rio de Janeiro ao menor custo possível e dadas as restrições técnicas e de capacidade do sistema. As principais componentes do modelo são as chamadas “tecnologias”, que podem ser uma refinaria de petróleo, uma central elétrica, um veículo, dentre outras. Tecnologias transformam um vetor energético em outro, os chamados “combustíveis”. Por exemplo, a tecnologia “veículo elétrico” transforma o combustível “eletricidade” em “mobilidade”, que satisfaz uma dada demanda final de transportes.

O que difere as tecnologias entre si no modelo são os seus parâmetros. Os parâmetros de custo das tecnologias são o custo de capital, para instalar uma unidade adicional da tecnologia, se for necessário; os custos de operação (fixos e variáveis); e o custo de emissão (quando há precificação de carbono). Parâmetros técnicos são: eficiência de conversão; vida útil; fator de capacidade; capacidade residual; e fator de emissão. Parâmetros de demanda são demanda final de eletricidade (em petajoules – PJ) e demanda final de transportes (em Gpkm, ou seja, giga passageiro-quilômetro[2]).

O Gráfico 3 traz uma representação visual do modelo, que nada mais é que a tradução no OSeMOSYS da matriz energética (Gráfico 2) e do setor de veículos leves de passageiros do estado do Rio de Janeiro em 2016: os retângulos no gráfico representam as “tecnologias” que transformam vetores energéticos em “combustíveis” ou serviços energéticos, que são as linhas verticais do gráfico. Reservas e extração/produção de fontes primárias, assim como importações e transmissão/distribuição de eletricidade, também são modeladas como tecnologias no OSeMOSYS. Para fontes renováveis, cuja disponibilidade é ilimitada na natureza, as “reservas” são limitadas pela capacidade de produção dentro do estado do Rio de Janeiro. Por exemplo, “reservas” de energia eólica levam em consideração a área e o recurso eólico disponível para produção de energia eólica dentro do RJ.

As fontes de dados para todos os parâmetros estão disponíveis em Silva et al. (2020). Como o horizonte de modelagem é 2016-2050, para o cenário de referência, a evolução da matriz energética até 2050 segue projeções oficiais, como o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050 (EPE, 2018b), aplicadas ao estado do Rio de Janeiro. Neste plano, espera-se que veículos elétricos atinjam paridade de custo com veículos à combustão interna por volta do ano 2049 (EPE, 2018b).

Gráfico 3 – Sistema energético de referência do estado do Rio de Janeiro em 2016[3]

Fonte: Silva et al. (2020).

Além do sistema energético de referência (cenário RES), Silva et al. (2020) analisam vários outros cenários para entender como a disseminação de veículos elétricos e precificação de carbono podem contribuir para a descarbonização no RJ. Esses cenários são:

  1. PNE Alt: o próprio PNE analisa um cenário alternativo no qual a paridade de custo entre veículos elétricos e convencionais é alcançada mais cedo na década de 2040 (por volta de 2041). Para que esse cenário se concretize, o PNE afirma que arranjos legais e regulamentação robusta, incluindo a proibição de VCI, políticas públicas consistentes e incentivos financeiros significativos para a adoção da eletromobilidade, bem como investimentos privados substanciais e redução radical de custos no licenciamento de novos VEs, foram assumidos (EPE, 2018b).
  2. EV 2025 e EV 2030: esses cenários assumem que a paridade de custo entre VEs e VCIs no Brasil e, consequentemente, no Rio de Janeiro, ocorre mais cedo, em 2025 e 2030. Essa é a expectativa em mercados onde a adoção dos VEs está mais acelerada, como Europa e China (BNEF, 2020). Ou seja, assume-se que as políticas para adoção dos VEs que estão sendo implementadas nessas regiões também são implementadas no Brasil e, dessa forma, a paridade de custo ocorre mais cedo.
  3. EV 2035: este é um cenário intermediário no qual a paridade de custo entre VEs e VCIs ocorre em 2035.
  4. Cenários com precificação de carbono: todos os cinco cenários acima também foram simulados com um preço de carbono que começa em US$40/tCO2 em 2017 e aumenta gradualmente para US$100/tCO2 até o final do período de acordo com as recomendações em Stiglitz & Stern (2017). Esses valores de precificação de carbono estão alinhados com os objetivos do Acordo de Paris.

