Ensaio Energético

Assimetria na transmissão de preços do diesel no Brasil: analisando os fenômenos foguetes e penas e rochas e balões

1. Introdução

O petróleo e seus derivados ocupam uma posição de destaque nas matrizes energéticas mundiais, visto que são essenciais para o abastecimento de energia que garante o funcionamento das sociedades e da organização econômica. Desse modo, são utilizados em larga escala como fonte de energia. No Brasil, o uso de petróleo e seus derivados, em especial o diesel, é intensificado em virtude de suas dimensões continentais e pela razão do modal rodoviário ser o principal meio de deslocamento de cargas, realizado por empresas transportadoras e caminhoneiros autônomos. Assim, o processo de precificação dos derivados torna-se relevante, pelo fato de impactar diretamente no bem-estar da sociedade, uma vez que abrange decisões de governo, empresas e famílias.

No tocante ao governo, este deve olhar com atenção para a questão da precificação dos derivados por causa do seu peso na composição dos índices de inflação. Em relação às empresas, os preços dos combustíveis exercem influência direta e indireta nos custos, principalmente na questão do escoamento dos produtos. Em relação aos consumidores, tem-se que estes se defrontam com restrições orçamentárias e uma parcela significativa dos seus recursos financeiros são direcionadas ao consumo de combustíveis (Uchôa, 2016).

Nessa perspectiva, cabe destacar a implementação, em outubro de 2016, da nova estratégia de precificação de combustíveis nas refinarias da Petrobras, que teve como principal desdobramento elevações frequentes nos preços dos combustíveis, promovendo assim a greve dos caminhoneiros em maio de 2018. O entendimento do grande público era de que as elevações nos preços das refinarias chegavam de forma mais rápida ao preço na bomba, por sua vez as reduções eram menos depreendidas pelos consumidores.  

É imperativo enfatizar o efeito desestruturante da combinação de volatilidade e da tendência de alta de preços, como ocorreu nos meses que antecederam a greve. A frequência e as oscilações do preço do diesel impulsionaram um desequilíbrio no setor de transportes rodoviários, o que impactou negativamente na produção, na distribuição de bens e na prestação de serviços.

O excesso de oferta de frete e os consecutivos aumentos no preço do diesel, que em menos de uma semana acumulou um aumento de 5,85% no preço comercializado pela Petrobras em suas refinarias, propiciaram a greve dos caminhoneiros que durou 11 dias. Após esta greve, o governo brasileiro adotou um conjunto de medidas, dentre elas o programa de subvenção ao preço do diesel, reduções tributárias para assegurar uma redução de R$ 0,46 no preço do diesel e a criação de uma tabela mínima para o preço do frete rodoviário de carga (Rodrigues e Losekann, 2018a).

Diante do exposto, torna-se relevante compreender a dinâmica do repasse do preço do diesel ao longo da cadeia de comercialização (da distribuição para o posto de combustível) e nos elos posteriores (do posto de combustível para o preço do frete rodoviário de carga), sobretudo analisando o período da nova estratégia de preços da Petrobras. Desse modo, o presente artigo pretende contribuir para o melhor entendimento da formação de Assimetria na Transmissão de Preços (ATP) do diesel no Brasil.

2. Mercado de combustíveis no Brasil

A cadeia produtiva de combustíveis líquidos, que vai desde a produção de petróleo até o consumidor final, está apresentada na Figura 1. Nota-se, que a composição do preço final envolve outros fatores além do preço dos combustíveis na refinaria. O processo de repasse é influenciado pelas margens das atividades ao longo da cadeia produtiva, pelos preços dos biocombustíveis presentes na composição final dos derivados, além dos tributos (Rodrigues e Losekann, 2018b).

Figura 1: Cadeia produtiva dos combustíveis líquidos

Fonte: Rodrigues e Losekann (2018b).

As particularidades do mercado de combustíveis nacional podem conduzir a intensificação da ATP. No segmento de refino, há um monopólio de facto por parte da Petrobras, pois das 16 refinarias de petróleo ativas 14 são operadas pela empresa. Além disso, a estatal possui uma parcela de 98% da capacidade de refino no mercado nacional. Dessa forma, a estratégia de preços da Petrobras acaba sendo a que prevalece no mercado de combustíveis.

