Ensaio Energético

Agenda Regulatória da ANP em perspectiva: o que falta para consolidar o novo momento do setor de gás natural no Brasil?

Introdução

O arcabouço jurídico-regulatório para o setor de gás natural, no Brasil, é extremamente recente e ainda vive um paulatino processo de amadurecimento. Embora a indústria nacional de hidrocarbonetos performe em constante expansão, sobretudo desde os anos 1980, o ambiente de negócios para o gás natural no Brasil começa a se desenvolver décadas depois, em um processo perdurante até a atualidade. Este desenvolvimento – tracionado pelas novas modalidades comerciais surgentes no mercado – precisa ser acompanhado por uma regulação moderna, eficiente e responsiva para o “novo momento” do setor.

Na esteira desta evolução, a aprovação da Lei Federal nº 14.134/2021 (“Nova Lei do Gás”), de 8 abril de 2021, bem como sua regulamentação por meio do Decreto Federal nº 10.712, de 2 junho de 2021, representaram marcos para a indústria do ponto de vista legal, revestindo operadores, consumidores e governos de expectativas. No entanto, se por um lado a Nova Lei do Gás encerrou lacunas jurídicas importantes e ampliou as possibilidades de negócio envolvendo o gás natural, por outro, a consolidação deste novo momento do setor ainda depende de atos normativos a serem elaborados ou revisados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Assim, em um cenário onde o apetite comercial nem sempre acompanha o compasso do aperfeiçoamento regulatório, caberá à ANP conferir aos agentes a previsibilidade sobre as mudanças à medida que as efetiva.

Nessa conjuntura, a Agenda Regulatória da ANP se posiciona como instrumento fundamental para ajustar expectativas sobre o “novo mercado de gás”. Primeiramente divulgada pela ANP para o biênio 2013-2014, cinco edições da agenda já foram publicadas desde então. Na prática, no entanto, as atividades planejadas possuem um baixo percentual de conclusão (40,66%), o que permite indagar se o ritmo prospectado pelo regulador será eficiente em equilibrar os interesses do mercado sem negligenciar a qualidade das suas normas.

Ante o exposto, o presente artigo se proporá a estudar o andamento de todas as cinco edições já publicadas da Agenda Regulatória da ANP, identificando tanto os assuntos que mais progrediram, quanto seus potenciais gargalos. A metodologia utilizada será sobretudo qualitativa, de análise documental, sem prejuízo à abordagem quantitativa a partir do agrupamento dos itens da agenda em dados.

Como resultado, espera-se ter um panorama claro do cenário do aprimoramento regulatório do mercado de gás natural – observando o que já foi feito e o que ainda se encontra em aberto – e recomendando eventuais priorizações para melhor andamento do setor.

 

Breve contextualização: a indústria de gás natural no Brasil

A formação histórica da indústria de hidrocarbonetos no Brasil explica, com clareza, os atuais entraves à competitividade do setor de gás natural no país. O primeiro registro de hidrocarbonetos no Brasil data de 1939, com a descoberta de óleo em Salvador/BA, o que motivou discussões em torno da titularidade do recurso no Brasil. Na ocasião, a célebre frase do então presidente Getúlio Vargas, “O Petróleo é Nosso”, simbolizou esse debate, o que culminou na fundação da Petrobras, em 1953 (Lei Federal nº 2.004/1953). A Petróleo Brasileiro S.A., sociedade por ações de economia mista e com controle acionário do Governo Federal, desenvolveria o monopólio da União sobre todas as atividades da cadeia petrolífera (exclusive a distribuição).

Se analisada a série histórica completa disponibilizada pela ANP (1940 a 2023), é possível notar que 95,7% de todo hidrocarboneto já produzido no Brasil partiu de uma única operadora: a Petrobras. A bem da verdade, os últimos anos registraram desconcentração deste segmento do mercado, com mínima histórica de 89,2% de participação da Petrobras em 2023 (versus 83 outros grupos econômicos integrantes deste elo da cadeia). A despeito do progresso, não é exagero afirmar que a formação do mercado brasileiro de hidrocarbonetos comprometeu, por anos, a plena competitividade do upstream. O monopólio da Petrobras só foi desfeito em 1998, com a aprovação da Lei Federal nº 9.478/1997 (“Lei do Petróleo”), vigente até os dias de hoje.

