Ensaio Energético

Tarifa específica de distribuição de gás natural (TUSD-E): uma proposta metodológica para o Rio de Janeiro

A agência estadual de regulação da distribuição de gás natural do estado do Rio de Janeiro (Agenersa) lançou consulta pública para o marco legal do Novo Mercado de Gás Natural. O aspecto mais relevante da consulta é a definição da metodologia para tarifa de distribuição para consumidores livres em gasodutos dedicados. Neste artigo, apresentaremos a contribuição do GENER-UFF para a metodologia TUSD-E.

A Razão da TUSD-E

A atividade de distribuição de gás natural se caracteriza pelo transporte do combustível em gasodutos de baixa pressão e de diâmetro limitado. A rede distribuição é, usualmente, capilarizada e atende a grande número de consumidores finais, maior parte de pequeno porte.

Normalmente, o princípio de reflexividade dos custos é aplicado em cada segmento de consumo. Assim, a estrutura tarifária compreende tarifas mais altas para segmentos em que o padrão de clientes implica em maiores custos de atendimento, como o segmento residencial, e tarifas mais baixas para segmentos em que o custo unitário é inferior devido à maior escala de suprimento, como os segmentos industrial e termelétrico. Isso pressupõe que não há diferencial significativo no custo de atendimento de clientes de um mesmo segmento. Para consumidores que estão conectados na rede compartilhada de distribuição, é complexo individualizar custos e a solidariedade no rateio de custos é uma prática que não implica em perdas ou ganhos relevantes para os clientes.

No entanto, alguns consumidores de maior porte, como é o caso de termelétricas, não são supridos através da rede capilarizada de distribuição, mas por infraestrutura de abastecimento dedicado. Para esses consumidores, o custo de atendimento pode ser individualizado. Na experiência internacional, consumidores que são conectados à rede de transporte ou contam com infraestrutura própria de abastecimento (autoprodutores e auto-importadores) não pagam tarifa de distribuição.

Os dutos que atendem esses consumidores são dedicados e não levam gás para outros consumidores das distribuidoras. Como não há compartilhamento de infraestrutura, o conceito de solidariedade de rede não deveria ser aplicado, pois tende a gerar injustiça e desequilíbrio. Não há razão objetiva para que o custo desta infraestrutura seja rateado com todos os consumidores e a tarifa para estes consumidores deve considerar os próprios custos de construção, operação e manutenção da infraestrutura dedicada.

O entendimento que o tratamento tarifário de clientes atendidos por ramais dedicados deve ser diferenciado e refletir os custos individualizados de suprimento foi incorporado na Lei do Gás (11.909/09) em 2009. O artigo 46 da lei, que é reproduzido no artigo 29 da recente Nova Lei do Gás (14.134/21), apresenta os critérios e os princípios para que os estados desenhem uma estrutura tarifária que leve em consideração as características das demandas dos Consumidores Livres, quando atendidos por gasodutos dedicados. A lei aponta a necessidade da observância dos princípios da razoabilidade, transparência, publicidade e às especificidades de cada instalação.  

A partir da diretriz federal, vários estados brasileiros já abordaram o tratamento tarifário específico para clientes atendidos com ramais dedicados. O estado de São Paulo foi pioneiro e estabeleceu tratamento tarifário específico para autoprodutores e auto-importadores em 2011. Em 2013, a Arsesp estabeleceu TUSD-E para a termelétrica Euzébio Rocha da Petrobras, localizada na refinaria de Cubatão. A metodologia Arsesp foi aperfeiçoada na revisão tarifária da Comgás em 2019 e é atualmente aplicada às termelétricas Euzébio Rocha e São João Ambiental.

Na Agenersa, o tema foi tratado inicialmente em 2012. A deliberação 1.250 remeteu à 3ª revisão das concessionárias a definição de um tratamento tarifário específico para autoprodutores e auto-importadores. No entanto, a revisão tarifária não estabeleceu TUSD-E. Em 2019, a Agenersa iniciou o processo para estruturar o novo mercado de gás natural no estado. As deliberações 3.862/19, 4.068/20 e 4.142/20 estabeleceram as diretrizes para o cálculo de tarifas específicas para agentes livres (consumidores livres, autoprodutores e auto-importadores) que reflitam os custos CAPEX e OPEX dos ramais dedicados. Em 07/04/2021, a agência lançou três consultas públicas[1] relacionadas ao tema e a metodologia GENER-UFF consta como referência para a Metodologia de Cálculo da TUSD e TUSD-E (consulta pública 01/2021).