No setor de distribuição, a flexibilização da entrada, embora tenha promovido um aumento no número de distribuidoras (157 em 2019), não resultou em uma significativa concorrência no setor, pelo contrário, existe concentração de mercado, sendo este dominado por poucas empresas. Em relação ao óleo diesel, a BR Distribuidora possui 29,78% do mercado, enquanto a Raízen detém 21,82% e a Ipiranga, 19,88% (ANP, 2019a). Tais empresas são as três maiores distribuidoras de combustíveis do país.

O setor de revenda de combustíveis no varejo é mais pulverizado e a concentração é menor: dos 40.524 postos, 44,6% destes são de bandeira branca[1], 17,5% da BR Distribuidora, 13,7% da Ipiranga e 12,4% da Raízen (ANP, 2019a). Além disso, há práticas de restrição vertical com as distribuidoras através de fidelização (bandeiras). Sendo assim, a cadeia final de comercialização dos combustíveis é influenciada pela relação entre as distribuidoras e os revendedores varejistas, pois grande parte dos postos de abastecimento estão relacionados a distribuidoras através de contratos de exclusividade. Dessa forma, o nível de concorrência no setor de distribuição impacta expressivamente no grau de concorrência do setor de varejo.

2.1. Estratégia de preços da Petrobras

A partir de janeiro de 2002, após a desregulamentação da cadeia de downstream, foram liberalizados os preços dos combustíveis no Brasil. Formalmente, os preços dos combustíveis são livres e não há lei que permita ao governo determinar diretamente os preços.

Em outubro de 2016 a Petrobras anunciou sua nova estratégia de preços para gasolina e diesel comercializados nas suas refinarias, tendo como objetivo o alinhamento de curto prazo dos preços domésticos aos internacionais, com base em reajustes mensais. A nova política tinha por objetivo recuperar as finanças da Petrobras, dar maior flexibilidade aos preços e atrair novas empresas para atuarem no segmento de refino.[2] Antes da instituição da nova estratégia de preços, existia certa estabilidade nos preços dos derivados do petróleo e os reajustes eram pouco frequentes. A partir de julho de 2017, os reajustes nos preços da gasolina e do diesel se intensificaram, tornando-se quase diários. O Gráfico 1 apresenta a evolução do preço médio do diesel, praticado pelas refinarias, e o preço de referência internacional na última década.

O histórico de controle dos preços dos derivados de petróleo pelo governo brasileiro propiciou um descompasso entre o preço de realização nas refinarias e os preços praticados no mercado externo, como poder ser visto no Gráfico 1. Entre 2011 e 2014, o governo conseguiu preservar o preço doméstico do diesel praticamente estável por meio de intervenção direta na definição de preços da Petrobras, ao passo que os preços internacionais aumentavam rapidamente. O descompasso dos preços estimulou o crescimento da demanda por diesel e afetou a rentabilidade da Petrobras (Almeida, Oliveira e Losekann, 2015). Todavia, a partir de julho de 2017, com a vigência da nova estratégia de preços da Petrobras, observa-se o alinhamento entre o preço nacional e o preço internacional.

Gráfico 1: Relação entre o preço do óleo diesel no mercado spot dos Estados Unidos e preço do óleo diesel S10 no produtor no Brasil

Fonte: Elaboração própria com dados do MME (2019) e IEA (2019).

A questão do repasse, ou seja, de como o preço do diesel é transmitido ao longo da cadeia de comercialização é um ponto de suma importância. Tem-se percebido momentos em que há um descolamento entre estes preços na cadeia produtiva e os preços finais (na bomba) variam com maior intensidade que no refino e o contrário, no caso em que o preço final não transmite toda a variação do preço no refino. Por meio do Gráfico 2 pode-se observar que não existe um alinhamento bem determinado do preço do diesel no produtor (refinarias) e na revenda (postos de abastecimento). Sendo assim, existem períodos em que o repasse acontece de forma quase imediata nos postos revendedores e períodos que o repasse é mais demorado ou incompleto.

Gráfico 2: Variações mensais dos preços médios do óleo diesel nas refinarias e nos postos revendedores (R$/litro – preços correntes)

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP (2019b).

Por fim, há indicações que os impactos mais sensíveis no caso do diesel ocorrem nos encadeamentos posteriores à cadeia produtiva (frete rodoviário de carga), onde há rigidez para o repasse. Além disso, é importante mencionar que, uma diferença do diesel em relação aos outros derivados do petróleo é que o diesel entra na cadeia produtiva e em outros elos. No caso dos caminhoneiros, o preço do diesel entra na composição do frete rodoviário, e com isso, surge a questão do repasse do preço do diesel para o custo do frete.

