Ensaio Energético

Inauguração da Rota 3: Impactos na oferta disponível e reinjeção de gás no Pré-sal

1.      Introdução

Após 10 anos do início do projeto da Rota 3 do Pré-sal, finalmente a Petrobras anunciou que a inauguração do gasoduto e a UPGN de Itaboraí (Gaslub) para o mês de setembro deste ano. As operações para pressurização do gasoduto já começaram e em breve esta infraestrutura deverá começar a trazer gás natural para o mercado nacional. O Gasoduto Rota 3 possui aproximadamente 355 km de extensão total, sendo 307 km referentes ao trecho marítimo, e uma capacidade de escoamento de aproximadamente 18 milhões de metros cúbicos por dia (MMm3/d), o que representa uma oferta líquida de cerca de 25% da demanda de gás firme no Brasil.

A expectativa inicial da Petrobras era que a Rota 3 estaria operando em 2020. Os atrasos no processo de licenciamento e, principalmente, na construção da UPGN adiaram o início da operação do duto em mais de 4 anos. Este atraso teve importantes implicações para o mercado de gás brasileiro, uma vez que criou um descompasso entre o andamento dos projetos de produção de óleo e gás e da infraestrutura do escoamento. Por esta razão, o país teve que reinjetar mais gás do que era esperado por falta de infraestrutura de escoamento e tratamento, ao mesmo tempo que aumentaram as importações de gás, em particular de GNL.

A inauguração da Rota 3 tem potencial de abrir um novo capítulo no mercado de gás brasileiro, com o aumento da oferta doméstica e a redução das importações. Mas qual poderá ser o impacto desta oferta adicional sobre a reinjeção no Pré-sal e no mercado doméstico de gás? O objetivo desse artigo é responder a estas perguntas por meio de uma análise detalhada da característica das infraestruturas de produção e escoamento de gás do Pré-sal, e em particular, da Rota 3. Para isto, este artigo está divido em 5 seções, além desta introdução. A Seção 2 apresenta o contexto atual da produção de gás no Pré-sal com Rota 1 e 2. A Seção 3 mostra as características do projeto da Rota 3. A Seção 4 expõe as perspectivas para a oferta e reinjeção de gás natural no Pré-sal com a entrada em operação da Rota 3. Por fim, a seção 5 apresenta os impactos líquidos do projeto da Rota 3 na oferta de gás do Brasil, destacando sua utilização para a substituição do gás boliviano.

 

2.      Contexto atual da produção de gás no Pré-sal com Rota 1 e 2

A produção bruta de gás natural do Pré-sal vem crescendo consideravelmente ao longo dos últimos anos. O Gráfico 1 mostra que a produção bruta de gás do Pré-sal saltou de 5 milhões de metros cúbicos por dia (MMm3/d) em 2013 para 111 MMm3/d em 2024 (média de janeiro a julho). Apesar desse rápido crescimento, a quantidade disponibilizada ao mercado está estagnada desde 2019, girando em torno de 25 MMm3/d. Isso é reflexo de restrições de capacidade de escoamento que implicam em uma elevada reinjeção de gás natural. Ou seja, a reinjeção de gás do Pré-sal tem acompanhado o ritmo de crescimento da produção bruta. Entre janeiro e julho de 2024, foi reinjetado, em média, 73 MMm3/d de gás natural no Pré-sal, frente a uma reinjeção de 33 MMm3/d em 2019. O consumo nas plataformas (i.e., consumo no setor de Exploração e Produção – E&P) e a queima do gás também vem crescendo no Pré-sal, dado o aumento do número de plataformas em produção. Atualmente, o consumo de E&P está na casa dos 10 MMm3/d, enquanto a queima é de cerca de 3 MMm3/d.

 

Gráfico 1 – Evolução da produção bruta de gás natural do Pré-sal de Santos

Nota: O valor do ano de 2024 refere-se a média entre janeiro e julho.

Fonte: Elaboração própria dos autores com dados da ANP (2024).