A concentração da oferta no upstream interferiu diretamente na cadeia do midstream (processamento, liquefação/regaseificação, transporte). A valer, 12 das 16 infraestruturas de processamento existentes – o correspondente a 91,45% da capacidade de processamento – pertencem à Petrobras. Da análise das infraestruturas de liquefação/regaseificação, nota-se que 2 dos 7 terminais de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) operacionais do país – o equivalente a 38% da capacidade nacional – são da Petrobras.

A infraestrutura de transporte dutoviário de gás natural no país, por sua vez, registra 9.409 km divididos entre 5 transportadoras: Transportadora Associada de Gás – TAG (com capacidade total de 74,67 MMm³/d), Nova Transportadora do Sudeste – NTS (40,60 MMm³/d), Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil – TBG (30,08 MMm³/d), Transportadora Sulbrasileira de Gás – TSB (15 MMm³/d) e Transportadora Gás-Ocidente do Mato Grosso – GOM (2,8 MMm³/d). Caracterizada por monopólio natural com tarifas reguladas pela ANP, a malha de transporte esteve estagnada entre 2009 e 2023, quando foi autorizada a construção de conexão (25 km) entre o Terminal de GNL Porto do Sergipe e o gasoduto de transporte Catu-Pilar.

Até pouco tempo atrás, a propósito, o elo de transporte também contava com massiva participação da Petrobras. Mas na esteira do processo de desinvestimentos anunciado pela empresa em 2016, ela se comprometeu a deixar o segmento de transporte com a assinatura do Termo de Cessação de Conduta (TCC) junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em 2019. De 2016 em diante, a empresa de economia mista concluiu a venda da NTS e da TAG para grupos privados e busca oportunidades de negócio para suas participações na TBG (51%) e na TSB (25%).

O mesmo acontecia no downstream brasileiro, em que a Gaspetro (subsidiária da Petrobras) detinha participações em 18 companhias distribuidoras de gás natural. A privatização da Gaspetro, nesses moldes, também foi resultado do TCC firmado junto ao CADE em 2019. O downstream, inclusive, agrega desafios regulatórios e comerciais adicionais à indústria. Isso porque embora a regulação da atividade de comercialização seja de competência da ANP, o Artigo 25, § 2º da Constituição Federal de 1988 conferiu às unidades federativas o monopólio para explorar diretamente (ou mediante concessão) os chamados “serviços locais de gás canalizado”. O que se instituiu, na prática, foi uma variedade de aparatos legais e infralegais para tratar de distribuição, muitos deles em conflito com a regulação federal ou cunhando entraves adicionais à abertura do mercado.

A breve exposição realizada até aqui alvitrou evidenciar que o setor se desenhou por um único agente dominante em todos os elos da cadeia de gás natural. Apesar do gradual processo de desconcentração de mercado, a formação histórica do segmento se reflete, invariavelmente, no atual comportamento da oferta e da demanda nacionais de gás natural.

Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), os últimos cinco anos (2019-2023) registraram produção total média de 116 MMm³/d de gás natural na malha, dos quais 41,3 MMm³/d (35,64%) – i.e., produção menos reinjeção, queima, perda e consumo das instalações – se converteram em efetiva oferta doméstica na malha interligada. Complementaram a oferta nacional a importação média de 27,40 MMm³/d (66,23% da oferta doméstica ou 50,86% dos volumes reinjetados). Essas informações permitem concluir que as distorções do mercado de gás natural – embora cada vez menores – mantém “oferta reprimida” no Brasil, simbolizada, sobretudo, pelos altos percentuais de reinjeção. Como resultado, o país importa um insumo que poderia produzir nacionalmente.

Pela ótica da demanda, os dados do MME sugerem que os últimos cinco anos (2019-2023) demarcaram consumo total médio de 63,68 MMm³/d, volume puxado pelos segmentos industrial (60,48%) e termelétrico (22,71%). Eles são seguidos pelos segmentos automotivo (9,05%), cogeração (3,82%), residencial (2,19%), comercial (1,28%) e outros (0,85%).

Dados da EPE indicam, para o cenário mais recente (julho de 2022), que o preço médio de gás natural para o segmento industrial, maior demandante da molécula, é 54% composto pela molécula, 12% composto pelo transporte e 10% composto pela distribuição, além de 24% composto por impostos. Nessa conjuntura, o preço final do gás natural resulta da associação de elos competitivos, embora alguns ainda muito concentrados (produção, processamento ou liquefação/regaseificação e comercialização), de elos monopolistas (transporte e distribuição de gás canalizado) e de impostos.