Resultados

Dentre os cenários acima, qual é mais eficaz em reduzir as emissões do setor de transportes de passageiros do estado do Rio de Janeiro ao menor custo? A análise de Silva et al. (2020) encontra que os cenários com precificação de carbono são mais eficazes para reduzir emissões, contudo, a custos são mais elevados, como mostrado na Tabela 3.

Tabela 3 – Resultados da otimização para o período 2016-2050

Fonte: Silva et al. (2020).

Uma maior adoção de veículos elétricos sem um preço de carbono, contudo, não tem efeito nas emissões globais porque o sistema de energia deve gerar eletricidade adicional exigida por este número crescente de VEs. Dadas as limitações na geração de eletricidade renovável no estado do RJ, essa demanda extra é suprida por fontes de geração que utilizam combustíveis fósseis. Dessa forma, expansão da capacidade de geração de eletricidade renovável, ou maior importação de outros estados brasileiros pelo SIN, contribuiria para reduzir as emissões dos VEs.

A Tabela 3 também traz outros resultados interessantes: dentre os cenários sem precificação de carbono, EV 2025 é o que incorre em menor custo para expansão e operação do sistema. Esse resultado se verifica devido a alguns fatores: veículos elétricos têm menor custo de operação e manutenção quando comparados a veículos convencionais, além de utilizarem menos combustível. Esses fatores contribuem para uma maior eficiência energética e de custos. Dentre os cenários com precificação de carbono, o mesmo resultado ocorre: quando VEs são adotados mais cedo, o custo total de operação e expansão do sistema é menor. Note-se que, nesses cenários, o consumo de eletricidade é mais elevado. Mesmo assim, os outros fatores mencionados contribuem para reduzir o custo total do sistema. O Gráfico 4 mostra a variação nos custos totais e no consumo de eletricidade por cenário.

Gráfico 4 – Variação nos custos totais (A) e demanda de eletricidade (B) para diferentes cenários de adoção de veículos elétricos no estado do Rio de Janeiro

Fonte: Silva et al. (2020).

O Gráfico 5 mostra a composição da frota de veículos para cenários e anos selecionados do período. Como pode-se ver no gráfico, VEs começam a substituir VCIs mesmo quando eles ainda são mais caros (por exemplo, no cenário RES, a paridade de custos só é atingida em 2049). Isso ocorre porque VEs são mais eficientes e têm menor custo de operação que VCIs. Assim, quando VCIs alcançam o fim da sua vida útil e precisam ser substituídos, a economia com combustível e manutenção compensa o elevado custo inicial de aquisição dos VEs. Outros fatores que afetam a decisão de escolha entre VEs e VCIs, como disponibilidade de infraestrutura de recarga, não estão representados no modelo. Esse resultado pode ser interpretado da seguinte forma: veículos elétricos são mais atrativos que veículos à combustão interna em um mundo no qual fatores monetários são as únicas restrições a afetar a escolha entre esses tipos de veículos. Dessa forma, quando essas barreiras forem transpostas, VEs se tornarão efetivamente a tecnologia veicular predominante.

Gráfico 5 – Frota de veículos leves de passageiros no estado do Rio de Janeiro – cenários e anos selecionados

Fonte: Silva et al. (2020).

O Gráfico 5 também mostra a participação de outras tecnologias veiculares na frota. Veículos que utilizam combustíveis fósseis (gasolina, gás natural, diesel) perdem sua participação gradualmente, principalmente em cenários com precificação de carbono. Veículos a etanol (que incluem uma parte de veículos flex) são mais adotados que as alternativas por serem mais eficientes em satisfazer a demanda de transporte em passageiro-quilômetro por unidade de energia consumida (mais eficientes em Gpkm/PJ).

Por fim, Silva et al. (2020) analisam cenários nos quais não há geração de eletricidade fóssil no Rio de Janeiro. Ou seja, toda a eletricidade provém de fontes renováveis e importações. Consequentemente, dada a limitada disponibilidade de renováveis no estado, menos veículos elétricos são adotados porque não há oferta suficiente para satisfazer ambas as demandas por eletricidade e mobilidade. Dessa forma, a expansão da capacidade renovável no Rio de Janeiro, ou no Brasil, são condições necessárias para que a descarbonização dos transportes possa ocorrer efetivamente.

Tabela 4 – Frota de VEs (milhões de carros) no período 2016-2019 em cenários com e sem centrais elétricas a combustível fóssil

Fonte: Silva et al. (2020).