Proposta GENER-UFF

A proposta do GENER-UFF para a TUSD-E é definida para cada um dos segmentos de demanda em que atuam agentes livres e é determinada em valor fixo anual[2]. A metodologia não considera os custos dos itens relativos à comercialização. Estes custos não devem ser repassados aos agentes livres que negociam o suprimento de gás por sua conta e risco[3].

A metodologia busca refletir de forma mais apropriado os custos específicos, CAPEX e OPEX, dos ramais dedicados. Sua inovação principal é a distinção entre os itens de OPEX que dependem da extensão da rede e os itens de OPEX gerais, que não dependem da extensão. Esta proposta busca estabelecer tarifa justa através desta separação dos custos.

Uma parcela significativa dos custos operacionais está associada à rede de distribuição, sendo a extensão da rede uma variável importante para determinar esta parcela dos custos operacionais. Os gastos com manutenção da rede, por exemplo, dependem da extensão e diâmetro dos dutos. Contemplando a parcela específica, a metodologia segue o princípio de justiça, aproximando a tarifa do custo real de suprimento.

Os custos gerais de OPEX são comuns a todos os consumidores e não dependem da extensão da rede. Em nossa concepção, esses custos devem ser rateados entre os consumidores, inclusive os que são atendidos por ramais dedicados, segundo a demanda de gás. Dessa forma, os consumidores sujeitos à TUSD-E seriam solidários com os demais consumidores nessa parcela de custos. Assim, entendemos que a proposta de metodologia contribui para o princípio da sustentabilidade tarifária.

Para estimar a parcela do OPEX que depende da extensão, utilizamos dados de projetos de gasodutos de transporte, que guardam correspondência com gasodutos dedicados. Os custos de Operação e Manutenção (O&M) que são influenciados pela extensão dos dutos representam em média 70% do OPEX e as despesas Gerais e Administrativas (G&A), que não têm relação direta com a extensão, 30%.

Por fim, a concessionária é remunerada por sua participação no investimento da construção do ramal específico (CAPEX), segundo a taxa de remuneração regulada. Quando o agente livre custear integralmente a construção do duto dedicado, a parcela de remuneração do CAPEX não estará presente na TUSD-E.

A seguinte fórmula foi proposta pelo GENER-UFF para metodologia tarifária da TUSD-E:

Os três componentes da TUSD-E são detalhados no Anexo I.

Simulações

Para ilustrar as implicações da proposta GENER-UFF, simulamos o gasto anual de consumidor hipotético representativo do segmento termelétrico com tarifa TUSD-E e comparamos com as seguintes situações:

  • Vigente – Gasto anual com a aplicação da tarifa termelétrica em vigor nas concessionárias, considerando o desconto de 22,5% que é aplicado atualmente a clientes atendidos com ramal dedicado;
  • São Paulo – Metodologia da ARSESP para a TUSD-E adaptada aos dados de custos e estrutura tarifária das concessionárias do Rio de Janeiro.
  • Custo Específico – Estimativa simplificada de custos de OPEX baseada em projetos de gasodutos de transporte. Corresponde à hipótese utilizada no PEMAT[4] da EPE[5], OPEX anual é igual 4% do CAPEX total.

O caso representativo que consideramos para as simulações corresponde a uma nova termelétrica de 500 MW, com consumo específico de gás natural de 4,74 Mil m3/dia/MW, atendida por gasoduto de 100 metros e 14 polegadas, construído integralmente pelo empreendedor (sem participação da concessionária no CAPEX). Consideramos fator de utilização de 50% e as tarifas termelétricas prévias à quarta revisão, uma vez que os novos valores ainda não foram implementados.