3. Mercado de frete rodoviário de carga no Brasil

A greve dos caminhoneiros desencadeou uma crise no setor de transporte rodoviário, que já vinha enfrentando uma contração da demanda devido à desaceleração da atividade econômica e sofrendo os reflexos negativos dos incentivos dados pelo governo ao financiamento de caminhões, o que conduziu a um aumento da frota circulante, promovendo uma sobre capacidade no mercado e a diminuição da contratação de fretes rodoviários. Entre 2010 e 2018, foram licenciados mais de 956 mil novos caminhões. A aquisição de novos caminhões aumentou a frota circulante, que em 2017 totalizou 2 milhões, um aumento de 30% em relação a frota registrada em 2010 (ANFAVEA, 2018).

Nesse cenário, o governo federal implementou a Política Nacional de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, que estabeleceu a isenção da cobrança de pedágio pelo eixo suspenso, a reserva de 30% do frete da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para os caminhoneiros autônomos e a criação de uma tabela mínima para o preço do frete rodoviário. Esta última, tinha por finalidade proporcionar melhores condições à realização de fretes e apropriada redistribuição do serviço oferecido em território nacional. Além disso, para calcular o frete considera-se o preço do diesel, o valor por quilômetro rodado e tipos de carga, e os pedágios (Caixeta Filho e Perá, 2018; Péra, Rocha, Silva Neto e Caixeta-Filho, 2018; Oliveira e Pereira, 2018).

A estrutura do mercado de frete rodoviário de cargas é determinada pelos ofertantes e demandantes dos serviços de transportes. Os donos da carga (embarcadores) demandam serviços a partir de três modalidades de transportes: i) transportadoras frotistas (são empresas transportadoras que têm frota própria); ii) transportadoras com agregados (são empresas que têm frota própria e contratam caminhoneiros autônomos); e iii) agenciadores (são empresas que não têm frota própria e contratam caminhoneiros autônomos, neste caso, tais motoristas dependem das transportadoras para terem acesso à demanda por fretes) (Péra, Rocha, Silva Neto e Caixeta-Filho, 2018).

Cabe destacar que, a formação do preço do frete rodoviário de cargas é definida pelo equilíbrio entre a oferta e a demanda dos serviços de transporte, e não através da estrutura de custos de transportes (custo fixo, custo variável e produtividade operacional). Desse modo, o mercado de frete para produtos que têm baixo valor agregado, como grãos, tendem para um mercado que opera em concorrência perfeita devido às suas características, a saber: produto homogêneo, livre entrada e saída dos agentes no mercado de frete e grande número de ofertantes e demandantes de serviços de transporte. 

A literatura especializada (Caixeta Filho e Perá, 2018; Péra, Rocha, Silva Neto e Caixeta-Filho, 2018; Oliveira e Pereira, 2018) aponta que a formação do preço do frete é uma tarefa complexa, pois envolvem outros fatores além dos custos relativos à atividade. Dessa forma, os referidos autores enumeram algumas variáveis que influenciam no comportamento do preço do frete, como segue: distância percorrida, especificidade e quantidade da carga transportada, sazonalidade da demanda por transporte, concorrência e complementaridade de outras modalidades de transporte, possibilidade de carga de retorno, perdas e avarias, pedágios e fiscalizações, prazo de entrega da carga e aspectos geográficos.

Segundo a Confederação Nacional do Transporte (2019), embora existam diversos fatores que possam influenciar na formação do preço do frete rodoviário, o preço do diesel é o custo mais expressivo, representando 35% do custo do transporte de carga. Desse modo, impacta diretamente nas cadeias produtivas. Além disso, quanto maior o preço do diesel maior será o preço do frete rodoviário de carga.

Vale enfatizar que, esse repasse ocorre de modo diferente entre as empresas transportadoras e os caminhoneiros autônomos. Visto que, as transportadoras estabelecem contratos formais, assim o aumento no preço do diesel é repassado de forma automática para o preço do frete. Por sua vez, os caminhoneiros autônomos não conseguem repassar o reajuste no preço do diesel para os donos das cargas, pois não têm contrato formal, e acabam assimilando a elevação do custo na sua estrutura. Ademais, o preço do frete praticado no mercado é muito sensível ao aumento nos preços dos combustíveis, pois isto aumenta significativamente a concorrência e diminui a margem de lucro da atividade.

