Ensaio Energético

Perspectivas para aplicação do hidrogênio verde na descarbonização da América Latina e Caribe

Uma premissa fundamental da transição energética é a eletrificação dos usos finais de energia, com a mudança do consumo de combustível fóssil para o consumo de eletricidade renovável. As possibilidades de eletrificação estão espalhadas por virtualmente todos os setores que demandam energia final. Entretanto, alguns usos dificilmente poderão ser descarbonizados por meio da eletrificação. O hidrogênio é um vetor de energia cujo consumo não emite gases de efeito estufa quando produzido a partir de eletricidade renovável (hidrogênio verde). Portanto, o hidrogênio verde é uma opção para descarbonizar setores onde a eletrificação pode não ser suficiente ou adequada. Na América Latina e Caribe, estes “setores difíceis de descarbonizar” são primordialmente o transporte pesado de cargas, aviação e algumas aplicações industriais, como discutido em detalhes abaixo.

Este artigo traça um panorama dos possíveis usos do hidrogênio na região da América Latina e Caribe, destacando as oportunidades de utilização da infraestrutura e capacidade instaladas existentes para fomentar seu desenvolvimento, acelerando a transição energética no continente. A próxima seção descreve as possibilidades do uso do hidrogênio, especialmente onde a eletrificação não é possível. A seção 2 fornece um panorama do uso e comercialização de gás natural no continente, destacando as possibilidades de inserção do hidrogênio neste contexto. A seção 3 descreve as iniciativas existentes para o desenvolvimento do hidrogênio verde na América Latina – ainda bastante incipientes.

1. O hidrogênio verde como alternativa em “setores difíceis de descarbonizar”

Veículos elétricos contribuem para descarbonização do transporte de passageiros (automóveis e ônibus) e veículos comerciais. Os custos dos veículos elétricos caíram 87% entre 2010 e 2019 (BNEF, 2019), e a paridade de custos com veículos à combustão interna deve ser alcançada até o final da década (BNEF, 2020a). Entretanto, na descarbonização de veículos pesados, como caminhões e carretas, veículos elétricos não são indicados devido à necessidade de baterias muito pesadas para satisfazer as necessidades energéticas desses veículos, que percorrem longas distâncias e transportam muitas toneladas de carga (IRENA, 2020a). Hidrogênio e biocombustíveis, que possuem maior densidade energética (Gráfico 1), são uma opção mais promissora para descarbonização do transporte de carga, que atualmente utiliza combustíveis fósseis com densidade energética bem mais elevada que as alternativas renováveis. Portanto, no setor de transportes, o hidrogênio pode ser utilizado no transporte de carga (veículos elétricos a célula a combustível), bem como para a produção de combustíveis sintéticos para navegação ou aviação.

Gráfico 1 – Densidades volumétricas e gravimétricas de potenciais combustíveis de transporte

Fonte: (IRENA, 2020a).

Na indústria, a descarbonização do calor industrial via eletrificação depende do nível de temperatura. A temperatura utilizada na indústria varia entre baixa (abaixo de 100° C), média (entre 100° C e 400° C) e alta (acima de 400° C). O calor de baixa temperatura é usado em processos como lavagem, enxágue e preparação de alimentos, enquanto o calor de média temperatura é empregado em secagem ou evaporação. Aplicações que requerem calor de baixa e média temperatura podem ser eletrificadas com bombas de calor, energia solar ou geotérmica, como no setor de alimentos e bebidas (IEA, 2018). O calor de alta temperatura é utilizado em processos de transformação industrial: redução de minério, calcinação, indução elétrica, entre outros (Pardo et al., 2012). Para processos industriais de calor de alta temperatura, como alguns produtos químicos e na fabricação de aço, entretanto, a eletrificação não é adequada ou possível e a descarbonização pode ser obtida por outros meios, incluindo hidrogênio e combustíveis sintéticos produzidos com eletricidade renovável. Existem várias aplicações para reduzir emissões em produtos químicos, refino e siderurgia usando hidrogênio verde para substituir matérias-primas baseadas em combustíveis fósseis e para fornecer calor de alta temperatura na indústria.

