Ensaio Energético

Transição energética justa: Instalação de sistemas de geração de eletricidade solar para atender domicílios de baixa renda

A energia elétrica é um serviço essencial para a população e o seu preço é determinante do bem-estar social. O sistema elétrico brasileiro já foi considerado um dos mais eficientes do mundo. As grandes usinas hidrelétricas garantiam a segurança do sistema e o baixo preço da eletricidade. Essa situação representava uma vantagem competitiva para a economia brasileira. Infelizmente, a partir da década de 2000, o Brasil passou a integrar a lista de países com elevadas tarifas de energia elétrica. Isto foi resultado não apenas da elevação dos custos setoriais, mas, também, do impacto crescente dos impostos e encargos setoriais sobre as tarifas.

Recentemente, a pandemia do Covid-19 e a crise elétrica de 2021 criaram custos setoriais adicionais que causaram uma explosão dos gastos de eletricidade e devem pressionar as tarifas nos próximos anos. Os gastos com eletricidade aumentaram 51% entre 2018 e 2021, segundo os dados do IBGE. A elevação das tarifas onera principalmente as famílias mais pobres, que dedicam 5% dos seus orçamentos para pagar a conta de eletricidade (frente a 1,7% das famílias de maior renda).

A tarifa social de eletricidade (TSEE), que é o método usual para lidar com o problema de pobreza energética, experimentou mudanças ao longo do tempo para focalizar a população mais carente. No entanto, o mecanismo não é plenamente eficaz, pois famílias pobres mais numerosas ou localizadas em lugares que demandam mais energia para resfriamento não são capazes de se enquadrar nas faixas de maior desconto e subsídio onera, em conjunto com outros encargos, as tarifas dos consumidores não contemplados.

O Brasil experimentou uma rápida difusão da geração distribuída, que já atingiu 10 GW de capacidade instalada. Até o momento, a expansão do uso de painéis solares no Brasil não beneficiou as famílias mais carentes, uma vez que foi limitada aos domicílios de maior poder aquisitivo. Pelo contrário, pois a saída de consumidores via autogeração, que hoje não arcam pelo custo da rede, provoca aumento tarifário para os consumidores que não adotam sistemas de geração distribuída.

No entanto, a difusão de geração distribuída pode ser utilizada para beneficiar consumidores de baixa renda, combinando os objetivos de mitigação das emissões de gases de efeito estufa na geração de eletricidade e de inclusão de classes desfavorecidas. Essa combinação se enquadra em políticas de transição justa, que são bastante utilizadas em experiências internacionais. Recentemente, o novo marco da geração distribuída (Lei n. 14.300/2022) implementou o Programa de Energia Renovável Social (PERS) para incentivar a instalação de painéis solares na classe de baixa renda, utilizando recursos originalmente reservados para promover a eficiência energética. Mas, avaliamos que, para atingir parcela mais significativa da população de baixa renda, seria necessária ação mais estruturada.

Para verificar a viabilidade da promoção de sistemas de geração fotovoltaica para o atendimento de clientes de baixa renda, utilizamos os dados da Light. A ideia é verificar como a sociedade seria beneficiada com a substituição do subsídio com tarifa social, custeado pela CDE, consequentemente, repassado às tarifas de fornecimento, por um programa de instalação de minigeração elétrica distribuída na modalidade compartilhada.

A fonte fotovoltaica foi considerada no exercício, pois tem participação dominante no mercado de geração distribuída (com quase 98% da potência instalada).

Desde dezembro de 2014, a tarifa de fornecimento de energia elétrica residencial da Light tem subido mais que a inflação medida pelo IPCA. Entre 2014 e 2021, a tarifa elétrica residencial da Light acumulou alta de 145%, enquanto a inflação foi de 60,4% no mesmo período.

 

Evolução da tarifa de fornecimento de energia elétrica residencial da Light e IPCA (Base: Dez-13)

Fonte: Elaboração própria a partir da ANEEL e do IBGE. Acesso em: 31 de março de 2022.

 

Até 80% dos recursos do Programa de Eficiência Energética (PEE) podem ser utilizados em unidades beneficiárias com tarifa social. Esse limite corresponde a 0,4% da Receita Operacional Líquida (ROL) da concessionária, totalizando R$ 56 milhões/ano no caso da Light considerando os dados de 2021.