Como consequência, o preço ao consumidor final brasileiro ainda é muito alto quando contrastado aos principais índices internacionais. Dados do MME indicam que o consumidor industrial no Brasil pagou US$ 16/MMBtu, em média, nos últimos cinco anos (2019-2023). A título de comparação, a média do Henry Hub no mesmo período foi de aproximadamente US$ 3,5/MMBtu. Em 2023, estima-se um preço médio de US$ 20/MMBtu, versus um preço de US$ 2,5/MMBtu no principal eixo físico de negociação de gás natural dos Estados Unidos.

Cumpre reconhecer, no entanto, que a indústria de gás natural no Brasil convive com um sucessivo processo de ganhos de competitividade, com avanços proeminentes nas regulações federal e estadual e cada vez maior diversidade de agentes. Por choque de oferta, é natural inferir que esta dinâmica incorrerá em redução de preço ao consumidor final.

Também é verdade, todavia, que existe amplo espaço para crescimento do segmento, sobretudo pelos altos índices de reinjeção de gás natural – fato associado às limitações de infraestrutura e à dificuldade de offtaking no mercado (que pode se explicar pela falta de competitividade de preço). Se por um lado este potencial, quando observado em um setor extremamente intensivo em capital, engendra grandiosos ganhos socioeconômicos para o Brasil, por outro é preciso prover condições para que os recursos se convertam em riquezas nacionais.

 

 “Semáforo verde”: a regulação como organizadora de mercados

A breve contextualização realizada até aqui almejou intensificar a discussão sobre a importância da regulação da ANP enquanto mecanismo de competitividade à indústria e, por conseguinte, como precursora da modicidade tarifária aos usuários finais. Aliás, no presente recorte da Nova Lei do Gás – que desde 2021 atribuiu à ANP o papel de pormenorizar, na esfera infralegal, as regras que viabilizarão maior liquidez ao mercado – ela se torna ainda mais oportuna, especialmente em um contexto em que o debate sobre a maior parte destas regras ainda não progrediu no ritmo esperado.

Válido rememorar, neste ponto, que a Lei do Petróleo não apenas abriu o mercado, mas também instituiu a figura da ANP como autarquia reguladora responsável por representar a União em assuntos relativos à indústria. Na prática, a ANP detém três grandes funções: (i) contratar (i.e., outorgar autorizações para as atividades dos setores regulados e promover licitações e assinar contratos em nome da União com os concessionários para atividades de exploração, desenvolvimento e produção); (ii) regular (i.e., estabelecer as normas infralegais – portarias, resoluções, instruções normativas, entre outras – para funcionamento das indústrias e do comércio de petróleo, gás natural e biocombustíveis); e (iii) fiscalizar (fazer cumprir as normas nas atividades dos setores regulados, diretamente ou mediante convênios com outros órgãos públicos).

Alguns dos principais autores sobre a teoria da regulação, Baldwin, Cave e Lodge (2012) indicam que ela é usualmente utilizada em três diferentes sentidos: (i) como um conjunto específico de comandos, significado que reduz a regulação enquanto tão somente a aplicação de regras vinculativas por um órgão regulador; (ii) como influência estatal deliberada, acepção que preconiza sentido mais amplo à atividade de regulação, abrangendo o uso de incentivos econômicos ou poderes jurídicos para influenciar o comportamento social ou empresarial; e (iii) como todas as formas de influência social ou econômica, noção ainda mais abrangente que considera todos os mecanismos capazes de afetar o comportamento dos agentes – sejam do Estado ou do mercado – como mecanismos regulatórios. Eles também cunharam a alegoria do “semáforo vermelho” ou do “semáforo verde” para ilustrar que, embora a regulação seja muitas vezes lembrada por seu poder de restringir comportamentos e prevenir atividades indesejáveis (semáforo vermelho), há uma visão mais ampla que posiciona a regulação como facilitadora da consolidação de determinado mercado (semáforo verde).

Esta dinâmica de definições é relevante por inverter a lógica comum que o órgão regulador é um mero agente burocrático do governo para empoderá-lo, também, como organizador de mercados. Os limites desta atuação, naturalmente, devem ser calibrados de maneira que as normas regulatórias sejam constantemente atualizadas para acompanharem as tendências do setor, e nunca se tornarem barreira ou risco ao seu desenvolvimento. Com isso, não é exagero afirmar que a atividade regulatória é complexa e – como tal – dispensa receita padrão ou dogmatismos para sua aplicação prática. Requer, na verdade, um constante processo de aperfeiçoamento, norteado pela curva de aprendizagem adquirida e pelas boas práticas nacionais e internacionais.