O hidrogênio é amplamente utilizado em indústrias específicas atualmente, por exemplo a produção de amônia e metanol, para remover impurezas do petróleo cru e para reduzir o teor de enxofre nos processo de refino do petróleo (BNEF, 2020b). No entanto, de acordo com IRENA (2020b), 96% de todo o hidrogênio é produzido a partir de combustíveis fósseis, consistindo de hidrogênio cinza ou hidrogênio azul, aquele produzido a partir de combustíveis fósseis combinado com Captura e Armazenamento de Carbono (CCS, na sigla em inglês). Apenas uma pequena fração é produzida a partir de energia renovável por meio da eletrólise, conhecida como hidrogênio verde.

No setor de energia, as aplicações de hidrogênio verde podem criar um ciclo virtuoso promissor para as redes elétricas baseadas em energias renováveis, permitindo aumentar a flexibilidade do sistema e agindo como um buffer para a geração renovável que não pode ser despachada imediatamente. O hidrogênio também pode contribuir para o equilíbrio sazonal da geração renovável, uma vez que pode ser armazenado em cavernas de sal e outros reservatórios subterrâneos (IRENA, 2020b). Na América Latina, esta opção deve ser contrastada com opções mais prontamente disponíveis e menos custosas, como reservatórios hidrelétricos. De fato, reservatórios funcionam como um meio de armazenamento de energia disponível e permitem explorar a complementariedade entre as fontes hídricas e fontes intermitentes, como eólica e solar. No entanto, este mecanismo está sujeito a variações no ciclo hidrológico decorrentes das mudanças climáticas (Vergara et al., 2015).

Os custos de produção de hidrogênio verde vêm caindo sistematicamente, em função do custo mais baixo de eletrolisadores e do crescente barateamento das energias renováveis não-convencionais, notadamente solar a eólica. Ainda de acordo com estimativas da IRENA (2020b), o hidrogênio verde deverá se tornar competitivo com relação ao hidrogênio azul em um futuro próximo, especialmente em locais com potencial abundancia de energia renovável, oferecendo interessantes oportunidades para alguns países da América Latina.

Gráfico 2 – Custos de produção do hidrogênio verde – Produção de hidrogênio a partir das fontes eólica e solar vs. produção com combustíveis fósseis combinado com Captura e Armazenamento de Carbono (hidrogênio azul) (US$/kg H2)

Fonte: IRENA (2020b).

Existem muitas oportunidades para se reutilizar a ampla infraestrutura de gás existente em alguns países da América Latina, especialmente na América do Sul. O transporte de hidrogênio em gasodutos existentes e renovados oferece uma estratégia que simultaneamente evita o lock-in de uma infraestrutura intensiva em carbono e a formação de “ativos encalhados”, ao mesmo tempo em que acelera a expansão de energia renovável (IRENA, 2020b) [1]. Estes aspectos serão discutidos a seguir.

2. Infraestrutura de gás natural na América Latina: uma futura base para o desenvolvimento do hidrogênio?

Para que a utilização do hidrogênio verde seja difundida, grandes volumes deverão ser transportados. Dentre as opções de transporte do hidrogênio, dutos, caminhões e navios, a primeira se mostra a mais interessante em termos de custo. Isto ocorre porque a baixa densidade do hidrogênio torna seu transporte via caminhões ou navios muito custosos. Uma oportunidade potencialmente interessante seria utilizar a infraestrutura de gás natural existente para difundir o comércio e utilização do hidrogênio. Este seção apresenta um panorama do gás natural no continente, amplamente utilizado pela maioria dos países na América Latina, e discute algumas questões técnicas e econômicas relacionadas a esta possibilidade, bem como as possíveis aplicações.