4. Assimetria na Transmissão de Preços

A transmissão de preços ao longo da cadeia produtiva é um tema amplamente discutido na literatura e presente nos estudos de vários tipos de mercados e produtos. De modo geral, a transmissão assimétrica de preços é o fenômeno que explica a “discrepância de ajustamento dos preços de um determinado mercado entre a redução e aumento de preços” (Silva, Vasconcelos, Vasconcelos & Mattos, 2011). De outro modo, a ATP é o processo pelo qual acréscimos ou decréscimos de preços são transmitidos de forma diferenciada por cada elo de uma cadeia produtiva. Peltzman (2000) enfatiza que a cada três mercados, em dois deles os preços dos produtos se elevam mais rapidamente do que diminuem, sendo este fenômeno comumente encontrado nos setores agrícolas e de alimentos. Além disso, a presença de ATP pode ser identificada nos mercados de petróleo e combustíveis (Bacon, 1991; Silva, Vasconcelos, Vasconcelos & Mattos, 2011).

Meyer e Von Cramon-Taubadel (2004) corroboram que a existência de assimetria aponta para lacunas na teoria econômica devido às suas implicações no bem-estar social e nas políticas econômicas. Nessa circunstância, na transmissão assimétrica de preços, um determinado grupo não está sendo beneficiado pela redução de preços (vendedores) ou por um aumento de preços (compradores), se comparado ao caso de simetria. Assim, a assimetria mostra uma distribuição de bem-estar diferente da obtida em um contexto de simetria, pois altera o tempo de resposta e o tamanho do excedente associado às mudanças de preços.

Ainda de acordo com os autores, a ATP pode ser classificada segundo três critérios diferentes: i) vertical ou espacial; ii) de magnitude e velocidade; e iii) positiva e negativa. Para estas definições considera-se dois preços: um de atacado e outro de varejo, em que o preço de varejo depende do preço de atacado. A assimetria vertical pode ser vista pela diferente forma como os preços de um mercado final respondem a uma elevação ou uma redução de preços nos seus insumos. Enquanto que a assimetria espacial é identificada pela diferença entre ajustes positivos e negativos de um dado mercado de uma região a choques do mesmo mercado em uma região vizinha (Rodrigues e Losekann, 2018b; Silva, Vasconcelos, Vasconcelos & Mattos, 2011).

A assimetria de magnitude é determinada como a divergência da magnitude dos ajustes dos preços finais em resposta a um aumento ou redução dos preços no atacado. Já a assimetria de velocidade diz respeito a tempos de resposta diferentes para ajustes positivos e negativos dos preços (Rodrigues e Losekann, 2018b). Além disso, cabe destacar que, a assimetria positiva e negativa, são decorrentes das assimetrias de magnitude e velocidade. Assim, no caso da assimetria positiva, o preço de varejo responde em maior intensidade e mais rápido a aumentos no preço do atacado do que em relação a reduções. Enquanto que na assimetria negativa, o preço do varejo responde em maior intensidade e mais rápido a reduções no preço de atacado.

O mercado de combustíveis é uma referência usual quando se trata de assimetria na transmissão de preços. Sendo assim, Bacon (1991) e Tappata (2009) relacionaram a ATP positiva com o fenômeno “foguetes” e “penas”, visto que em resposta a um aumento do preço na refinaria, os preços sobem como um foguete nos postos de combustíveis e em resposta a uma redução do preço na refinaria, os preços caem como uma pena.   Por sua vez, Bremmer e Kesselring (2016) fizeram um paralelo entre a ATP negativa e o fenômeno “rochas” e “balões”, pois quando o preço do diesel cai na bomba, o preço do frete começa a cair mais rápido, como uma rocha, ao mesmo tempo que, quando o preço do diesel sobe na bomba, o preço do frete sobe pouco, como um balão.

Nesse momento, vale ressaltar que, no caso do diesel, o processo de assimetria na transmissão de preços ocorre em dois elos importantes: ao longo da cadeia de comercialização do diesel, em que pode-se observar o fenômeno “foguetes” e “penas”, e do preço final do diesel para o frete rodoviário de carga, onde pode-se identificar o fenômeno “rochas” e “balões”.   

