Ensaio Energético

Sugestões para o Enquadramento da Agricultura Familiar Fluminense ao Programa Nacional de Biodiesel

1.  INTRODUÇÃO

O aumento da demanda por energia tem sido observado e a busca por alternativas energéticas vem sendo discutida com frequência nas últimas décadas. As principais demandas energéticas podem ser listadas como:

  1. Energia para o consumo residencial
  2. Demanda de energia para o uso industrial
  3. Demanda de energia para o transporte
  4. Energia demandada para o desenvolvimento das atividades agrícolas

O atendimento da demanda de energia para o transporte consolidou-se com o uso dos combustíveis fósseis, principalmente por sua disponibilidade, levando-se em consideração o aperfeiçoamento dos mecanismos de extração, refino e logística. Entretanto, na década de 1970 ocorreram eventos relevantes como os choques do petróleo e a alta dos preços dos combustíveis fósseis, como mencionado por Cruz et al. (2016). À partir desse contexto, as nações passaram a estudar possíveis alternativas que reduzissema dependência do petróleo e o risco de se tornarem reféns dos detentores desse mercado. Na busca por alternativas o Brasil se beneficiou por suas condições favoráveis no tocante ao clima e áreas agricultáveis, desenvolvendo os programas Pró-óleo e pró-alcool.

No âmbito do Pró-Óleo, foram estudados tanto o uso de óleos vegetais in natura quando modificados pela reação de transesterificação com metanol eetanol, levando a formação de ésteres metílicos ou etílicos de ácidos graxos, hoje conhecidos como biodiesel. O uso de óleos e gorduras como fontes de combustíveis líquidos somente foi considerado a partir da elevação dos custos de produção e os choques de oferta ocorridos em 1973 e 1979, quando ficou evidente para o mundo a necessidade da busca por fontes alternativas de energia. (PINHO & SUAREZ, 2017).

Por meio do Pró-álcool, o Governo forneceu incentivo ao setor definindo um mandato para adição de etanol à gasolina. As medidas resultaram no crescimento dos investimentos, ampliação da área plantada com cana-de -açúcar e instalação de novas unidades produtoras. Após o segundo choque do petróleo, em 1979, surgiram os veículos movidos exclusivamente a etanol hidratado. No início da década de 1980 a maioria dos carros comercializados no Brasil era movida a álcool (VIDAL, 2019). Com a queda nos preço do petróleo os referidos programas perderam força.

Em 2 de julho de 2003 foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial, através de um decreto estabelecido pelo Presidente da República, com a finalidade de apresentar a viabilidade do biodiesel como combustível alternativo ao derivado do petróleo. Em 23 de dezembro de 2003, por meio de decreto, foi implantado o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Em 13 de janeiro de 2005 foi publicada a Lei 11.097, que dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, altera Leis afins e dá outras providências. Após o lançamento do referido programa, surgiram diversas frentes de estudo sobre o biodiesel e expectativas foram geradas a respeito da participação da agricultura familiar no PBPB. Entretanto, passados aproximadamente dezesseis anos, a produção de biodiesel tem sido atendida basicamente pela estrutura produtiva da soja, com reduzida participação das demais oleaginosas.

Sob esta perspectiva, Estados como o Rio de Janeiro, ficaram excluídos do programa por não serem produtores de soja. Assim, o presente estudo tem como objetivo trazer uma breve revisão sobre o PNPB, as limitações da sua concepção em relação às condições propostas inicialmente, e sugestões para enquadramento da agricultura familiar do Rio de Janeiro e regiões semelhantes, na cadeia produtiva do biodiesel.

2. APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE A PARTICIPAÇÃO DO BIODIESEL NO CONTEXTO ENERGÉTICO

A Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, em seu artigo art. 4o, acrescenta os incisos XXIV e XXV à Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. O inciso XXV define o biodiesel como: […] biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna com ignição por compressão ou, conforme o regulamento, para a geração de outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil. Assim, a partir de 2005 o biodiesel passou a ser adicionado ao diesel em proporções gradativas, conforme Figura 1.

Figura 1. Evolução do teor percentual obrigatório de biodiesel.

Fonte: EPE a partir de BRASIL (2005, 2014, 2016); CNPE (2008, 2009a, 2009b,2016,2018, 2019).

2.1 Matérias-primas

Vidal (2017), com base nos dados da ANP (2018) relacionou a capacidade produtiva das regiões brasileiras à produção efetiva, conforme Tabela 1.

Tabela 1. Capacidade Normal e Produção de Biodiesel (B100) no Brasil por região (1000 m3/ano) 2017.

Fonte: ANP (2018) citado por Vidal (2019).

Os valores apresentados indicam a possibilidade de expansão na produção de biodiesel, especialmente nas regiões Norte e Sudeste.