O gás natural é uma fonte de energia importante na América Latina e no Caribe. Em 2018, México, Venezuela e Argentina foram os maiores produtores da região, respondendo por 18%, 16% e 14% da extração e processamento de gás natural, respectivamente, seguidos por Trinidad e Tobago (11%), Brasil (10%), Colômbia (7%), Bolívia (6%), Peru (6%) e outros países (1%). Em alguns países a produção interna não é suficiente para atender a demanda, levando à necessidade de importações. O Gráfico 3 mostra os maiores importadores de gás natural da América Latina e Caribe. Em 2018, os maiores exportadores eram Bolívia (45%, por gasoduto) e Trinidad e Tobago (53%, como gás natural liquefeito – GNL). Trinidad e Tobago exporta GNL para todo o mundo (17 bilhões de metros cúbicos em 2019), enquanto os principais parceiros comerciais da Bolívia são Argentina e Brasil (4,9 e 6,4 bilhões de metros cúbicos em 2019, respectivamente) (BP Statistical Review, 2020). Outro importante comércio de gás natural por gasoduto ocorre entre Estados Unidos e México, que importou 51 bilhões de metros cúbicos dos EUA em 2019 (BP Statistical Review, 2020).

Gráfico 3 – Importação de gás natural (GNL e por gasoduto) em países selecionados da América Latina e Caribe entre 1998 e 2018 (106 m³)

Fonte: sieLAC-OLADE (2020a).

A Tabela 1 lista a rede atual de gasodutos nos países da América Latina e Caribe (internacional e nacional). O comércio bilateral ocorre entre a (i) Argentina e: Brasil, Chile, Uruguai; (ii) Bolívia e: Argentina e Brasil. As informações sobre conexões internacionais são exibidas na tabela sob o país de origem.

Tabela 1 – Rede de gasodutos existente na América Latina e Caribe e conexões internacionais

* Comprimento total do duto, da origem ao destino.

** Inclui participação nacional em dutos internacionais.

Fontes: (ANCAP, 2020; ANH, 2018; ENARGAS, 2019; GCDS, 2020; Global Energy Monitor, 2020; IEA, 2003; Ministério de Minas e Energia – Brasil, 2019; Promigas, 2019; Promigas e Quavii, 2018; SENER, 2019; sieLAC-OLADE, 2020b).

Centrais de geração elétrica, seguidas do setor industrial, são os maiores consumidores de gás natural da região (Gráfico 4). No setor industrial, o gás natural é usado para produzir calor, vapor e como matéria-prima (ex: para produzir metanol, amônia e hidrogênio). Na indústria siderúrgica, o gás natural é utilizado não apenas como fonte de calor, mas também substitui coque de carvão como redutor químico (IEA, 2003). O consumo de gás natural no setor residencial é relevante para aquecimento na Argentina e no Uruguai e, em menor escala, no Chile e na Colômbia.

Gráfico 4 – Consumo de gás natural em países selecionados da América Latina e Caribe por setor – 2018

Fonte: sieLAC-OLADE (2018).

Dessa forma, esforços para descarbonizar os países da América Latina e Caribe por meio da redução do consumo de gás natural poderiam se concentrar nos setores de geração de eletricidade, industrial e residencial. Para geração de eletricidade, uma maior penetração de fontes renováveis não-convencionais é uma possibilidade. Nos processos industriais, o gás natural pode ser substituído pelo hidrogênio verde como agente redutor na produção de ferro e aço. Na indústria petroquímica, hidrogênio verde combinado a fontes limpas de CO2 – derivadas de captura de carbono, por exemplo – podem produzir hidrocarbonetos sintéticos para serem utilizados como matéria-prima química (IRENA, 2020a). O hidrogênio verde também pode ser utilizado para produzir amônia (IRENA, 2020a); gás sintético (syngas) [2] (IRENA, 2020a); e bioquerosene de aviação (ANP, 2020). O Gráfico 5 mostra as possíveis rotas de produção de combustíveis nas quais o hidrogênio verde pode ser empregado.

Gráfico 5 – Utilização de hidrogênio verde para produção de combustíveis diversos

Fonte: Adaptado de IRENA (2020a).