De forma geral, a ATP advém de fatores relacionados a mercados imperfeitamente competitivos. Dentre eles, pode-se citar: i) as diferentes lucratividades de um setor; ii) o gerenciamento de estoques; iii) as questões institucionais, tais como intervenções governamentais (subsídios e cotas comerciais), regulamentação e carga tributária.

Segundo Bedrosian e Moschos (1988), as diferentes lucratividades dentro de um mesmo setor contribuem para a ocorrência de ATP. Assim, uma empresa lucrativa tem maior facilidade em incorrer no risco de adiar uma diminuição de preço após um declínio nos preços dos insumos do que uma empresa com menor rentabilidade, visto que as maiores margens de lucro possibilitam assumir um risco maior nas estratégias de definição de preços. Além disso, elevado poder de mercado possibilita maior capacidade de assumir riscos ao adiar ajustes de preços (Silva, Vasconcelos, Vasconcelos & Mattos, 2011).

Outro aspecto relevante diz respeito ao comportamento do consumidor e a dinâmica dos estoques dos postos de combustíveis, porque quando o consumidor tem a percepção de que os preços dos combustíveis irão aumentar, este adquiri mais combustível do que de costume. Esse aumento da demanda diminui os estoques dos postos de abastecimento, e os varejistas tem que reabastecer os estoques mais rápido do que planejava, assimilando rapidamente os aumentos de preço do atacado. Quando os consumidores percebem que o preço irá se reduzir eles retornam para o padrão de consumo normal. Dessa forma, os estoques duram mais, e o varejista tem um tempo maior para adquirir o combustível das distribuidoras com um preço menor (Rodrigues e Losekann, 2018b).

Outros fatores que podem motivar a ocorrência de transmissões assimétricas de preços são os aspectos institucionais e regulatórios de um dado mercado. Como exemplos, pode-se citar o caso das diferentes alíquotas de ICMS praticadas pelos Estados e a obrigatoriedade da adição de biodiesel ao diesel. Dessa forma, quanto maior a distância entre as distribuidoras e os produtores de biodiesel, maiores serão os custos de transporte, intensificando, assim, as assimetrias. Além disso, para Rodrigues e Losekann (2018b), uma nova regulamentação, que cria um novo mercado, pode gerar novas fricções no mercado, que são os custos de transação. Com custos diferenciais de transação, os agentes que incorrem em custos mais altos pagam desproporcionalmente mais que os agentes com custos mais baixos, provocando uma realocação do bem-estar.

Por fim, no Brasil existem dois fatores institucionais que contribuem para a presença de assimetria na transmissão de preço (ATP) no mercado de combustíveis automotivos, a saber: mandatos obrigatórios e estrutura tributária. O primeiro é a questão do biodiesel, que exerce influência direta no preço do óleo diesel. Devido a um mandado obrigatório, o óleo diesel, vendido aos consumidores finais, é composto por uma parcela de biodiesel, que atualmente encontra-se em um percentual de 12%. Dessa maneira, os custos do biodiesel impactam no preço derivado no posto de abastecimento. Assim sendo, a distância entre as usinas de biodiesel e as distribuidoras, local em que a mistura é realizada, inclui um fator locacional na definição do preço do óleo diesel. De outra forma, os mandatos obrigatórios geram ATP devido ao elevado custo de transporte e a capilaridade da infraestrutura vigente. O segundo é a estrutura tributária, que causa a volatilidade nos preços dos combustíveis ao consumidor. Esta carga tributária é composta por quatro tributos, um estadual, que é o ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços), e três federais, que são a CIDE (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico), o PIS/PASEP (Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).

Com relação ao ICMS, cabe destacar que sua alíquota difere por unidade federativa e ele representa uma parcela significativa na arrecadação tributária dos estados. O ICMS é calculado sobre o preço final, já demais tributos são valores fixos. O modelo de cobrança do ICMS sobre os combustíveis pode contribuir para a assimetria no repasse. o ICMS é estabelecido pelos Estados, cada Estado tem a sua alíquota. Essa alíquota é aplicada sobre um valo denominado PMPF (preço médio ponderado ao consumidor final) – preço de pauta (de referência), que é revisado pelos Estados a cada 15 dias. Essa defasagem na aplicação do PMPF e o estabelecimento de um percentual acaba causando assimetria no repasse.

