Ensaio Energético

Uma breve análise dos Subsídios presentes na Tarifa de Eletricidade Brasileira

Introdução

Quando o assunto é geração de eletricidade limpa e barata, o Brasil é historicamente um destaque mundial. Graças a seu enorme potencial hidráulico, em 1970 as hidrelétricas respondiam por cerca de 87% da oferta interna de energia elétrica, valor que chegou a 92,6% em 1980, 82,9% em 1990 e 77,4% em 2000 (EPE, 2006). A grande dependência da matriz elétrica brasileira à geração hidráulica e o fato deste tipo de geração estar sujeita à variação das chuvas culminou com a crise de abastecimento de 2001 e, consequentemente, com a estratégia do governo brasileiro em incentivar a diversificação da matriz elétrica tendo como pilares a segurança energética, a modicidade tarifária e a universalização do atendimento. Se no início dos anos 2000 a diversificação da matriz ocorreu principalmente por meio do crescimento da geração termoelétrica, a partir da década de 2010 a diversificação foi fortemente influenciada pela energia eólica e, mais recentemente, pela energia solar fotovoltaica (FV). Esse processo fez com que em 2023 a matriz elétrica brasileira tivesse a participação de 58,9% de hidrelétricas, 13,2% de eólica, 7% de solar e 19,2% de térmicas (sendo 42,6% movidas a biomassa e 28,4% a gás natural) (EPE, 2024).

O grande potencial hidráulico, eólico, solar e de produção de biomassa e de gás natural permitiu o Brasil alcançar a atual matriz elétrica. Além disso, o potencial ainda inexplorado dessas fontes será primordial para que o país mantenha o alto índice de participação das fontes renováveis em sua matriz elétrica, que em 2023 foi de 89,2% (EPE, 2024). Para se ter uma ideia, o Brasil terminou 2023 com cerca 30,4 GW de potência eólica instalada (6º colocado mundial), sendo que seu potencial eólico estimado é atualmente de 697 GW offshore e 522 GW de onshore (GWEC, 2024; EPE, 2020; Pereira, 2016). Parafraseando Jorge Ben Jor, o Brasil é um país abençoado por Deus e bonito por natureza.

Durante muitos anos, a energia hidrelétrica foi de longe a mais competitiva em termos de preço. A partir de 2010, passamos a observar ganhos elevados de produtividade das fontes solar e eólica, muito por conta de inovações tecnológicas que baratearam e tornaram mais eficientes as placas FV e os aerogeradores. Diante desse cenário, é de se imaginar que o Brasil tenha uma das menores tarifas de eletricidade do Mundo e que o futuro seja promissor. Bom, podemos dizer que o futuro é promissor, mas a tarifa de eletricidade no Brasil está longe de ser baixa, sendo um dos motivos os subsídios bancados pela tarifa.

Diante do contexto apresentado, esse artigo tem como objetivos apresentar a composição da tarifa de eletricidade no Brasil e analisar os subsídios inseridos na tarifa.

 

Tarifa de Eletricidade

Em 2023, os principais setores em termos de consumo de eletricidade no Brasil foram o setor industrial (36,4%), o setor residencial (27,5%) e o setor comercial (16,9%), que juntos demandaram cerca de 81% da eletricidade do país (EPE, 2024). A demanda por eletricidade pode se dar via mercado regulado (consumidores cativos) ou via mercado livre. Atualmente, o mercado livre responde por 37% e o mercado regulado por 63% do consumo de eletricidade no Brasil (CCEE, 2024). Assim sendo, neste artigo utilizaremos como base de análise a tarifa do mercado regulado.

A Tarifa de Eletricidade é composta pelos custos de geração, transmissão e distribuição, além dos encargos setoriais. Além da tarifa, os governos federal, estadual e municipal cobram impostos sobre a conta de luz, quais sejam, PIS/COFINS, ICMS e Contribuição para Iluminação Pública (ANEEL, 2022). Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2023 o custo da eletricidade no mercado regulado foi composto por 27,9% do custo de geração, 21,2% do custo de distribuição, 6,5% do custo de transmissão, 13,4% de encargos e 30,7% de impostos (Abreu, 2024). Ou seja, os encargos setoriais e os impostos representaram 44,1% da tarifa de eletricidade no Brasil em 2023. Não é à toa que o Brasil é conhecido como o país da eletricidade barata e da tarifa cara. Um levantamento realizado pela ABRACE (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) com dados de 2022 mostrou que o Brasil apresentava o maior custo de energia elétrica residencial em relação à renda per capita entre 34 países da OCDE (Casarin, 2023).