No uso direto de gás natural nos setores industrial e residencial, o hidrogênio verde é uma opção interessante porque se pode reaproveitar a rede existente. A IRENA (2020a) lista três opções para descarbonizar a rede de gás natural:

  1. Substituição do gás natural por biometano ou metano sintético: o biometano é produzido a partir da gaseificação térmica e da digestão anaeróbia. O metano sintético é produzido com hidrogênio verde e CO2 no processo power-to-gas (Gráfico 5 e Gráfico 6). Dado que a composição do metano, bio ou sintético, e do gás natural é quase idêntica, a rede existente já é adequada para transportar esses combustíveis alternativos. Para que esta opção se materialize, entretanto, os custos de produção de hidrogênio verde devem diminuir. Atualmente, os custos do metano sintético são pelo menos três vezes mais elevado que o preço do gás natural para consumidores não-residenciais (na Europa, de acordo com IRENA (2020a));

Gráfico 6 – Processo de conversão de eletricidade em gás (power-to-gas process) [3]

Fonte: adaptado de IRENA (2020a).

  • Misturar hidrogênio no grid de gás natural e extraí-lo a jusante por meio de diferentes processos (adsorção por oscilação de pressão, separação por membrana ou separação eletroquímica (IRENA, 2020a)). Se o grid, contudo, for composto de canos de carbono e aço, a mistura de hidrogênio pode causar fragilização. Isto ocorre porque a molécula de hidrogênio, além de pequena, á altamente reagente, e pode se difundir na estrutura molecular destes materiais (BNEF, 2020b). Entretanto, de acordo com a literatura atual, é possível misturar de 10% a 50% do hidrogênio nas redes de gás existentes sem grandes problemas ou ajustes na infraestrutura de distribuição e em aparelhos eletrodomésticos (Maroufmashat e Fowler, 2017; Melaina et al., 2013; Penev et al., 2016; Qadrdan et al., 2015) apud (IRENA, 2020a);
  • Substituição total do gás natural pelo hidrogênio: para tanto, a rede de distribuição precisa passar por melhorias, como a substituição das tubulações com material resistente ao hidrogênio, como plástico (polietileno). Os aparelhos que utilizam gás natural (ex: boilers) também precisam ser substituídos ou modificados, bem como a infraestrutura de medição.

Uma outra maneira de substituir gás natural por hidrogênio combinaria elementos das opções acima. Um grid adequado ao hidrogênio poderia ser construído enquanto ocorre o retrofit da infraestrutura de gás natural antiga. Os países da América Latina e Caribe já possuem mais de 60 mil quilômetros de dutos de gás natural (Tabela 1), que podem ser atualizados a custos menores que a construção de uma nova infraestrutura de transmissão e distribuição de hidrogênio.

3. Políticas para o desenvolvimento do hidrogênio verde

O desenvolvimento de hidrogênio verde enfrenta diversos desafios, entre os quais se destacam o alto preço de produção, comparado às alternativas fósseis, e as dificuldades relacionadas ao armazenamento, transporte e distribuição. A promulgação de estratégias nacionais de hidrogênio é um passo inicial importante para estimular seu desenvolvimento, pois metas claramente estabelecidas contribuem para a previsibilidade do desenvolvimento. Uma estratégia de desenvolvimento de hidrogênio bem-sucedida deve se concentrar em (BNEF, 2020b; IEA, 2019; IRENA, 2020b):

• priorização de um ou mais setores para o uso de hidrogênio (ex: transporte), ou uma estratégia mais ampla (ex: produção para o mercado local e de exportação);

• estabelecimento de metas (ex: descarbonização do aquecimento em edifícios ou transporte em um determinado período), de forma a reduzir a incerteza, aumentar a confiança do mercado e atrair financiamento e investimento privado;

• apoio a investimentos e pesquisa e desenvolvimento (P&D);