5. Considerações Finais

A análise proposta mostrou que a diferença do diesel em relação aos outros derivados do petróleo é que o diesel entra na cadeia produtiva e nos outros elos. No caso dos caminhoneiros, o preço do diesel entra na composição do frete rodoviário de carga, e com isso, surge a questão do repasse do preço do diesel para o custo do frete. Sendo assim, se o caminhoneiro repassar todo preço do diesel para o frete, vai haver uma queda na contratação de fretes em um cenário de excesso de oferta de caminhões. O efeito da volatilidade dos preços do óleo diesel acaba criando uma perturbação nas outras etapas da cadeia produtiva. Como nas outras etapas da cadeia não existe um repasse automático, ou seja, não existe uma condição de os preços serem repassados ao longo da cadeia, isso vai criando um “stress” e perdas, principalmente para os caminhoneiros autônomos.

Diante desse contexto, há indícios de uma dupla penalidade incorrida pelos caminhoneiros, pois além de ter assimetria ao longo da cadeia produtiva (refinaria, distribuição e revenda), os caminhoneiros não conseguem repassar imediatamente, esse preço do diesel para o frete.

A principal consequência da assimetria no repasse de preços é a perda de bem-estar por parte dos consumidores de combustíveis. Dessa forma, torna-se necessário incentivar discussões sobre mecanismos que objetivem a mitigação dos efeitos da ATP. Isto posto, vale ressaltar a recente agenda regulatória da ANP, que tem por finalidade permitir maior transparência e clareza na formação de preços dos derivados. Após a consulta pública de nº 20/2018, a ANP desenvolveu um aplicativo para smartphone, o ANP no Posto, que tinha por finalidade divulgar os preços dos postos de combustíveis à população, porém a agência reguladora acabou optando pela sua descontinuação. Tal medida tem por finalidade a diminuição do custo de procura por parte do consumidor. A Alemanha, o Chile e a Coréia do Sul, são exemplos de países em que essa prática de divulgação de preços já acontece em tempo real. Ademais, aplicativos com divulgação ampla contribuiriam para estimular a competição via preço entre os postos de combustíveis, tornando os custos de procura irrelevantes. Sendo assim, parte das fontes causadoras de assimetrias poderiam ser mitigadas.    

Referências

ABICOM (2019). Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis. Os desafios do setor de abastecimento de combustíveis no Brasil. G. O. Associados. São Paulo. Disponível em: https://abicom.com.br/. Acesso em: junho, 2020.

ALMEIDA, E. L. F.; de OLIVEIRA, P.V.S.C; LOSEKANN, L. D. Impactos da Contenção dos Preços dos Combustíveis.Revista de Economia Política.São Paulo, v. 35, p. 531-556, 2015.

ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (2018). Anuário da Indústria Automobilística 2018. São Paulo: ANFAVEA. Disponível em: http://www.virapagina.com.br/anfavea2018/. Acessado em: junho, 2020.

ANP (2019a). Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Abastecimento em Números. Boletim Geral. Ano 14, Número 63. Jan a Jun 2019. Disponível em:

http://www.anp.gov.br/arquivos/publicacoes/boletins-anp/abastecimento/63/boletim-n63.pdf. Acesso em: julho, 2020.

ANP (2019b). Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Série História de Preços de Combustíveis. Disponível em: http://www.anp.gov.br/dados-abertos-anp. Acesso em: julho, 2020.

BACON, R. W. (1991). Rockets and feathers: the asymmetric speed of adjustment of UK retail gasoline prices to cost changes. Energy Economics, 13, issue 3, pp. 211-218.

BEDROSSIAN, A, MOSCHOS, D. (1988). Industrial structure, concentration and speed of price adjustment. The Journal of Industrial Economics, Oxford, v. 36, n.4, pp 459-475.

BREMMER, D. S.; KESSELRING, R. G. (2016). The relationship between US retail gasoline and crude oild prices during the Great Recession: “rockets and feathers” or “ballons and rocks”? Energy Economics, v. 55, pp. 200-210.

CAIXETA FILHO, J. V.; PERÁ, T. G. (2018). Sobre o Tabelamento de Fretes Rodoviários. Nota Técnica Esalq. Esalq-Log, USP. Disponível em: www.researchgate.net. Acessado em: junho, 2020.

CNT – Confederação Nacional dos Transportes (2019). Nota à imprensa: como baixar a pressão no transporte de cargas. Disponível em: https://cnt.org.br/agencia-cnt/cnt-transporte-cargas-preco-diesel. Acesso em: junho, 2020.