 

A atual tendência de aumento da reinjeção do gás, em combinação com uma disponibilização estagnada, é explicada pela limitação de infraestrutura de escoamento do Pré-sal. Atualmente, o Pré-sal conta com duas rotas de escoamento, Rota 1 e Rota 2. Segundo a Petrobras (2024), a Rota 2 tem capacidade de escoamento de 16 MMm3/d[1], enquanto a Rota 1 (trecho Tupi Mexilhão) tem capacidade de 10 MMm3/d. Ou seja, até a entrada em operação da Rota 3, a capacidade de escoamento de gás natural do Pré-sal foi limitada a 26 MMm3/d. A Rota 1 escoa o gás do Pré-sal em direção a UPGN de Caraguatatuba (em conjunto com os campos de Mexilhão, Uruguá e Tambaú), ao passo que a Rota 2 escoa o gás em direção a UPGN de Cabiúnas.

Dada a volumosa produção bruta de gás natural, a infraestrutura de escoamento do Pré-sal (Rotas 1 e 2) vem sendo utilizada em plena capacidade. O Gráfico 2 apresenta a evolução da taxa de utilização dessas infraestruturas. Entre 2022 e 2024, a taxa média de utilização das infraestruturas de escoamento do Pré-sal foi de 97%. Ressalta-se que a redução da taxa de utilização nos anos de 2020 e 2021 é explicada pelos efeitos da Pandemia do Covid-19. Portanto, somente com as Rotas 1 e 2 em operação, não existe margem para aumentar a disponibilização do gás natural do Pré-sal. Assim, neste período, todo aumento da produção bruta de gás natural teve que ser acompanhada de um aumento na reinjeção, dada a limitação da capacidade de escoamento do Pré-sal.

 

Gráfico 2 – Taxa de utilização das infraestruturas de escoamento do Pré-sal

Nota: O valor do ano de 2024 refere-se a média entre janeiro e julho. Taxa de utilização calculada através da divisão da produção disponível do Pré-sal da bacia de Santos, pela capacidade de escoamento das Rotas 1 e 2 (26 MMm3/d).

Fonte: Elaboração própria dos autores com dados da ANP (2024).

 

Cabe ressaltar que existe uma restrição na quantidade de gás natural do Pré-sal que pode ser escoado pela Rota 1, que surge da capacidade limitada da UPGN de Caraguatatuba de separar etano, propano e butano (Rocha et al., 2023). Essa característica dificulta o cumprimento da especificação do gás, em especial, dos teores mínimo de 85% metano e o máximo de 12% etano estabelecidos na Resolução ANP nº 16/2008. Estudos sugerem que o declínio da produção de gás natural do sistema Mexilhão para cerca de 1,5 MMm3/d[2] em 2032 restringirá o escamento de gás do Pré-sal através da Rota 1 em 2,3 MMm3/d caso seja mantida a especificação da Resolução ANP nº 16/2008 (Rocha et al., 2023).

Ressalte-se que essa restrição já é uma realidade atualmente, uma vez que, desde 2021, o teor de metano no gás seco que saí da UPGN de Caraguatatuba está abaixo do teor mínimo de 85% estabelecido na Resolução ANP nº 16/2008 (Rocha et al., 2023). Isso somente foi possibilitado pela Autorização ANP nº 836/2020 que permitiu, em caráter especial, a redução teor mínimo de metano de 85% para 80% na UPGN de Caraguatatuba (ANP, 2020), superando temporariamente a restrição de escoamento da Rota 1. A ANP vem estudando o tema, lançando a Consulta Prévia nº 2/2023 e divulgando o relatório preliminar da Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre a revisão da Resolução ANP nº 16/2008 (ANP, 2022). Em setembro de 2024, a ANP também aprovou a consulta pública sobre esse tema.