• criação de mandatos e mercados para produtos de baixa emissão que utilizam hidrogênio (ex: caldeiras, veículos elétricos a célula de combustível) ou padrões de emissão de transporte pesado rigorosos que contribuirão para induzir tecnologias de transporte em direção ao hidrogênio;

• fornecimento de incentivos financeiros e subsídios para diminuir os custos de produção e preços ao consumidor, de forma a fomentar a indústria nascente do hidrogênio. Esta estratégia deve ser combinada com a eliminação gradual dos incentivos à medida em que a competitividade seja alcançada;

• promulgação de regulamentação para o desenvolvimento de hidrogênio (ou ajuste da regulamentação que o impede), como a harmonização de padrões que regem o uso de hidrogênio.

De fato, diversos países da América Latina estão preparando estratégias ou projetos-piloto para impulsionar o desenvolvimento do hidrogênio (IEA, 2020). Na Argentina, as energias renováveis ​​e o gás natural estão sendo considerados para a produção de hidrogênio para uso no setor de transporte. Em um projeto piloto, o hidrogênio deverá abastecer ônibus públicos em Buenos Aires (CONICET, 2020; Ministerio de Ciencia Tecnología e Innovación – Argentina, 2020). A Colômbia também está desenvolvendo uma estratégia nacional para o hidrogênio que contempla não apenas a produção de hidrogênio verde, mas também azul (Ministerio de Minas y Energía – Colombia, 2020). A estratégia nacional de hidrogênio no Paraguai visa utilizar a grande capacidade hídrica e o excedente de eletricidade do país para produzir hidrogênio verde (Viceministerio de Minas y Energía – Paraguay, 2020). No Uruguai, um projeto piloto (Proyecto Verne) está estudando o uso do hidrogênio em veículos pesados e o dia 8 de outubro foi estabelecido como o “Dia do Hidrogênio” para aumentar a visibilidade e promover o seu desenvolvimento (ANCAP, 2019). O hidrogênio verde também está sendo buscado para descarbonizar o transporte na Costa Rica (IPHE, 2020). No Brasil, o próximo Plano Nacional de Energia 2050, que traça objetivos de planejamento até meados do século (atualmente em consulta pública), fornece recomendações para o projeto regulatório de desenvolvimento do hidrogênio, incluindo considerações sobre a mistura de hidrogênio em redes de gás natural (EPE, 2020).

O Chile é o único país da América Latina a lançar formalmente uma estratégia nacional para o hidrogênio verde (até dezembro de 2020). O país planeja aproveitar seus vastos recursos de energia renovável não apenas para produzir hidrogênio verde para consumo local, mas também para exportar para todo o mundo. O Chile tem potencial renovável para aumentar sua atual capacidade de geração de eletricidade em 70 vezes. Por exemplo, a região do deserto do Atacama tem a radiação solar mais poderosa do planeta; e o fator de capacidade eólica onshore na região da Patagônia ultrapassa 60%, o que equivale aos fatores de capacidade eólica offshore em outros países (Ministerio de Energía – Gobierno de Chile, 2020).

Espera-se que o hidrogênio verde chileno alcance o menor custo nivelado de produção do mundo até 2030 (Ministerio de Energía – Gobierno de Chile, 2020a), colocando o país em uma posição vantajosa no mercado internacional. Além de produzir o hidrogênio mais barato do mundo, o Chile planeja estar entre os três maiores exportadores de hidrogênio verde até 2040 e ter 5 GW de capacidade de eletrolisadores em desenvolvimento até 2025. As seguintes medidas estão previstas em sua estratégia (Ministerio de Energía – Gobierno de Chile, 2020):

1- Estabelecimento de um fundo de US$ 50 milhões em projetos de hidrogênio verde para incentivar investidores e criar expertise inicial;

2- Priorização de terras públicas com fortes recursos renováveis ​​para o desenvolvimento de projetos de hidrogênio verde;

3- Desenvolvimento da regulamentação necessária para o crescimento do hidrogênio verde, incluindo a revisão da regulamentação do gás natural para promover a mistura do hidrogênio verde na rede de gás;