IEA (2019). International Energy Agency. Disponível em: https://www.iea.org/statistics/?country=WORLD&year=2016&category=Key%20indicators&indicator=TPESbySource&mode=chart&dataTable=BALANCES. Acesso em: julho, 2020.

IMEA – Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (2010). Agronegócio no Brasil e no Mato Grosso. Disponível em: http://www.imea.com.br/. Acesso em: junho, 2020.

MEYER, J., VON CRAMON-TAUBADEL, S. (2004). Asymmetric price transmission: a survey. Journal of Agricultural Economics, Oxford, v. 55, n. 3, pp. 581-611.

MME (2019). Ministério de Minas e Energia. Relatório Mensal do Mercado de Derivados do Petróleo. Disponível em: http://www.mme.gov.br. Acesso em: julho, 2020.

OLIVEIRA, C., PEREIRA, M. P. (2018). É cilada Bino? Uma análise dos impactos das medidas tomadas após a paralisação dos caminhoneiros nos rendimentos de motoristas e donos de caminhões no Brasil. Disponível em: www.researchgate.net. Acessado em: junho, 2020.

PÉRA, T.G.; ROCHA, F.V.; SILVA NETO, S.; CAIXETA-FILHO, J.V. Análise dos impactos da Medida Provisória nº 832 de 2018 (Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas) na Logística do Agronegócio Brasileiro. Série: Logística do Agronegócio – Desafios e Oportunidades, v.3. Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (ESALQ-LOG). Junho/2018, Piracicaba, SP.

PELTZMAN, S. (2000). Prices rise faster than they fall. Journal of Political Economy. Chicago, v. 108, n. 3, pp. 466-502.

RODRIGUES, N.; LOSEKANN, L. Desmistificando a crise do diesel. Boletim Infopetro, Ano 18,n. 2, p. 27-34, 2018a.

______________________. (2018b). Assimetria na transmissão de preço ao longo da cadeia de comercialização da gasolina no Brasil. In: XICBPE Congresso Brasileiro de Planejamento Energético, Cuiabá.

SILVA, A. S.; VASCONCELOS, C. R. F.; VASCONCELOS, S. P.; MATTOS, R. (2011) Transmissão assimétrica de preços: o caso do mercado de gasolina a varejo nos municípios do Brasil. In: Encontro Nacional de Economia, 39, Foz do Iguaçu.

TAPPATA, M. (2009). Rockets and feathers: understanding asymmetric pricing. The RAND Journal of Economics, v.40, n. 4, pp. 673-6.

UCHÔA, C. F. A. (2016). Poder de mercado e transmissão assimétrica nos preços da gasolina em Salvador/BA. Revista Econômica do Nordeste, v. 47, pp. 137-151.

Notas

[1] Postos do tipo bandeira branca são aqueles que tem marca própria, isto é, não são filiados à nenhuma marca.

[2] No que tange à metodologia da nova política praticada pela Petrobras, o preço doméstico seria composto por três elementos: i) Preço de Paridade Internacional (PPI); ii) margem de risco da atividade; e, iii) base de variação do grau de participação da empresa no mercado, com descontos pontuais de acordo com a necessidade de aumento de poder de mercado da empresa (ABICOM, 2019).

Sugestão de citação: TEIXEIRA, M. M. A.; LOSEKANN, L. D.; RODRIGUES, N. (2021). Assimetria na transmissão de preços do diesel no Brasil: analisando os fenômenos foguetes e penas e rochas e balões. Ensaio Energético, 12 de março, 2021.

Autora do Ensaio Energético. Formada em Economia pela USU, Mestre em Economia pela UERJ com ênfase em Políticas Públicas. Doutoranda em Economia pela UFF. Pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Editora-chefe do Ensaio Energético. Economista pela UFRRJ, mestre em Economia Aplicada pela UFV e doutora em Economia pela UFF. Professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFF, professora do Programa de Pós Graduação em Economia (PPGE/UFF) e pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

Gostou do artigo? Compartilhe

Deixe um comentário

Se inscrever
Notificar de
guest

0 Comentários
Mais antigas
O mais novo Mais Votados
Comentários em linha
Exibir todos os comentários

Receba nosso conteúdo por e-mail!

Artigos recentes

Temas

Mídia Social