Em meio à necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) do setor energético ressurge o tema controverso da geração de energia termonuclear. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), a energia nuclear como fonte de baixo carbono pode desempenhar um papel fundamental na transição energética.
Outros governos e instituições concordam com a visão da IAEA de que a descarbonização da geração de energia está ligada a geração nuclear. De acordo com o relatório recente da Agência Internacional de Energia (IEA) sobre os caminhos para um mundo Net Zero em 2050, em um cenário de emissões líquidas nulas a oferta de energia a partir da fonte nuclear quase dobra entre 2020 e 2050.
Essa expansão deve acontecer de formas diferentes em cada região. Enquanto alguns países tendem a investir na extensão da vida útil de seus reatores, outros devem desenvolver seus programas nucleares focados em pequenos reatores modulares (SMRs – small modular reactors). Essa tecnologia tem chamado atenção por ter custos e tempo de construção menores do que as usinas nucleares convencionais, que são marcadas por um histórico de atrasos e sobrecustos.
Dentre os países que tem apostado na tecnologia SMRs para fornecer energia às atividades econômicas e combater as mudanças climáticas está o Reino Unido que iniciou programa piloto de SMRs previsto para o começo de 2030. A justificativa do governo britânico é que à medida que as renováveis solar e eólica ganhem espaço na matriz elétrica, elas precisarão de uma fonte de baixo carbono para atuar como energia de base.
Os Estados Unidos seguem o mesmo caminho. Uma das prioridades na pauta do presidente Joe Biden é a descarbonização do setor energético, começando com o desenvolvimento de um sistema elétrico livre de emissões até 2035. A alternativa que tem sido considerada para a reformulação da matriz energética dos Estados Unidos é justamente a velha conhecida nuclear, porém repaginada pelos SMRs.
A IAEA define os pequenos reatores modulares como reatores avançados de até 300 MW por módulo. Seu design os permite que sejam produzidos externamente às usinas, em unidades de fabricação, para posterior transporte e acoplamento nas usinas de geração, onde podem ser instalados tanto individualmente, quanto em um conjunto de módulos. O conceito é novo para o uso estacionário de energia nuclear, e conta com 4 plantas em estágio avançado de construção e cerca de 50 projetos em desenvolvimento em todo o mundo.
Se as grandes usinas nucleares já possuem altíssimo custo, é intuitivo pensar que essas de tamanho reduzido terão um custo unitário ainda maior. Contudo, em vez das economias de escala dos grandes projetos, há um potencial que as SMRs alcancem a “economia dos múltiplos”. Isso ocorre pela padronização dos reatores, que possibilita que eles sejam pré-fabricados e adequados para projetos diversos. Neste caso as economias decorrem dos efeitos de aprendizado, o famoso “learning by doing” com a produção de múltiplos equipamentos iguais.
Além de possíveis economias devido à modularização, espera-se que a adoção de SMRs também resulte em uma redução de custos em função do menor tempo de construção. Os grandes projetos nucleares têm longo tempo de construção que muitas vezes é prolongado devido a atrasos. Esse é o caso de Angra 3, por exemplo, que já se arrasta há quase 40 anos com um gasto de R$ 7,8 bilhões e expectativa de outros R$ 15 bilhões para ser concluída.
Neste sentido, a atratividade dos SMRs é que o menor tempo de construção também possibilita uma antecipação da partida da planta, o que significa recuperar o capital investido mais rapidamente. E, claro, uma planta menor reduz o risco do financiamento, devido ao montante de capital necessário ser também menor.
Ainda assim, investir em geração nuclear acarreta uma série de discussões sobre segurança. Essas questões tendem a ser menores no caso dos SMRs devido, em grande parte, à menor quantidade de combustível utilizado e à pressão de operação mais baixa. Por outro lado, ao que parece, os riscos decorrentes da manipulação de material radioativo e do descarte dos resíduos, que podem trazer danos aos trabalhadores e à sociedade em geral permanecem com os SMRs.
Por mais que o volume dos resíduos com alta radioatividade resultante de plantas nucleares seja pequeno, ainda não foi definido um destino adequado para eles. Alguns estudos recomendam que seja feito o acompanhamento do resíduo radioativo por até dezenas de milhares de anos. Esse custo e consequências não estão incorporados à tarifa de energia, mas deverão ser administrados pelas gerações futuras.
A escala da transição energética atual é enorme. Com o intuito de manter o padrão de consumo energético mundial, muitas plantas e equipamentos de baixo carbono precisam entrar em operação. Essa corrida para o desenvolvimento de tecnologias de baixas emissões de carbono é muito positiva para lidar com a questão de mudanças climáticas. No entanto, apesar de urgente, as mudanças climáticas não são a única preocupação relacionada ao meio ambiente em que vivemos. As pesquisas em tecnologia e inovação de baixo carbono devem vir acompanhadas também de esforços para entender as consequências do uso dessas novas tecnologias, tanto no que diz respeito à demanda de insumos quanto ao descarte de rejeitos. O que pode parecer pouco quando consideramos uma única planta, pode se tornar enorme ao tomar a escala da transição energética.
Referências
https://www.iaea.org/topics/small-modular-reactors
https://www.iaea.org/publications/13404/deployment-indicators-for-small-modular-reactors
https://www.ft.com/content/99307126-bb21-48e3-87aa-301749dec870
https://www.ft.com/content/a64cd0e7-e49e-4f4d-bfdf-b6f9ac972188
Gabriela Nascimento da Silva
Doutoranda no Programa de Planejamento Energético (PPE) da COPPE/UFRJ e mestre pela mesma instituição. Formada em Engenharia Química pela UFF e pesquisadora no Cenergia Lab (COPPE/UFRJ). Também desenvolve trabalhos de consultoria em hidrogênio no KfW Bankengruppe. Atuou como consultora de energia na Escopo Energia e trabalhou por mais de três anos na Indústria Química, na Braskem e na Infineum.
Letícia Lorentz
Consultora na Escopo Energia, mestranda em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ, pós-graduanda em Gestão Sustentável de Energia pela mesma instituição, e Engenheira Eletricista formada pela Universidade Veiga de Almeida. Desenvolve pesquisa na área de energia com foco nos temas de bioenergia, modelagem integrada, eficiência energética, e transição energética.
[…] podem se beneficiar num futuro das economias de aprendizado, ou seja, o “learning by doing” ( Silva e Lorentz, 2021), […]