Embora exista uma limitação na capacidade de escoamento do gás do Pré-sal, o que resulta em uma plena utilização das Rotas 1 e 2, nos últimos dois anos novos campos começaram a disponibilizar gás natural. Especificamente, em maio de 2023 os campos de Sépia e Sépia Leste iniciaram o escoamento de gás natural. Em março de 2024, foi a vez dos campos de Sururu e Berbigão. O Gráfico 3 mostra a produção disponível por campo produtor do Pré-sal. É possível notar que a entrada desses novos campos na disponibilização de gás natural somente foi possibilitada pela redução do escoamento dos campos de Tupi e Sapinhoá, principais responsáveis pelo gás disponibilizado no Pré-sal. Essa redução é reflexo do início do declínio da produção desses campos (ver Gráfico 4). Ou seja, até a entrada em operação do gasoduto da Rota 3, não existia espaço para aumento da disponibilização do gás natural do Pré-sal.

 

Gráfico 3 – Produção disponível do Pré-sal da bacia de Santos por campo

Notas: 1. O valor do ano de 2024 refere-se a média entre janeiro e julho. 2. Os campos incluem seus arredores (por exemplo, Sul, Sudoeste, Noroeste, Nordeste e Leste).

Fonte: Elaboração própria dos autores com dados da ANP (2024).

 

3.      Características da Rota 3

A infraestrutura da Rota 3 é composta pelo gasoduto de escoamento e pela UPGN Gaslub, que terá dois módulos de processamento de gás natural. Cada um desses módulos terá a mesma capacidade de 10,5 MMm3/d. Devido ao cronograma de obras e comissionamento, apenas o módulo 1 está pronto para operação no momento. Já o duto tem uma capacidade de escoamento de 17,8 MMm3/d.

Ressalta-se que a Petrobras já possui as autorizações necessárias da ANP para operação do projeto da Rota 3 (módulo 1). No dia 10 de agosto de 2024, a ANP concedeu autorização à Petrobras para as unidades auxiliares dessa UPGN (Autorização ANP nº 463/2024). Em 30 de agosto, a ANP autorizou a operação do duto de escoamento da Rota 3 (Autorização SDP-ANP nº 508/2024). E, em 5 de setembro, concedeu autorização à Petrobras para operação do módulo 1 da UPGN Gaslub.

Embora exista uma ligação física entre as três rotas de escoamento do Pré-sal, a Rota 3 foi planejada para escoar, principalmente, gás natural do campo de Búzios. Esse campo deverá ganhar mais 6 plataformas até 2027, ficando com um total de 11 plataformas (Petrobras, 2023). Destas 6 plataformas, duas (Búzios 6 e Búzios 8) estão programadas para disponibilizar gás natural (Leone, 2023). Essas novas plataformas terão uma capacidade de produção de gás natural de 7 MMm3/d cada uma. Dessa forma, a capacidade total de produção das plataformas previstas para escoar gás natural no campo de Búzios (Petrobras 74, Petrobras 75, Petrobras 76, Petrobras 77 e FPSO Almirante Barroso, Búzios 6 e Búzios 8) será de 48 MMm3/d.

 

4.      Oferta e reinjeção de gás natural no Pré-sal com a entrada em operação da Rota 3

Com a entrada em operação da Rota 3 e da UPGN Gaslub, espera-se que a disponibilização de gás natural do Pré-sal aumente consideravelmente. Assumindo uma taxa de utilização de 95% da Rota 3 e uma redução de volume na saída da UPGN Gaslub de 15%[3], devido a separação dos Líquidos de Gás Natural (LGN), o projeto da Rota 3 resultará em uma injeção adicional de gás natural no sistema de transporte de gás de 14,4 MMm3/d. Comparado com os valores atuais, isso equivale a um adicional de cerca de 25% na oferta firme[4] ao transporte na malha interligada.