Os encargos setoriais são cobrados para custear políticas públicas e subsídios a diversos setores da sociedade e da economia (MME, 2023).  O principal encargo setorial é a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), cujos recursos são destinados para custear, por exemplo, a Universalização do serviço de energia elétrica, a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) e a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), esta última voltada para ajudar os sistemas isolados. Podemos citar ainda outros encargos setoriais, como o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), o Encargo do Serviço de Energia (ESS) e Encargo do Serviço de Energia de Reserva (EER), a Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica (TFSEE), a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e Eficiência Energética (EE), a Reserva Global de Reversão (RGR) e a Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH).

Fato é que os subsídios concedidos através da tarifa de eletricidade estão inseridos nos Encargos setoriais. Analisaremos agora tais subsídios.

 

Subsídios presentes no Setor Elétrico Brasileiro

A ANEEL (2024) separa os subsídios presentes no setor elétrico da seguinte forma:

  • Universalização: recursos destinados à universalização do acesso à eletricidade. Compreende o Programa luz para todos criado em 2003;
  • Tarifa Social: recursos destinados para bancar desconto na tarifa de eletricidade das unidades enquadradas como de baixa renda;
  • Rural: É o desconto para consumidores classificados na classe Rural;
  • Irrigação e Agricultura: Refere-se ao desconto concedido para os grupos de consumidores do setor primário;
  • Geração Distribuída: benefícios tarifários concedidos aos consumidores que utilizam energia por meio do sistema de compensação definido nos termos da Lei nº 14.300/2022;
  • Fonte Incentivada: É o resultado da redução da tarifa paga pelos geradores e pelos consumidores que adquirem energia oriundas de geração de pequenas centrais hidrelétricas, solar, eólica, biomassa e cogeração;
  • Distribuidora de Pequeno Porte: repasse de verba às concessionárias de distribuição cujo mercado anual é menor que 350 GWh;
  • Conta Consumo de Combustíveis (CCC): Visa subsidiar os custos da geração de energia em sistemas isolados (aquelas não conectados ao Sistema Interligado Nacional);
  • Carvão e Óleo Combustível: promover a competitividade de energia produzida a partir da fonte carvão mineral nacional e de óleo combustível nas áreas atendidas pelos sistemas interligados, destinando-se à cobertura do custo de combustível de empreendimentos termelétricos;
  • Água, Esgoto e Saneamento: É o desconto para consumidores classificados na classe Serviço Público de Água, Esgoto e Saneamento.

A tabela 1 apresenta a evolução dos subsídios nos últimos anos.

 

Tabela 1: Valor dos Subsídios no setor de energia elétrica no Brasil entre 2020 e 2023

Fonte: ANEEL (2024). Elaboração própria.

*Valores até 30/11/2024.

 

A tabela 1 mostra que entre 2020 e 2023 os subsídios aumentaram em 71,5%, saindo de R$23,5 bilhões para R$ 40,3 bilhões. Até novembro de 2024, os subsídios já alcançaram o valor de R$ 37,1 bilhões e, portanto, tem tudo para ficar próximo ao patamar de 2023. Tal crescimento acelerado impacta diretamente a tarifa de eletricidade.

Outro ponto que podemos verificar através dos dados da tabela 1 é que entre 2020 e 2023 houve um aumento significativo nos valores destinados às Fontes Incentivadas, saindo de um patamar já elevado em 2020 de R$ 4,8 bilhões para R$ 10,8 bilhões em 2023. Tal crescimento decorreu do aumento da instalação de fontes renováveis nos últimos anos, com destaque para as fontes solar e eólica, esta última que bateu recordes de potência instalada em 2022 e 2023. No entanto, é preciso destacar que os subsídios para FRE são importantes quando estas estão em um patamar tecnológico inicial e ainda não ganharam competitividade, o que definitivamente não é o caso atual das fontes solar e eólica.

