Ensaio Energético

O que esperar da institucionalidade e a transição energética na Colômbia?

No novo governo da Colômbia, liderado por Gustavo Petro desde 07 de agosto de 2022, a agenda energética tem sido uma das pautas mais relevantes. Com a voz da Irene Vélez, chefe da pasta de Minas e Energia, as diretrizes da política são acelerar a transição energética justa, que procura garantir a soberania energética, o acesso democrático à energia e ações para enfrentar as mudanças climáticas. O governo propôs consolidar um documento sobre a Rota da Transição Energética no dia 10 de Maio de 2023, mas este prazo não foi cumprido e o novo cronograma propõe terminar em Fevereiro de 2024. Paralelamente, o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) 2022-2026 aprovado, incorporou diversos artigos relacionados com energia, sendo o projeto de comunidades energéticas o de maior destaque.

Se por um lado o caminho da transição energética justa da Colômbia considera princípios convenientes como o de equidade e participação social, refletido na promoção de comunidades energéticas e na construção de bases de política considerando a perspectiva étnica e territorial, por outro também deixa interrogações devido à falta de sinais claros nas políticas públicas. Além disso, as declarações do governo têm gerado expectativas, especialmente com a procura do Presidente Petro por retomar as funções da Comissão de Regulação de Energia e Gás (CREG) e controlar os preços dos serviços energéticos.

 

1. Expectativas na Política Energética

Entre as iniciativas estratégicas propostas pelo governo podem ser referenciadas duas: a promoção de comunidades energéticas e a expansão das fontes não convencionais de energia renovável.

 

1.1 Comunidades energéticas

A promoção de comunidades energéticas é um dos projetos estratégicos propostos pelo governo. Segundo o PND, as comunidades energéticas podem ser constituídas por pessoas físicas ou jurídicas para gerar e comercializar a energia a partir de fontes não convencionais de energia renovável. Comunidades étnicas, negras e camponeses poderão acessar recursos públicos para esse tipo de projetos.

O conceito de energia comunitária refere-se à implementação de projetos de fontes de energia renovável, iniciativas de redução da demanda de energia e produção energética em uma escala pequena e local. Essas ações podem ser administradas pela comunidade ou por meio de parcerias com instituições públicas ou privadas (Lorenzo et al., 2022).

A criação de comunidades energéticas é uma forma de aproveitar os recursos renováveis locais disponíveis, garantir o acesso aos serviços energéticos a preços acessíveis e permitir a participação ativa da sociedade na transição energética. No entanto, a sua implementação implica em desafios técnicos, econômicos e sociais. Na Colômbia, é preciso definir um esquema regulatório para a operação dessas comunidades de forma a reduzir a incerteza pela falta de uma normativa. É preciso avaliar os riscos técnicos e econômicos no uso de tecnologias inovadoras e estimar os seus impactos no médio e longo prazo. Entres os desafios econômicos está o acesso aos financiamentos, considerando que os recursos públicos para este tipo de projetos estarão focalizados apenas para algumas comunidades e não há uma definição sobre as possibilidades de propriedade desse tipo de sistema. Segundo a experiência dos países europeus, os desafios sociais são a falta de interesse e confiança dos consumidores, falta de tempo e recursos e falta de conhecimentos.

 

1.2 Expansão do uso de fontes não convencionais de energias renováveis

O governo pretende aumentar a participação das fontes não convencionais de energias renováveis na matriz de geração elétrica, mas ainda não definiu uma porcentagem a alcançar. As diretrizes consolidadas até agora estão no Plano Nacional de Desenvolvimento 2022-2026, que deixa interrogações relacionadas ao desenvolvimento desse tipo de tecnologia. Um dos artigos aprovados no PND definiu que plantas novas de geração de energia não convencionais localizadas em áreas de maior radiação solar e com maior velocidade média de vento devem transferir aos municípios de influência direta do projeto 6% das vendas brutas de energia, cujo aumento iniciará de forma gradual após dois anos de vigência da lei. Para plantas em operação, a porcentagem será de 4%. Antes, estes projetos deviam pagar 1% das vendas brutas, sendo um incentivo na adoção deste tipo de tecnologias. Além disso, foi eliminada a isenção de impostos sobre a venda de paneis solares. A retirada desses incentivos é um sinal contraditório para a expansão das fontes não convencionais de energias renováveis.