No entanto, a entrada em operação do projeto da Rota 3 no mês de setembro não deve trazer imediatamente esse volume adicional de gás ao mercado, por dois motivos. Primeiro, o projeto da Rota 3 será inaugurado somente com a operação do módulo 1 da UPGN Gaslub. Como esse módulo possui capacidade de processamento de 10,5 MMm3/d, a oferta adicional de gás natural ao transporte proporcionado pela inauguração do projeto da Rota 3 estará limitada em 8,9 MMm3/d (assumindo uma taxa de absorção de LGN de 15%). A data de inauguração do módulo 2 ainda não foi divulgada pela Petrobras. Segundo, as duas novas plataformas (Búzios 6 e Búzios 8) previstas para compor o conjunto de plataformas que irão disponibilizar gás natural no campo de Búzios somente estão planejadas para serem instaladas em 2025 (Búzios 6) e 2026 (Búzios 8).

O escoamento adicional de 8,9 MMm3/d de gás natural ao mercado implicará numa mudança importante no padrão de reinjeção do campo de Búzios. As plataformas em operação atualmente (Petrobras 74, Petrobras 75, Petrobras 76, Petrobras 77 e FPSO Almirante Barroso) têm uma capacidade total de produção de gás natural de 34 MMm3/d. Assumindo uma taxa de utilização dessas plataformas de 95%, é possível calcular que, para utilizar o módulo 1 da UPGN Gaslub em plena capacidade, é necessário que essas plataformas disponibilizem aproximadamente 33% de sua produção de gás natural. Em outras palavras, assumindo uma taxa de queima e consumo de 10%, a reinjeção de gás natural dessas plataformas deverá ser de, no máximo, 57%. Como forma de comparação, entre janeiro e julho de 2024, essas plataformas disponibilizaram 15% da sua produção de gás através das Rotas 1 e 2, reinjetado 75% e queimando e consumindo os 10% restantes. Portanto, a plena utilização do módulo 1 da UPGN Gaslub irá requerer que o campo de Búzios mais do que dobre sua taxa de disponibilização com a inauguração do projeto da Rota 3.

Cabe destacar que o mesmo cálculo pode ser feito para estimar a taxa de disponibilização do gás natural do campo de Búzios necessária para utilizar o projeto da Rota 3 em plena capacidade, quando o módulo 2 da UPGN Gaslub for inaugurada e as duas novas plataformas entrarem em operação. Utilizando as mesmas premissas, é possível estimar que essa taxa deverá ser de aproximadamente 40% nas plataformas previstas para escoar gás no campo de Búzios. Consequentemente, sua taxa de reinjeção deverá ser de no máximo 50%, dado uma taxa de queima e consumo de 10%. Destaca-se que essa taxa de disponibilização de 40% é similar as taxas verificadas nos campos de Tupi e Sapinhoá (cerca de 45% nos últimos 3 anos).

A inauguração do projeto da Rota 3 também possibilitara que novos campos do Pré-sal, para além de Tupi, Sapinhoá e Búzios, disponibilizem gás natural. Nossos cálculos demostraram que se as plataformas do campo de Búzios previstas para escoar gás tiveram taxa de disponibilizações similares a de Tupi e Sapinhoá, a produção disponível do campo de Búzios teria o mesmo volume da Rota 3. Dessa maneira, o volume atual de 4,3 MMm3/d escoado pelo campo de Búzios (ver Gráfico 3) não ocupará mais a capacidade das Rotas 1 e 2.[5] Isso irá liberar espaço para que novos campos escoem gás natural, tais como Sépia, Berbigão, Sururu, Atapu e Itapu. Além disso, a provável redução do escoamento de gás natural dos campos de Tupi e Sapinhoá devido ao declínio desses campos, liberará ainda mais espaço (ver Gráfico 4).

 

Gráfico 4 – Produção de óleo e de gás natural de campos selecionados

Nota: 1) Gás natural refere-se à produção bruta. 2) Os campos incluem seus arredores (por exemplo, Sul, Sudoeste, Noroeste, Nordeste e Leste).

Fonte: Elaboração própria dos autores com dados da ANP (2024).