Neste sentido, Baldwin, Cave e Lodge (2012) também se notabilizam por estruturarem as etapas necessárias à formulação, execução, avaliação e aprimoramento de políticas regulatórias. Eles intitulam este processo de “DREAM Framework” (Detecting – Responding – Enforcement – Assessment – Modifying). Simplificadamente, o DREAM Framework se trata de um ciclo composto (1) da detecção do comportamento indesejado (ou do problema regulatório); (2) do desenvolvimento de instrumento regulatório para lidar com o comportamento indesejado; (3) da aplicação do aludido instrumento regulatório desenhado; (4) da avaliação de impacto dos resultados do instrumento regulatório proposto e (5) da eventual necessidade de ajuste do instrumento regulatório a partir da avaliação realizada. Embora estas etapas sejam muitas vezes negligenciadas na formulação de atos regulatórios, o cumprimento de cada uma delas é essencial para trazer legitimidade às ações do governo.

Para a indústria de hidrocarbonetos, notadamente uma atividade econômica sustentada por recursos não-renováveis e finitos, as circunstâncias impõem às autoridades deste setor uma variável adicional: o tempo. Isso é especialmente relevante em um cenário global de transição energética, com entidades governamentais cada vez mais pressionadas a atuarem na migração de uma economia carbono-dependente para uma menos nociva para com o meio ambiente (o que está diretamente associado a alterações na matriz energética mundial). Fato é que a variável tempo estreita ainda mais a janela de atuação do órgão regulador para adequada estruturação das políticas regulatórias (i.e., formulação, execução, avaliação e aprimoramento), em uma conjuntura em que governos urgem pela efetiva conversão de hidrocarbonetos em riqueza.

Isto posto, no caso específico da regulamentação da Nova Lei do Gás, é preciso reconhecer o desafio exponencial da ANP em estruturar – no curto prazo e entre as pressões do governo e da indústria – uma regulação moderna, eficiente e responsiva para os entraves à abertura de mercado.

 

Agenda Regulatória da ANP em perspectiva

A Agenda Regulatória (AR), neste debate, se coloca como principal mecanismo do órgão regulador para conferir previsibilidade ao mercado sobre a atividade normativa planejada para um dado recorte temporal. Em outros termos, a agenda regulatória funciona enquanto roteiro formal do órgão regulador para tratar de um conjunto de assuntos prioritários para determinada atividade regulada. No Brasil, a elaboração do planejamento é mandatória pelo Artigo 21 da Lei Federal nº 13.848/2019 (“Lei Geral das Agências Reguladoras”), que alterou a Lei Federal nº 9.986/2000. Não obstante a legislação, fato é que a aplicação de agendas regulatórias no Brasil data de antes de 2019: somente 2 das 11 agências reguladoras do país adotaram a medida após a exigência legal.

No caso da ANP, a agenda regulatória é formulada desde o biênio 2013-2014. Seu processo de elaboração pode ser sintetizado em 4 etapas: (i) definição das diretrizes por parte da Diretoria Colegiada da ANP; (ii) detalhamento das informações e do cronograma de execução por parte das Unidades Organizacionais da ANP; (iii) consolidação da agenda preliminar por parte da Superintendência de Governança e Estratégia (SGE/ANP) e (iv) aprovação final por parte da Diretoria Colegiada da ANP. 5 edições já foram publicadas pela autarquia: AR ANP 2013-2014 (RD ANP nº 329/2013); AR ANP 2015-2016 (RD ANP nº 367/2015); AR ANP 2017-2018 (RD ANP nº 433/2017); AR ANP 2020-2021 (RD ANP nº 753/2019); e AR ANP 2022-2023 (RD ANP nº 793/2021).

Isto posto, o presente estudo teve como objetivo principal avaliar a aderência da ANP ao cronograma inicialmente proposto em cada uma das agendas regulatórias. Para tanto, apesar dos diferentes formatos de apresentação de cada agenda regulatória, os dados da primeira versão de cada documento[1] foram catalogados em planilhas que puderam considerar, em comum, as seguintes colunas: (1) título da ação regulatória; (2) natureza da ação regulatória (“Revisão” ou “Elaboração”); (3) objeto da ação regulatória, isto é, o(s) atos normativo(s) sujeito(s) à revisão; (4) início previsto para ação regulatória[2], considerando a primeira data indicada pela ANP; (5) término previsto para ação regulatória, também adotando a data preliminarmente indicada pela ANP[3]; (6) situação final da ação regulatória, conforme consta na agenda (“Adiada”, “Concluída”, “Em execução”, “Em finalização”, “Excluída”, “Não iniciada”, “Suspensa”); (7) data de publicação do ato normativo resultante da ação regulatória, caso aplicável[4]; e (8) ato normativo resultante da ação regulatória, caso aplicável.