3.  SITUAÇÃO DO PNPB E AGRICULTURA FAMILIAR

Simultaneamente à apresentação do PNPB, em 06 de dezembro de 2004, foram editadas a Medida Provisória n°227 e o Decreto Presidencial n°5.297, que tratavam do modelo fiscal adotado para a produção do biodiesel e do instrumento de inclusão social do programa, o Selo Combustível Social (SCS). O SCS trata-se de uma certificação dada às usinas de biodiesel, um dos critérios para concessão do selo às usinas, na época chancelado pelo então Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), foi a exigência da compra mínima obrigatória de parte da matéria prima proveniente de estabelecimentos enquadrados no Programa de Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF (RIBEIRO & SILVA, 2019). Os principais argumentos para a implementação do programa foram: 1) a diminuição da dependência dos derivados do petróleo; 2) a criação de novos mercados para oleaginosas, em particular para a soja; 3) o crescimento da demanda global por combustíveis alternativos; e 4) a redução das emissões de gás carbônico (FLEXOR et al., 2011). O novo desenho do programa citava três pilares fundamentais: a inclusão social por meio da agricultura familiar, a sustentabilidade ambiental e a viabilidade econômica.

Dentro do aspecto produtivo, conforme Sartório & Quaresma (2010) há ainda que se considerar a questão política e social. O biodiesel além de ser um biocombustível, pode vir a ser trabalhado como uma forma de inclusão social, com plantações de oleaginosas em pequenas propriedades rurais familiares, uma vez que a competição com as grandes propriedades agrícolas mecanizadas torna praticamente inviável o cultivo de culturas tipo exportação. Além da geração de novos postos de trabalho no campo, ainda são previsíveis a utilização de mão de obra especializada nas usinas de produção de biodiesel.

Neste contexto, a mamona foi eleita pelo Governo Federal como principal oleaginosa para a produção de biodiesel no Nordeste – pelo fato de ser uma cultura adaptada ao semi-árido e típica da agricultura familiar, mas teria que incrementar significativamente sua oferta. Contudo, considerando os dados do país como um todo, a produção de mamona sequer se aproxima do necessário para atender apenas a demanda do Nordeste (GONÇALVES & EVANGELISTA, 2008). Ainda, o mesmo estudo mostrou uma rentabilidade da mamona de 897 reais por hectare comparada à rentabilidade da soja para biodiesel em 2.322 reais por hectare.

Embora o cenário seja favorável à produção da soja, pode ser arriscado para o produtor familiar optar por seu cultivo em detrimento a outros produtos, pois, de acordo com Rodrigues (2015) o limiar entre a viabilidade e o fracasso financeiro na produção de soja é muito estreito em razão do grande montante de capital investido, das variações de preço, dos ganhos de escala, e, na pequena propriedade, esses fatores tornam-se ainda mais agravantes pelo próprio tamanho da propriedade, que não permite diversificar a produção como complemento de renda.

Santana (2010) afirma que uma das maiores barreiras para a integração do agricultor familiar com o programa biodiesel é o baixo nível de conhecimento para implantação de inovações tecnológicas capazes de melhorar a qualidade e a quantidade da produção agrícola nordestina. Segundo Obermaier et al.(2010) o fundamental desconhecimento de boas práticas agrícolas por grande parte da agricultura familiar não é ligado a um cultivo específico, mas é generalizado e portanto estrutural dentro da agricultura familiar do Nordeste. Sem uma divulgação efetiva de melhores práticas, outros cultivos também irão enfrentar sérios problemas.

4. OS TEMPOS OTIMISTAS DO PNPB NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Com a divulgação do PNPB, empresas e produtores de sementes oleaginosas em diversas regiões, inclusive no interior do Estado do Rio de Janeiro, se interessaram a ingressar na cadeia produtiva do biodiesel. Há relatos em que produtores rurais de alguns Municípios do Estado do Rio de Janeiro foram consultados para firmarem parcerias com empresas que viriam implantar usinas para a produção de biodiesel no Estado. Contudo, com passar do tempo, tanto produtores familiares, como os demais produtores não levaram a proposta adiante. Tal comportamento pode ser atribuído ao fato de muitos produtores ficarem receosos em ingressar em uma nova atividade, como o cultivo do Pinhão Manso, que não apresentava em sua cadeia produtiva uma alternativas de mercado para que o produto fosse escoado, caso houvesse algum contratempo no seu fornecimento para a indústria do biodiesel.

É oportuno mencionar que muito se falou sobre o cultivo do Pinhão manso (Jatropha curcas L.) como espécie promissora na produção de biodiesel pois suas sementes possuem alto teor de óleo, como exemplo, 33,17% de óleo encontrado por Zambrano et al. (2015). Entretanto, pelo fato do pinhão manso ter sido uma espécie de pouco interesse comercial até aquele momento, as informações sobre seu cultivo eram bem limitadas e, com a intensificação de seu plantio, percebeu-se a necessidade de um estudo aprofundado. O pinhão manso, como outras culturas, está sujeito ao ataque de um conjunto de artrópodes-pragas, cuja composição varia em função das condições ambientais em que o cultivo for instalado (ROCHA, 2011). Da mesma forma, em relação às doenças, também foram observadas no pinhão manso a incidência de doenças comuns a outros cultivos agrícolas, podendo caracterizar a condição de hospedeiro de doenças quando plantado próximo aos cultivos de espécies convencionais.