 

Assumindo que o campo de Búzios irá escoar o mesmo volume da capacidade da Rota 3 e mantendo os volumes escoados por Tupi e Sépia na mesma magnitude de 2024 (20 MMm3/d), se faz necessários que novos campos escoem cerca de 6 MMm3/d para que as Rotas 1, 2 e 3 sejam utilizadas em plena capacidade. Tomando como base a produção bruta de gás, em 2024, de Sépia, Berbigão, Sururu, Atapu e Itapu, equivalente a 17,3 MMm3/d, a taxa média de disponibilização desses campos deverá ser de 35% para que eles escoem cerca de 6 MMm3/d. Ressalta-se que, com o declínio de Tupi e Sapinhoá, essa taxa deverá ser ainda maior.

 

5.      O impacto líquido da Rota 3 na oferta firme de gás natural da malha interligada

O aumento da oferta de gás a partir da Rota 3 vai contribuir para reduzir a dependência do país de importações de gás. No curto prazo, a maior oferta de gás doméstico permitirá a Petrobras reduzir as importações GNL, que é tipicamente comprado no mercado spot e cujo preço tende a ficar acima do gás importado da Bolívia. A médio prazo, permitirá compensar a queda das importações bolivianas, consequência da redução da produção boliviana.

Ainda não será com a Rota 3 que o país deixará de ser importador de gás. As importações de GNL ainda serão necessárias para atender as termelétricas flexíveis. Entre 2020 e 2023 as importações de GNL variaram entre 1,5 e 25 MMm³/dia de acordo com a variação do despacho termelétrico. No mesmo período, as importações da Bolívia caíram de 18 MMm³/dia para 15,4 MMm³/dia. A Rota 3 tem potencial para uma oferta semelhante ao que foi importado da Bolívia em 2023. Entretanto, a oferta líquida de gás para a sistema de transporte interligado fora da área do Pré-sal deve cair nos próximos anos, até a entrada do projeto Raia e do projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP). Isto significa que mesmo com a Rota 3 em plena operação, o país ainda terá que importar gás firme para fechar o balanço de gás.

O Gráfico 5 mostra a evolução da importação de gás boliviano por meio do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol). É possível notar que as importações de gás boliviano vêm se reduzindo rapidamente ao longo dos últimos anos. Enquanto no início da década de 2010 o Brasil importava cerca de 30 MMm3/d de gás natural por meio do Gasbol, em 2024 vem importando aproximadamente 14 MMm3/d.

 

Gráfico 5 – Evolução da importação de gás boliviano por meio do Gasbol

Nota: O ano de 2024 refere-se a média entre janeiro e julho.

Fonte: Elaboração própria dos autores com dados do MME (2024) e TBG (2024)

 

Essa redução das importações através do Gasbol é reflexo do declínio da produção de gás natural da Bolívia. A produção boliviana atingiu um pico de 62,6 MMm3/d em meados de 2014, mas, no primeiro semestre de 2024, foi, em média, de 34 MMm3/d. Cabe destacar que o declínio da produção de gás natural da Bolívia, que já vinha ocorrendo desde meados da década de 2010, se agravou nos dois e meio últimos anos. De janeiro de 2022 a junho de 2024, essa produção diminui, em média, 0,9% ao mês.

As exportações de gás natural da Bolívia devem se reduzir significativamente ao longo dos próximos anos, em função do declínio dos campos em produção atualmente. Como já demostrado em outro artigo (Rocha et al., 2023a), no início da próxima década, a Bolívia não deverá ter excedente significativo para exportar gás natural. Mais do que isso, a Bolívia poderá se tornar um importador líquido de gás natural na década de 2030. Portanto, a tendencia de redução das importações de gás boliviano deverá se manter ao longo dos próximos. Assim, muito provavelmente, o Brasil não poderá contar mais no médio prazo com uma oferta firme de gás natural da Bolívia chegando através do Gasbol.