A Geração Distribuída (GD) é a área cujo crescimento dos subsídios chega a ser assustador. Os subsídios para a GD saíram de um valor de R$ 454 milhões em 2020 para R$ 7,1 bilhões em 2023 e R$ 9,5 bilhões em 2024 (sendo que ainda falta um mês para terminar o ano de 2024). Conforme destacado em artigo publicado no Ensaio Energético de 2023 (“O setor de energia elétrica e o desenvolvimento sustentável: o caso da Geração Distribuída no Brasil), a tendência é que o valor dos subsídios destinados à GD continue crescendo aceleradamente caso a legislação não se modifique. Não é à toa que os subsídios para a GD no ano de 2024, mesmo ainda faltando 1 mês para seu fim, já apresenta um crescimento de 33% frente a 2023. Para piorar a situação, o subsídio à GD é utilizado majoritariamente por Unidades Consumidoras de maior renda, ajuda uma tecnologia já competitiva no mercado (a solar FV) e tem causado a queda de contratação da fonte eólica, o que faz com que estejamos incentivando uma fonte cujos equipamentos são importados em detrimento de outra cujos equipamentos são de alto valor agregado e majoritariamente produzidos no Brasil (como abordado no artigo “A Cadeia Produtiva do Aerogerador e o risco de desmantelamento” publicado neste ano no Ensaio Energético).

Os valores destinados às áreas rural e de água, esgoto e saneamento foram zeradas em 2024. Além disso, permanecem relativamente baixos os subsídios para as distribuidoras de pequeno porte, para a universalização (o que não é bom, pois retarda a chegada deste serviço para comunidades carentes) e para a produção de eletricidade proveniente de carvão e óleo combustível (o que aparentemente parece ser um bom sinal, mas dado que se trata de uma fonte fóssil e cara, esta não deveria existir).

Quanto à tarifa social, a melhora da atividade econômica desde 2023, que resultou em crescimento econômico e geração de empregos, tende a travar os subsídios destinados à esta área, o que é um bom resultado. Outro bom resultado é a queda no valor destinado à CCC em 2023 e, possivelmente, em 2024. Como mostra o Portal de Acompanhamento de Sistemas Isolados (PASI) da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em 2023 cerca de 3 milhões de pessoas viviam em sistemas isolados e de 2022 para 2023 houve uma queda na demanda total de energia nos sistemas isolados, o que também tende a ocorrer de 2023 para 2024. Destaca-se que a redução da demanda nos sistemas isolados é impactada não só pela variação da demanda das unidades consumidoras presentes na localidade, mas também por investimentos em linhas de transmissão de modo a interligar alguns sistemas isolados ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Apresentada a análise, apesar dos subsídios se reduzirem em algumas contas e estarem constante em outras, vemos dois pontos de maior destaque: o crescimento elevado do valor total dos subsídios e o crescimento desenfreado dos subsídios à GD. Além disso, há uma apreensão em relação ao Projeto de Lei nº 576/2021 que trata do marco legal da eólica offshore, pois foram inseridas medidas que ampliam os subsídios do setor elétrico (os famosos “jabutis”), como: a garantia de prazo adicional de 36 meses para donos de projetos energia renovável acessarem subsídios com prazo de acesso esgotado; a ampliação de benefícios criticados desde a aprovação da lei de privatização da Eletrobras, que impuseram a contratação de termelétricas e Pequenas Centrais hidrelétricas (PCHs); a prorrogação do prazo de operação de térmicas a carvão até 2050; e a ampliação de subsídios oferecidos a projetos de GD por mais dois anos. Estima-se que os consumidores seriam onerados em R$ 25 bilhões por ano até 2050 caso tais “jabutis” não sejam barrados (Bitencourt, 2024). Além da possibilidade de aumento das tarifas de eletricidade, os “jabutis” podem atrasar processos importantes de regulamentação, como é o caso das eólicas offshore.