Figura 1 – Metodologia adotada para classificação das ações regulatórias

Fonte: elaboração própria.

 

Como será possível observar nos parágrafos seguintes, a organização da base de dados facultou a realização de variadas análises quantitativas sobre as ações regulatórias da ANP. Seria impreciso apresentar tais resultados, todavia, sem introduzir os critérios adotados para as classificações a serem expostas. É o que propõe a Figura 1 acima.

No total, foram catalogadas 391 ações regulatórias ao longo das cinco edições de agenda regulatória publicadas pela ANP, sendo 120 para elaboração de novos atos normativos e 271 para revisão de atos normativos existentes. A duração média prevista para cada ação foi de 527 dias corridos, com elevado desvio padrão (394 dias). O Gráfico 1 a seguir destaca a visão geral da situação final das ações historicamente planejadas em agenda regulatória.


Gráfico 1 – ANP: evolução das ações planejadas em agenda regulatória (2013-2024)

Fonte: elaboração própria a partir de dados da ANP.

 

Nota-se que somente 159 ações regulatórias planejadas (40,66% do total) foram efetivamente concluídas pela ANP, entre as quais 85 (21,73% do total) foram concluídas com atraso. Para elas, a duração média calculada entre a data de início da ação regulatória e a efetiva publicação do ato normativo resultante foi de 637 dias corridos (com desvio padrão de 394 dias). Assim, não é exagero afirmar – reiterado o alto desvio padrão da amostra – que a autarquia necessitou, em média, de aproximadamente 21 meses para concluir uma ação regulatória planejada em agenda.

O Gráfico 2 abaixo dispõe os dados por Agenda Regulatória. Por meio dele, resta claro que o percentual de conclusão das ações previstas pela ANP reduziu ao longo dos biênios, sendo de 61,73% na AR ANP 2013-2014; de 41,67% na AR ANP 2015-2016; de 50,60% na AR ANP 2017-2018 (estendida para 2019); de 27,16% na AR ANP 2020-2021; e de 27,03% na AR 2022-2023 (estendida para 2024 e em andamento).


Gráfico 2 – ANP: evolução das ações planejadas em agenda regulatória (2013-2024)

Fonte: elaboração própria a partir de dados da ANP.

 

O alto percentual de atividades adiadas também é digno de nota: foram 120 no recorte histórico (30,69% do total). Este índice, para um instrumento cujo objetivo é conferir previsibilidade, acaba sendo o mais preocupante. Aqui cabe relembrar que a AR ANP 2017-2018 e a AR ANP 2022-2023 foram postergadas para 2019 e 2024, respectivamente, transformando o planejamento bienal em trienal e impedindo o avanço das discussões setoriais. Na situação particular da regulamentação da Nova Lei do Gás, apenas 1 dos 16 itens associados à lei foram terminantemente convertidos em norma. Ainda restam pendentes, portanto, os seguintes itens apresentados na Tabela 1.


Tabela 1 – Gás Natural: ações regulatórias planejadas para AR ANP 2022-2023

Fonte: elaboração própria a partir de dados da ANP.

 

Chama atenção que todas as 16 ações regulatórias para o gás natural previstas na AR ANP 2022-2023 estão sob responsabilidade de uma mesma unidade organizacional: a Superintendência de Infraestrutura e Movimentação (SIM/ANP). A bem da verdade, seja pelas atribuições conferidas pelo regimento interno da ANP (vide Portaria ANP nº 265/2020), seja pela expertise do seu corpo técnico, a SIM/ANP é a unidade finalística mais indicada para esse processo. No entanto, a complexidade dos temas a serem debatidos imporia à SIM/ANP um esforço notável para cumprir as 16 ações regulatórias previstas entre 2024 e 2025.