Na área de concessão da CEG Rio, o gasto anual dessa termelétrica com a tarifa vigente seria de R$ 30,6 milhões. Como o caso considerado é de gasoduto pouco extenso, o gasto é totalmente descolado do custo de distribuição específico desse cliente. Segundo a metodologia GENER-UFF, o gasto anual seria de R$ 1,3 milhões, metade do valor calculado pela metodologia de SP adaptada aos dados de custo da CEG Rio (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Gasto Anual com TUSD-E em diferentes metodologias – Termelétrica na área da CEG Rio – R$ milhões.

Fonte: Elaborado pelos autores

Na área da CEG (Gráfico 2), devido à composição de custos da concessionária o gasto anual seria superior. O gasto com a tarifa vigente seria de R$ 34,9 milhões. A aplicação da metodologia de SP adaptada implicaria em reduzir o gasto em cerca de sete vezes, enquanto a metodologia GENER-UFF implicaria em gasto cerca de 12 vezes inferior ao atual.

Gráfico 2 – Gasto Anual com TUSD-E em diferentes metodologias – Termelétrica na área da CEG – R$ milhões.

Fonte: Elaborado pelos autores

Ao comparar o gasto em cenários de diferente extensão de dutos no caso da CEG Rio e mantendo as demais premissas de referência, é possível perceber que a metodologia GENER-UFF acompanha a evolução dos custos e se mostra adequada para dutos de curta e longa extensão (Gráfico 3). Nos três casos, 100 metros, 2 Km e 10 Km, a receita da concessionária a partir do gasoduto dedicado seria superior à estimativa de custos diretos, indicando a sustentabilidade do método. O gasto pela metodologia de São Paulo seria constante nos três casos, pois a tarifa não incorpora a extensão do duto em sua determinação.

Gráfico 3 – Efeito da extensão no Gasto Anual com TUSD-E – CEG Rio – R$ milhões.

Fonte: Elaborado pelos autores

Outra característica importante da metodologia GENER-UFF é que o gasto, e, portanto, a receita da concessionária, é definido pela capacidade de transporte e não pelo consumo mensal. Como o consumo das termelétricas é volátil no Brasil em função das condições hidrológicas, o gasto pode variar bastante de um ano para outro quando a tarifa é determinada pela quantidade consumida (R$/m3), gerando risco para o empreendedor e para a concessionária. Como o custo depende da dimensão do duto (metropol) e não do volume consumido, a cobrança pela capacidade de consumo (fixa) reflete melhor os custos do serviço. O Gráfico 4 compara gastos em situações de elevada, média e baixa utilização da termelétrica de referência com duto de 2 km de extensão. Se a tarifa é aplicada à quantidade consumida, o gasto em hidrologia favorável (FC = 20%) é um quarto de um ano seco (FC = 80%).

Gráfico 4 – Efeito da Utilização (fator de capacidade – FC) no Gasto Anual com TUSD-E – CEG Rio – R$ milhões.

Fonte: Elaborado pelos autores

Nota: termelétrica de referência de 500 MW, com consumo específico de gás natural de 4,74 Mil m3/dia/MW, atendida por gasoduto de 2 km e 14 polegadas, construído integralmente pelo empreendedor (sem participação da concessionária no CAPEX).

Vantagens da proposta GENER-UFF

A metodologia GENER-UFF atende às diretrizes da legislação federal e estadual, pois considera os custos específicos dos ramais dedicados. Tanto a parcela de remuneração do CAPEX, quanto do OPEX incorporam o efeito das dimensões dos ramais em seu cálculo. Dessa forma, clientes que impõem maiores custos pagarão tarifas maiores do que clientes atendidos com menores custos. Sua composição reflete mais adequadamente custos operacionais que dependem da dimensão do duto e custos gerais, afastando a possibilidade de subsídios entre clientes.

O método assegura que a concessionária receberá recursos para cobrir seus custos e os demais clientes tendem a ser beneficiados pela diluição dos custos gerais. Ou seja, em revisões futuras, as tarifas de clientes de outros segmentos reduziriam pelo ganho de escala do compartilhamento dos custos comuns. Ao estabelecer o pagamento em função da capacidade de consumo, a metodologia evita o risco associado à utilização do duto, que é relevante no caso termelétrico.