De toda forma, a redução importante no nível de dependência das importações é uma boa notícia para os consumidores. O gás da Rota 3 é um gás associado ao petróleo e precisa de um mercado firme e estável. Mesmo que haja uma troca parcial de oferta boliviana por gás da Rota 3, a Petrobras estará trocando um gás não associado por um gás associado e inflexível.  O imperativo de colocar o gás da Rota 3 no mercado para não atrapalhar a produção de petróleo resulta em mais poder de mercado para os consumidores. Ademais, o mercado tende a evoluir para um contexto com maior competição de diferentes fontes de gás e entre diferentes produtores e mesmo importadores.

 

6.      Conclusão

Este artigo apontou que a inauguração da Rota 3 tem o potencial de abrir um novo capítulo no mercado de gás brasileiro, com o aumento da oferta doméstica e a redução das importações. Após 10 anos do início do projeto da Rota 3 do Pré-sal, a Petrobras terá oportunidade de reduzir significativamente a reinjeção de gás e aumentar a oferta líquida de gás ao mercado. A Rota 3 poderá disponibilizar uma oferta líquida adicional equivalente a cerca de 25% da atual demanda de gás firme.

A análise realizada neste artigo mostrou que a plena utilização do módulo 1 da UPGN Gaslub irá requerer que o campo de Búzios mais do que dobre sua taxa de disponibilização de gás ao mercado. Para utilizar a Rota 3 em plena capacidade, quando o módulo 2 da UPGN Gaslub for inaugurada e as duas novas plataformas de Búzios entrarem em operação, a taxa de oferta de gás ao mercado deverá atingir o patamar de 40% nas plataformas previstas para escoar gás no campo de Búzios. Ou seja, o mesmo nível das taxas verificadas nos campos de Tupi e Sapinhoá (cerca de 45% nos últimos 3 anos).

O aumento da oferta de gás a partir da Rota 3 vai contribuir para reduzir a dependência do país de importações de gás. No curto prazo, a maior oferta de gás doméstico permitirá a Petrobras reduzir as importações GNL. A médio prazo, permitirá compensar a queda das importações bolivianas, consequência da redução da produção bolivianas. Este artigo mostrou ainda que a entrada da Rota 3 em operação vai implicar em um maior nível de competição no mercado e mais poder de mercado para os consumidores.

 

7.      Referências

ANP. (2019). Autorização no 468, de 28 de junho de 2019. https://atosoficiais.com.br/anp/autorizacao-n-468-2019?origin=instituicao

ANP. (2020). Autorização ANP no 836, de 25 de novembro de 2020.- DOU 25 de novembro de 2020. https://atosoficiais.com.br/anp/autorizacao-n-836-2020?origin=instituicao

ANP. (2022). Especificação dos hidrocarbonetos do gás natural [Relatório Preliminar de Análise de Impacto Regulatório (AIR)]. https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/consultas-e-audiencias-publicas/consulta-previa/2023/consulta-previa-2-2023

ANP. (2023). Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2023 [Dataset]. https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/anuario-estatistico/anuario-estatistico-2023

ANP. (2024). Painel Dinâmico de Produção de Petróleo e Gás Natural [Dataset]. https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/paineis-dinamicos-da-anp/paineis-dinamicos-sobre-exploracao-e-producao-de-petroleo-e-gas/paineis-dinamicos-de-producao-de-petroleo-e-gas-natural

Leone, R. (2023). Desafios na Monetização do Gás Natural (Participação Social no GT-GE) [Reuniões Públicas]. https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/petroleo-gas-natural-e-biocombustiveis/gas-para-empregar/participacao-social-no-gt-ge/apresentacao-de-contribuicoes-em-evento-promovido-pelo-gt-ge/reunioes-publicas

MME. (2024). Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de Gás Natural [Dataset]. https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/petroleo-gas-natural-e-biocombustiveis/publicacoes-1/boletim-mensal-de-acompanhamento-da-industria-de-gas-natural/boletim-mensal-de-acompanhamento-da-industria-de-gas-natural