Por isso, haja vista o andamento histórico da agenda regulatória e a julgar pelo crescente apetite comercial do mercado, que preza pela rápida regulamentação da Nova Lei do Gás, se torna pertinente indagar quais mecanismos aplicáveis, por parte da ANP, para tempestiva conclusão das supramencionadas ações regulatórias. Na esfera deste trabalho, aventam-se três:

  • instituição de agenda infralegal prioritária para o gás natural, conferindo tratamento administrativo diferenciado às pautas necessárias ao novo mercado de gás;
  • rearranjo organizacional da força de trabalho da ANP com vistas a antepor as discussões regulatórias associadas ao novo mercado de gás, destinando parte do corpo técnico para dedicação exclusiva à conclusão das ações previstas em agenda regulatória;
  • aperfeiçoamento das ferramentas de accountability da agenda regulatória (como o próprio Painel Dinâmico da Agenda Regulatória), padronizando a taxonomia, a estrutura e a formatação das agendas regulatórias supervenientes.

 

Conclusão

A aprovação da Nova Lei do Gás se constituiu como etapa crucial ao desenvolvimento da indústria de gás natural, mas a consolidação de seus benefícios para o mercado ainda depende da efetiva regulamentação por parte da ANP. Dessa maneira, em um ambiente onde o ritmo do apetite comercial dificilmente está alinhado com o compasso do aprimoramento regulatório, caberá à ANP o protagonismo de garantir aos agentes do mercado a previsibilidade das mudanças à medida que elas acontecem. Nesta dinâmica, a Agenda Regulatória da ANP deveria desempenhar um papel central em alinhar as expectativas em relação à cronometragem do tão esperado “novo mercado de gás”. Ocorre, entretanto, que os indicadores de evolução observados para agenda – com 40,66% das ações regulatórias concluídas até o momento, em sua maior parte com atraso – suscitam questionamentos sobre a eficácia da ANP em viabilizar as novas modalidades de negócio surgentes no mercado sem atropelar a qualidade da regulação nacional.

Com isso, fundamentado pelas evidências disponíveis, o objetivo central do presente trabalho foi ilustrar que – se mantido o ritmo de conclusão de ações regulatórias registrado nas agendas regulatórias anteriores – a ANP terá um grande desafio em prover, de forma tempestiva, a regulamentação necessária à abertura do mercado.

É imperativo pontuar que a atuação da ANP ultrapassa vigorosamente o mero cumprimento da agenda regulatória, se traduzindo em 26 anos de reconhecida excelência técnica em contratação, regulação e fiscalização da indústria de hidrocarbonetos. Por isso, enfatiza-se que não é o propósito deste artigo sugerir que o progresso da agenda regulatória seja uma métrica adequada para representar a produtividade da ANP.

Na verdade, o objetivo do trabalho foi contribuir com uma análise dos sintomas do processo de aperfeiçoamento regulatório da ANP, este fundamental para delinear mercado de gás natural desejado para o Brasil: um ambiente de negócios próspero e organizado, em que produtores, comercializadores e consumidores transacionem de forma competitiva e desburocratizada, com variedade de produtos e, consequentemente, cada vez mais agentes.

 

Notas

[1] Como um dos objetivos do trabalho era mensurar a qualidade de previsibilidade da agenda regulatória da ANP, revisões da agenda posteriormente divulgadas foram desconsideradas sempre que possível.

[2] A ANP indica o início em formato data mês/ano. Por isso, com vistas a viabilizar o cálculo em dias corridos, foi considerado o primeiro dia de cada mês (e.g., março de 2023 tornou-se 01/03/2023).

[3] A ANP indica a previsão de término em formato data mês/ano. Por isso, com vistas a viabilizar o cálculo em dias corridos, foi considerado o último dia de cada mês (e.g., março de 2023 tornou-se 31/03/2023).

[4] Aplicável somente para ações concluídas ou concluídas com atraso.

 

Bibliografia

BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding regulation: theory, strategy, and practice. 2nd. edt. Oxford: Oxford University Press, 2012.

MME (2023). Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de Gás Natural.

 

Sugestão de citação: Netto, L. A. (2024). Agenda Regulatória da ANP em perspectiva: o que falta para consolidar o novo momento do setor de gás natural no Brasil? Ensaio Energético, 13 de maio, 2024.

Lucas Antoun Netto

Economista e mestre em Políticas Públicas pelo Instituto de Economia da UFRJ. Possui experiências profissionais no setor de energia (com foco em gás natural e energia elétrica) e trabalha com Regulação, Relações Governamentais e Políticas Públicas na ENEVA.

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