3.     POTENCIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PARA PRODUÇÃO DE SEMENTES OLEAGINOSAS

Embora o Estado do Rio de Janeiro seja conhecido por seu perfil urbano, convém destacar que o mesmo possui o interior com expressivo potencial para cultivos agrícolas, respeitando todos os critérios de proteção ambiental, como a preservação de matas ciliares, áreas de nascentes e os demais ambientes que compõem as áreas de preservação permanente.

De acordo com o zoneamento agroecológico 2003, publicado pela Embrapa, o estado apresenta extensão territorial, compreendendo 43.797,5 km2, sendo cerca de 35% da sua superfície localizada em áreas consideradas de Proteção Ambiental, 10% indicadas para Recuperação Ambiental e 51% adequadas para Atividades Agrícolas.

Segundo os dados estruturais dos Censos Agropecuários para o Rio de Janeiro em 2017, as áreas ocupadas por lavouras permanentes, lavouras temporárias, pastagens permanentes e pastagens plantadas totalizam 1.759.816 hectares, ou seja, aproximadamente 40% do território é ocupado com agricultura

e pecuária. Assim, comparando as estatísticas ainda restariam cerca de 10% do território apto ao uso agrícola, que poderia ser utilizada para o plantio de oleaginosas, sem considerar a possível relocação de áreas de pastagens ociosas, atualmente enquadradas dentro dos 40% citados.

Quanto às condições climáticas, conforme o INMET, mencionado no Diagnóstico do Clima Estação Ecológica da Guanabara e Região, o Estado apresenta anualmente temperatura média de 23,7°C e precipitação total de 1172,9 mm, que são parâmetros compatíveis a grande parte das espécies agrícolas cultivadas.

4. AÇÕES SUGERIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA CADEIA DE PRODUÇÃO DO BIODIESEL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

As ações a seguir, envolvem a participação tanto setor público quanto privado, mobilizando esforços para o Desenvolvimento da Cadeia de Produção do Biodiesel no Estado:

  1. Descongestionamento dos caminhos burocráticos para a produção do biodiesel, por meio da criação de protocolos claros para que tanto empresários quanto produtores agrícolas conheçam os trâmites para ingressar nas atividades envolvidas na cadeia produtiva do biodiesel;
  2. Política que viabilize a Instituição de cooperativas de produtores regionais de sementes oleaginosas;
  3. Política de Crédito que viabilize a instalação de Usinas e Laboratórios de pequeno porte para atendimento às cooperativas;
  4. Adequar um programa de subsídios que auxilie na composição dos preços da matéria prima produzida;
  5. Política de apoio à assistência técnica aos produtores, visando a escolha e cultivo das principais espécies de sementes oleaginosas, aptas às condições climáticas e edafológicas do Estado do Rio de Janeiro;
  6. Criação e manutenção de ferramentas que auxiliem na gestão da cadeia produtiva do biodiesel no Estado do Rio de Janeiro.

Como resultado espera-se:

  1. Contribuir para a alocação de mão de obra no interior, contribuindo para a redução do êxodo rural;
  2. Complementar na renda dos produtores;
  3. Gerar oportunidades para as empresas no fornecimento de insumos à produção agrícola, fornecimento de equipamentos, assistência técnica, logística e,
  4. Habilitar Indústrias regionais para o fornecimento de biodiesel nos leilões da Petrobrás.

5. CONCLUSÕES

Frente ao exposto conclui-se que o Programa Nacional para a Produção do Biodiesel atendeu algumas das expectativas levantadas inicialmente, como a regulamentação da adição gradativa do biodiesel ao diesel mineral, reduzindo de alguma forma a dependência dos combustíveis fósseis.

A inclusão da agricultura familiar não se deu conforme previa o programa, reduzindo a credibilidade dos produtores nas iniciativas dos governos.

Regiões agrícolas e estados com características semelhantes ao Rio de Janeiro são aptas a fornecerem matérias primas e receberem plantas industriais para a produção de biodiesel, contudo, torna-se necessária a complementação do programa, considerando as particularidades para a cadeia produtiva em cada região.

BIBLIOGRAFIA

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Sugestão de citação: Silva, I. M. (2021). Sugestões para o Enquadramento da Agricultura Familiar Fluminense ao Programa Nacional de Biodiesel. Ensaio Energético, 28 de junho, 2021.

Ivenio Moreira da Silva

Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Espírito Santo (2000), Mestrado e Doutorado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal Fluminense (2007-2014), Especialização em Gestão do Agronegócio. Atualmente é professor de Economia Agrária e Administração Rural na Universidade Federal Fluminense e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Economia da UFF. Tem experiência na área de Engenharia Agrícola, atuando principalmente em pesquisas com biocombustíveis.

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