Além dos recursos do PERS, consideramos que R$ 48 milhões/ano complementariam o investimento para instalação de painéis solares para atender domicílios de baixa renda. Assim, o investimento anual considerado é de R$ 111 milhões/ano.

O passo seguinte foi definir a geração anual prevista adicionada com esses sistemas, estimada em 36.358 MWh/ano. Considerou-se custo inicial da minigeração distribuída fotovoltaica no solo obtido a partir da Pesquisa da Greener em janeiro de 2022, irradiação diária global média no plano inclinado na área de concessão da Light de 4,86 kWh/m2 e taxa de desempenho do sistema (performance ratio) de 80%.

Em 2030, a potência instalada de minigeração distribuída fotovoltaica compartilhada para atender domicílios de baixa renda seria de 205 MW com geração prevista anual de 290.865 MWh.

As tarifas médias de fornecimento B1 Baixa Renda de R$ 476,33/MWh e B1 Residencial R$ 752,58/MWh, bem como a energia consumida pela subclasse residencial Baixa Renda (até 220 KWh) de 746.117 MWh da Light, para 2021, foram obtidas no Relatório Mercado Cativo da ANEEL.

Em 2030, tem-se a substituição de 38,98% do consumo elétrico das unidades beneficiárias da tarifa social na área de concessão da Light por energia proveniente de investimentos em instalações de minigeração distribuída fotovoltaica compartilhada. O percentual da Energia B1 – Baixa Renda com GD fotovoltaica correspondeu a razão entre geração prevista e energia consumida pela subclasse B1 Baixa Renda.

O subsídio com tarifa social pago a Light em 2021 no valor de R$ 160,35 milhões foi retirado do relatório da ANEEL de tarifa social.

O valor do subsídio com tarifa social que seria pago a Light via CDE e substituído pela minigeração distribuída fotovoltaica compartilhada foi calculado multiplicando-se a tarifa B1 Baixa Renda pela geração prevista, chegando-se ao resultado de R$ 138,55 milhões, em 2030.

Em 2030, 86% do subsídio com tarifa social terá sido substituído pela minigeração distribuída fotovoltaica compartilhada.

Mantendo-se investimentos constantes, são necessários 9,3 anos para substituir integralmente o subsídio da CDE com tarifa social pagos a Light por créditos de energia provenientes de minigeração distribuída fotovoltaica compartilhada.

Descontando-se pela taxa Selic, o valor presente dos subsídios da CDE com tarifa social totaliza cerca de R$ 1,5 bilhão, na área de concessão da Light. Mesmo considerando-se que os recursos para investimento em GD serão recursos novos (rubrica específica), o valor presente dos subsídios totalizará cerca de R$ 421 milhões. Com isso, a realização dos investimentos implicará numa economia de cerca de R$ 1,1 bilhão acumulados no período. Este resultado é alcançado porque o parque de GD instalado substituirá a necessidade de aportes anuais da CDE com tarifa social após o 9º ano.

No caso da Light, um programa de difusão de sistemas de geração distribuída poderia contribuir para evitar furtos de energia elétrica, que são muito elevados na área de concessão. Em 2020, a Light apresentou perdas não técnicas reais de 55,3% e regulatórias de 36,1% sobre o mercado de baixa tensão faturado. A participação da Light nas perdas não técnicas, em 2020, em relação às perdas não técnicas totais no Brasil foi a maior, respondendo por 18,8%. A redução das perdas, além de ajudar a recuperação financeira da empresa, beneficia aos consumidores que pagam regularmente a energia consumida que teriam menor tarifa.

O exercício indica que um programa de difusão de sistemas de geração solar voltado para domicílios de baixa renda é viável e proporciona ganhos para a sociedade ao evitar os subsídios para a tarifa social.

 

Nota:

Artigo baseado em pesquisa realizada com pesquisadores da UFF em parceria com o Instituto Escolhas.

 

Sugestão de citação: Losekann, L. & Abuche, C. (2022). Transição energética justa: Instalação de sistemas de geração de eletricidade solar para atender domicílios de baixa renda. Ensaio Energético, 02 de maio, 2022.

 

Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Camila Abuche
Doutoranda em economia e pesquisadora do GENER UFF, com graduação e mestrado pela Universidade Federal Fluminense. Cofundadora da Solar Fintec, empresa que se dedica ao desenvolvimento de tecnologias para inteligência de mercado em geração fotovoltaica. Foi assessora especial na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços no ERJ e economista na Fecomércio RJ.

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