 

2. A dinâmica institucional

O Presidente Gustavo Petro emitiu o Decreto 0227 em 16 de fevereiro de 2023 por meio do qual retomaria algumas das funções do órgão regulador, CREG, e da comissão reguladora de água e saneamento durante três meses. O decreto definiu que o Presidente assumiria as funções dos órgãos reguladores de serviços públicos, incluindo o estabelecimento de metodologias tarifarias. As reguladoras somente atenderiam temas concretos, referentes às empresas do setor. A motivação desta decisão estaria relacionada com o controle de preços dos serviços de eletricidade e gás.

A medida gerou desconfiança no setor porque os investimentos realizados e projetados consideraram um esquema regulatório, que mudaria quando o Presidente assumisse o controle da CREG. Embora esse controle fosse temporário, desde a constituição da CREG não houve intervenção do governo nas funções do regulador.

A Comissão de Regulação de Energia e Gás (CREG) foi criada pelas Leis 142 e 143 de 1994 após os apagões que experimentou o país entre março de 1992 e abril de 1993. Com estas leis, o setor elétrico colombiano foi reestruturado e o esquema institucional e industrial foi reorganizado. Entre outras mudanças, a lei ditou que a CREG devia criar as condições para uma oferta energética eficiente capaz de abastecer a demanda e definir e regular a metodologia de cálculo das tarifas de energia.

A CREG é uma unidade administrativa especial do Ministério de Minas e Energia, que está integrada pelo Ministro de Minas e Energia, o Ministro de Fazenda Pública, o Diretor do Departamento Nacional de Planejamento e por 6 especialistas em assuntos energéticos de dedicação exclusiva, nomeados pelo Presidente da República para períodos de 4 anos.

Enquanto foi publicado o Decreto do Presidente para retomar o controle da CREG, somente havia dois especialistas na comissão o que significou a falta de quórum para o desenvolvimento da agenda regulatória. A eleição de uma especialista foi suspensa, dois especialistas pediram demissão, outro especialista cumpriu o período de trabalho e, em breve, o atual diretor da CREG, José Fernando Prada, vai terminar o tempo regulamentário de nomeação.

No início do mês de abril o Presidente escolheu provisionalmente quatro comissionados do órgão regulador. Porém, esta eleição provisional poderia ser uma trava institucional para a tomada de decisões de longo prazo além desses novos comissionados representarem uma maioria alinhada com o governo.

O dia 02 de março de 2023 o decreto presidencial foi suspenso provisionalmente pelo Conselho de Estado diante de uma demanda apresentada. Um dos argumentos jurídicos expostos contra o Decreto indicaram que o Presidente assumiu todas as funções das comissões reguladoras sem considerar que algumas são delegadas pelo Congresso a esses órgãos através da Constituição Política, especialmente a regulação do regime tarifário. Ou seja, o Presidente carece de competências para retomar funções com a finalidade de definir um regime tarifário de serviços públicos domiciliários.

3. Conclusões

A participação social para definir políticas energéticas é importante para o desenvolvimento e expansão de projetos de grande e pequena escala no país. O Plano Nacional de Desenvolvimento e a construção da Rota da Transição Energética tem considerado a visão das comunidades dos territórios da Colômbia, mas ainda não é claro se serão apresentados outros mecanismos de participação das comunidades no setor. As comunidades energéticas podem ser consideradas um mecanismo de vinculação social ativa no setor, que precisa de estruturas políticas e regulatórias claras, redes de apoio e parcerias, recursos financeiros e incentivos econômicos para o seu desenvolvimento.

Algumas das políticas apresentadas pelo governo não estão articuladas com a ideia de acelerar a transição energética. O cenário é de incerteza pela falta de sinais claros para avançar no objetivo proposto. Ademais, a intervenção do governo na toma de decisões regulatórias pode afetar os futuros investimentos por conta da instabilidade institucional.

 

Referências

Lorenzo, G., Stracqualursi, E., Micheli, L. Martirano, L., Araneo, R. (2022). Challenges in Energy Communities: State of the Art and Future Perspectives. Energies 2022, 15, 7384.

Departamento Nacional de Planeación. (2023) Plan Nacional de Desarrollo 2022-2026: Colombia potencial mundial de la vida. Disponível em: https://colaboracion.dnp.gov.co/CDT/portalDNP/PND-2023/2023-05-05-texto-conciliado-PND.pdf

Ministerio de Minas y Energía. (2022). Diálogo social para definir la hoja de ruta de la transición energética justa en Colombia. Disponível em: https://www.minenergia.gov.co/documents/9497/HojaRutaTransicionEnergeticaJustaColombia.pdf

 

Autora do Ensaio Energético. Economista e mestre em Economia pela Universidade Nacional de Colômbia, sede Medellin, doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense e membro do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

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