 

Conclusão

Os subsídios presentes no setor elétrico foram de R$40 bilhões em 2023 e em 2024 não deve ter um valor muito diferente. Para os próximos anos, evitar o rápido crescimento só será possível se a regulamentação da GD for revisada e forem barrados os “jabutis” presentes em projetos de lei (como o PL nº 576/2021 da eólica offshore). Além disso, seria importante o governo, o congresso nacional e as instituições revisarem os subsídios bancados pela tarifa de eletricidade, pois alguns deles já não fazem sentido no contexto atual de mudanças climáticas e de Fontes Renováveis de Energia (FRE) competitivas.

Por fim, é preciso destacar que os subsídios são importantes, por exemplo, como quando são direcionados para o bem-estar da sociedade (casos da universalização e da Tarifa Social) ou para o incentivo às FRE ainda não competitivas. No entanto, o uso indiscriminado de subsídios afeta o preço da eletricidade no país e, consequentemente, o custo de vida da população, o nível de inflação e a competitividade do setor produtivo nacional, principalmente nas indústrias intensivas em eletricidade como a metalurgia, a automotiva, a indústria de alimentos e a indústria química. Adotar subsídios de forma indiscriminada para beneficiar grupos específicos acaba impactando negativamente a economia do país, mais especificamente a inflação, a competitividade da indústria nacional, o nível de atividade econômica, o nível de emprego e a arrecadação do Estado.

 

Referências

ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). (2024). Subsidiômetro. Disponível em: < https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiY2Q1YjdlZTEtMzQ2ZS00OTIyLThiODctZDY2

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ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). (2022). Custo da Energia que chega aos consumidores. Disponível em: < https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/tarifas/entenda-a-tarifa/custo-da-energia-que-chega-aos-consumidores >. Acesso em: 30/11/2024.

BITENCOURT, R.. (2024). Senado analisa projeto de lei das eólicas offshore e “jabutis” com custo bilionário aos consumidores. Valor Econômico. Disponível em: < https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/11/25/senado-analisa-projeto-de-lei-das-eolicas-offshore-e-jabutis-com-custo-bilionario-aos-consumidores.ghtml >. Acesso em: 30/11/2024.

CASARIN, R.. (2023). Brasil lidera ranking de conta de luz mais cara para a população. Disponível em: < https://www.portalsolar.com.br/noticias/mercado/consumidor/brasil-lidera-ranking-de-conta-de-luz-mais-cara-para-a-populacao >. Acesso em: 30/11/2024.

CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). (2024). Migrações ao mercado livre concluídas pela CCEE em 2024 já superam todo o ano passado. Disponível em: < https://www.ccee.org.br/pt/web/guest/-/migracoes-ao-mercado-livre-de-energia-concluidas-pela-ccee-em-2024-ja-superam-todo-o-ano-passado >. Acesso em: 30/11/2024.

EPE (Empresa de Pesquisa Energética). (2024). Balanço Energético Nacional 2024: Relatório Síntese, ano base 2023. Rio de Janeiro: EPE, 2024.

EPE (Empresa de Pesquisa Energética). (2020). Roadmap – Eólica Offshore Brasil: Perspectivas e caminhos para a energia eólica marítima. Rio de Janeiro: EPE, 2022.

EPE (Empresa de Pesquisa Energética). (2006). Balanço Energético Nacional 2006: Relatório Síntese, ano base 2005. Rio de Janeiro: EPE, 2006.

GWEC (GLOBAL WIND ENERGY COUNCIL). (2024). Global Wind Report 2024. Disponível em: < https://gwec.net/global-wind-report-2024/ >. Acesso em: 05/06/2024.

PEREIRA, E. B. (2016). Segurança energética: perspectivas no enfrentamento às mudanças climáticas globais. In: Conferência Internacional do INCT para Mudanças Climáticas. São Paulo, 28 a 30 de setembro de 2016. [Apresentação].

 

Sugestão de citação: Ferreira, W. C.  (2024). Uma breve análise dos Subsídios presentes na Tarifa de Eletricidade Brasileira. Ensaio Energético, 09 de dezembro, 2024.

Autor do Ensaio Energético. Economista, Mestre e Doutor em Economia pela UFF. Professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFRRJ.

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