Conclusão

Este artigo discutiu os resultados encontrados por Silva et al. (2020), que analisaram como reduzir as emissões do setor de transportes leves de passageiros no estado do Rio de Janeiro por meio da maior adoção de veículos elétricos e precificação de carbono. A utilização de um modelo de sistemas energéticos permite avaliar, de uma forma integrada, como a implementação dessas políticas afeta o setor energético como um todo. Tal análise integrada pode ser de grande valia para formuladores de políticas públicas pois permite avaliar impactos na totalidade do sistema. A maior adoção de veículos elétricos afeta não só o setor de transportes (tecnologias e combustíveis competitivos), mas também o setor elétrico. Um desenvolvimento e planejamento integrados possibilitam maior efetividade e menor desperdício de recursos.

Além disso, uma expansão da oferta de eletricidade renovável deve acompanhar a adoção de veículos elétricos para que uma efetiva redução das emissões ocorra. O Brasil já possui mais de 80% de geração de eletricidade renovável (EPE, 2020) e tem potencial para aumentar esse valor (EPE, 2018a), inclusive com o desenvolvimento de tecnologias ainda em sua infância no país – eólica e solar offshore e hidrogênio verde, por exemplo. O momento de transição energética mundial está contribuindo para a redução dos custos das tecnologias renováveis, o que é uma grande oportunidade para descarbonizar a matriz energética nacional.

Ademais, o Brasil precisa avançar na formulação e implementação de precificação de carbono a fim de garantir que os preços dos combustíveis nacionais reflitam as externalidades negativas que eles incorrem no meio-ambiente na sociedade. Para que a precificação de carbono seja menos regressiva possível, a receita do imposto de carbono pode ser restituída aos contribuintes, a exemplo da política adotada em British Columbia, Canadá, desde 2008 (Cecco, 2018). Outros exemplos focam na redistribuição da receita do imposto de carbono para apoiar políticas de redução da pobreza, educação, e diminuição de outros impostos (Papadis & Tsatsaronis, 2020). Além disso, a receita do imposto de carbono pode ser usada para apoiar futuras políticas de redução de emissões, como investimento em energias renováveis, tecnologias e edifícios de baixo carbono e infraestrutura de transição energética, como estações de carregamento de veículos elétricos.

Em suma, o Brasil precisa avançar na descarbonização da sua matriz energética, principalmente do setor de transportes, que é tão dependente em combustíveis fósseis. Temos poucos anos para agir a fim de tentar evitar os piores impactos causados pelas mudanças climáticas. A transição para uma economia de baixo carbono é necessária e urgente. Felizmente, já temos várias tecnologias disponíveis para iniciarmos o processo. Enquanto isso, outras tecnologias, como baterias estacionárias e para veículos elétricos, e captura e armazenamento de carbono, ganharão espaço e escala e se tornarão competitivas. O desafio é grande, mas as possibilidades e oportunidades também o são.

Notas

Este texto é baseado no artigo “Climate Change Mitigation Policies in the Transportation Sector in Rio de Janeiro, Brazil” (Silva et al., 2020), o primeiro capítulo da tese de doutorado da autora, que foi publicado no periódico Environments em novembro de 2020 e escrito em coautoria com seus orientadores Patrícia Baptista, Carlos Santos Silva e Luan Santos.

[1] Ou seja, não emitir gases causadores do efeito estufa (GEE) no consumo de energia e realização de outras atividades econômicas e humanas, ou balancear emissões com remoção de carbono.

[2] Passageiro-quilômetro é uma unidade de medida de transporte equivalente a 1 km percorrido por passageiro.

[3] Veículos flex foram modelados como uma fração de veículos a gasolina ou etanol. Centrais elétricas a diesel não são representadas no modelo por serem usadas como geradores de energia para autoconsumo e, portanto, não estão disponíveis para serem despachadas por um planejador central. Dessa forma, a inclusão dessas tecnologias no modelo poderia enviesar os resultados.

Referências

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Varian, H. R. (2010). Intermediate Microeconomics: A Modern Approach (8th ed.). New York, NY: W. W. Norton & Company.


Sugestão de citação: Silva, T. B. (2021). Contribuição de veículos elétricos e precificação de carbono na redução das emissões de veículos leves de passageiros no Estado do Rio de Janeiro. Ensaio Energético, 05 de março, 2021.

Tatiana Bruce da Silva

Economista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestre em Administração Pública pela University of Pennsylvania. Atualmente cursa doutorado em Sistemas Sustentáveis de Energia no Instituto Superior Técnico, na Universidade de Lisboa. Sua pesquisa engloba descarbonização e transição energética, com ênfase no setor de transportes.

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