4- Desenho e implementação de mecanismos de cotas para aumentar a demanda (semelhantes às políticas aprovadas para promover o desenvolvimento das energias renováveis);

5- Substituição de combustíveis fósseis e hidrogênio cinza em empresas públicas;

6- Discussão e implementação de preços de carbono e outros impostos;

7- Promoção da capacitação e transferência de conhecimento, incluindo capital humano;

8- Envolvimento das comunidades e grupos de interesse locais visando à valorização dos fornecedores locais, entre outros objetivos;

9- Envolvimento de todos os stakeholders relevantes: instituições de tecnologia, academia, grandes consumidores, investidores financeiros, fornecedores de energia elétrica, entre outros.

O hidrogênio verde é um combustível limpo que poderá contribuir para a descarbonização nos países latino-americanos. A infraestrutura de gás natural existente no continente poderá ser um ativo na transição para a economia do hidrogênio. Ademais, assim como o gás natural, o hidrogênio pode ser armazenado sazonalmente, além de poder ser produzido com energia renovável excedente. Dado que os países da América Latina e Caribe estão atualmente desenvolvendo roteiros e estratégias, este é o momento de refletir sobre como o reaproveitamento da infraestrutura de gás natural existente pode contribuir para o desenvolvimento da economia do hidrogênio na região.

Destaca-se que o hidrogênio não é, entretanto, a única opção disponível para descarbonizar setores difíceis de abater. Os biocombustíveis, tecnologia madura no Brasil, são outra opção para substituir os combustíveis fósseis no transporte pesado. Dada a urgência de mitigar os impactos das mudanças climáticas, todas as alternativas devem ser consideradas. O sucesso dependerá das características locais, como disponibilidade de recursos, planejamento robusto e compromissos claros.

Notas

[1] De acordo com diversas fontes, é possível misturar de 10% a 50% de hidrogênio nas redes de gás natural existentes (Maroufmashat and Fowler, 2017; Melaina et al., 2013; Penev et al., 2016; Qadrdan et al., 2015) apud (IRENA, 2020a).

[2] Syngas é uma mistura de gás combustível que consiste principalmente de hidrogênio, monóxido de carbono e, muitas vezes, um pouco de CO2.

[3] Atribuição dos ícones do gráfico: eletrolisador – Freepik, botijão de gás – Smashicons, central elétrica – wanicon, aquecedor – Pixel perfect (www.flaticon.com).


Este estudo foi parte do projeto Oportunidades para una recuperación post pandemia más sostenible y de bajo carbono en América Latina y el Caribe: Transición Energética en ALC da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (CEPAL).

Referências

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Sugestão de citação: GROTTERA, C.; SILVA, T. B. (2021). Perspectivas para aplicação do hidrogênio verde na descarbonização da América Latina e Caribe. Ensaio Energético, 22 de março, 2021.

Autora do Ensaio Energético. Professora adjunta do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui doutorado em Planejamento Energético com ênfase em Planejamento Ambiental pelo Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ, mestrado pela mesma instituição e bacharelado em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Tatiana Bruce da Silva

Economista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestre em Administração Pública pela University of Pennsylvania. Atualmente cursa doutorado em Sistemas Sustentáveis de Energia no Instituto Superior Técnico, na Universidade de Lisboa. Sua pesquisa engloba descarbonização e transição energética, com ênfase no setor de transportes.

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10 meses atrás

[…] [1] Para discussão das diferentes rotas de produção do hidrogênio e possibilidades de consumo para o Brasil, conferir EPE (2021), CNI (2022), BNDES (2022) e os artigos no Ensaio Energético de Campos, Leão & Amorim (2021) e Grottera & Silva (2021). […]

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3 meses atrás

[…] também pode ser utilizado para produzir amônia (IRENA, 2020a); gás sintético (syngas) [2] (IRENA, 2020a); e bioquerosene de aviação (ANP, 2020). O Gráfico 5 mostra as possíveis […]

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