Por fim, a metodologia é transparente. O cálculo é simples e seus parâmetros são definidos a partir de informações públicas. Os interessados podem replicar o cálculo, facilitando sua aceitação.

ANEXO I – Descrição da metodologia TUSD-E pelo GENER-UFF

Proposta do GENER-UFF para metodologia tarifária da TUSD-E:

Notas

[1] Consulta Pública 01/2021 – Processo Regulatório nº SEI-220007/002145/2020. Metodologia de Cálculo da TUSD e TUSD-E.

Consulta Pública 02/2021 – Processo Regulatório nº SEI-220007/002146/2020. Condições Gerais de Fornecimento e de Operação e Manutenção de Gasoduto Dedicado para Agentes Livres.

Consulta Pública 03/2021 – Processo Regulatório nº SEI-220007/002147/2020. Condições Gerais da Atuação do Comercializador.

[2] Para cobrança mensal, o valor anual é dividido em 12 parcelas mensais de igual valor.

[3] Consideramos que os seguintes itens da composição do OPEX da CEG e da CEG Rio correspondem à atividade de comercialização: Publicidade, Propaganda e Relações Públicas; Gastos de Atividade Comercial; Gastos Serviço a Cliente. Utilizamos nas simulações os dados da proposta final das concessionárias no processo da 4ª revisão tarifária.

[4]  Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário.

[5] Empresa de Pesquisa Energética.

Referências

AGENERSA (2012). DELIBERAÇÃO AGENERSA Nº. 1.250. Concessionárias Ceg e Ceg Rio – condições gerais e tarifas para Autoprodutores, Auto-importadores e Consumidores Livres de gás natural. Rio de Janeiro. Disponível em< http:// http://www.agenersa.rj.gov.br> Acesso em: 20 abril. 2021.

AGENERSA (2019). DELIBERAÇÃO AGENERSA Nº. 3.862. Estudo e reformulação do arcabouço regulatório para autoprodutores, auto-importadores e consumidor livre. Rio de Janeiro. Disponível em< http:// http://www.agenersa.rj.gov.br> Acesso em: 20 abril. 2021.

AGENERSA (2020). DELIBERAÇÃO AGENERSA Nº. 4.068. Estudo e reformulação do arcabouço regulatório para autoprodutores, auto-importadores e consumidor livre. Rio de Janeiro. Disponível em< http:// http://www.agenersa.rj.gov.br> Acesso em: 20 abril. 2021.

AGENERSA (2020). DELIBERAÇÃO AGENERSA Nº. 4.142. CEG e CEG RIO – Estudo e reformulação do arcabouço regulatório para autoprodutores, auto-importadores e consumidor livre. Rio de Janeiro. Disponível em< http:// http://www.agenersa.rj.gov.br> Acesso em: 20 abril. 2021.

BRASIL. (2009). Lei 11.909, de 4 março de 2009. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/> Acesso em: 20 abril. 2021.

BRASIL. (2021). Lei 14.134, de 8 abril de 2021. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14134.htm> Acesso em: 20 abril. 2021.

EPE (2014). Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário – PEMAT 2022. Ministério de Minas e Energia – MME.

Sugestão de citação: LOSEKANN, L.; ALMEIDA, E.; RODRIGUES, N.; BORDALLO, M. (2021). Tarifa específica de distribuição de gás natural (TUSD-E): uma proposta metodológica para o Rio de Janeiro. Ensaio Energético, 26 de abril, 2021.

Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. É professor e pesquisador do Instituto de Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) e Presidente eleito da Associação Internacional de Economia da Energia - IAEE. Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Grenoble na França.

Editora-chefe do Ensaio Energético. Economista pela UFRRJ, mestre em Economia Aplicada pela UFV e doutora em Economia pela UFF. Professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFF, professora do Programa de Pós Graduação em Economia (PPGE/UFF) e pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Mirella Bordallo

Economista pela UFRJ, pós-graduada em Economia Empresarial pela UFF, mestre em Ensino da Matemática pela UFRJ e licenciada em Matemática pela UFRJ. Pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER) e professora de Matemática da FAETEC-RJ.

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