Petrobras. (2023). Plano Estratégico 2024-2028+. https://petrobras.com.br/quem-somos/estrategia

Petrobras. (2024). Oferta de Escoamento de Gás Natural. Petrobras. https://petrobras.com.br/negocios/oferta-escoamento-de-gas

Rocha, F. F. da, Almeida, E. de, & Fernández, E. F. y. (2023). Restrição da capacidade de escoamento do gás do Pré-sal através da Rota 1 e a especificação do gás natural. Ensaio Energético. https://ensaioenergetico.com.br/restricao-da-capacidade-de-escoamento-do-gas-do-pre-sal-atraves-da-rota-1-e-a-especificacao-do-gas-natural/

Rocha, F. F. da, Almeida, E. de, & Fernández, E. F. y. (2023a). O GASBOL ficará vazio? Uma análise dos impactos no fornecimento à TBG ocasionados pela mudança do perfil da oferta de gás natural. Ensaio Energético. https://ensaioenergetico.com.br/o-gasbol-ficara-vazio-uma-analise-dos-impactos-no-fornecimento-a-tbg-ocasionados-pela-mudanca-do-perfil-da-oferta-de-gas-natural/

TBG. (2024). Quantidades programadas e realizadas de gás nos pontos de recepção e entrega [Dataset]. https://www.tbg.com.br/informacoes-a-anp

 

Notas

[1] Segundo a Autorização da ANP nº 468, de 28 de junho de 2019, a Rota 2 tem autorização de escoamento de 20 MMm3/d (ANP, 2019).

[2] Ao longo dos últimos anos, a restrição ao escoamento de gás do Pré-sal através da Rota 1 foi superado através da mistura do gás natural do Pré-sal com o gás natural do sistema Mexilhão. O gás natural do Pré-sal apresenta um baixo teor metano e um alto teor de etano e hidrocarbonetos mais pesados (C2+). Por outro lado, o gás natural do sistema Mexilhão apresenta uma especificação com alto teor de metano e baixo teor de C2+, exatamente a especificação oposta do gás natural do Pré-sal.

[3] O valor de 15% corresponde a taxa média entre 2018 e 2022 de perda com absorção de LGN na UPGN de Cabiúnas (ANP, 2023), uma vez que a UPGN Gaslub terá tecnologia de separação de LGN similar à UPGN de Cabiúnas.

[4] Exclui a oferta de gás natural proveniente dos terminais de regaseificação de GNL.

[5] Ressalta-se que as 3 Rotas são interligadas e que o gás de Búzios poderia ser escoado por qualquer uma das rotas. O importante aqui é a capacidade total de escoamento das 3 Rotas. Caso outros campos escoem pela Rota 3, o gás natural do campo de Búzios pode ser escoado pelas outras rotas, e vice-e-versa.

 

Sugestão de citação: Almeida, E., Rocha, F. F. (2024). Inauguração da Rota 3: Impactos na oferta disponível e reinjeção de gás no Pré-sal. Ensaio Energético, 10 de setembro, 2024.

Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. É professor e pesquisador do Instituto de Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) e Presidente eleito da Associação Internacional de Economia da Energia - IAEE. Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Grenoble na França.

Autor do Ensaio Energético. Doutor, Mestre e Bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Consultor sobre o mercado de gás natural e biometano na Prysma E&T Consultores.

Gostou do artigo? Compartilhe

Deixe um comentário

Se inscrever
Notificar de
guest

1 Comentário
Mais antigas
O mais novo Mais Votados
Comentários em linha
Exibir todos os comentários
Vinícius Quintão
Vinícius Quintão
8 dias atrás

Boa tarde, no trecho do texto abaixo do gráfico 2 “Essa característica dificulta o cumprimento da especificação do gás, em especial, dos teores máximo de 85% metano e o mínimo de 12% etano estabelecidos na Resolução ANP nº 16/2008.”,
As palavras máximo e mínimo estão trocadas ?

Receba nosso conteúdo por e-mail!

Artigos recentes

Temas

Mídia Social