Introdução
O ano de 2021 ficou marcado pelo recomeço das atividades econômicas após o choque de demanda decorrente da pandemia da Covid-19. O setor econômico sofreu com desbalanceamento entre oferta e demanda em diversas cadeias produtivas – e o setor de energia não foi diferente.
O cenário de preços elevados e forte volatilidade foi determinado por fatores estruturais e conjunturais. A incerteza na recuperação da demanda e a priorização de alternativas sustentáveis atrasaram a ampliação da oferta de energia fóssil. O fator climático impactou a demanda e a oferta de energia, tanto no Brasil quanto no mundo, gerou uma pressão adicional e imprevisibilidade sobre os cenários futuros.
O presente artigo traz uma retrospectiva dos principais acontecimentos nos mercados de energia em 2021, destacando seus impactos nos preços.
Petróleo
O setor de petróleo foi um dos mais afetados pela crise sanitária no ano de 2020, que trouxe um enorme impacto na demanda mundial de derivados. A demanda de QAV e Gasolina foi especialmente afetada. Como resultado, observou-se uma forte redução do nível de utilização das refinarias e, por consequência, queda na demanda de petróleo. Por esta razão, o ano de 2020 foi caracterizado pela acumulação de estoques de petróleo que atingiram níveis históricos.
O ano de 2021, por sua vez, foi caracterizado pela rápida recuperação da demanda de petróleo e por uma atuação da OPEP+ com o objetivo de reduzir os estoques acumulados.
O Gráfico 1 abaixo mostra a trajetória de recuperação da demanda mundial de petróleo. A OPEP foi a principal responsável pelos cortes de produção em 2020 para evitar um colapso de preços. Em 2021, a OPEP vem aumentando gradativamente a produção, mas ainda não atingiu o nível do período pré-pandemia.
Gráfico 1 – Evolução da produção de petróleo pela OPEP e total mundial
Fonte: OPEP
Tendo em vista o grande volume de estoques acumulados e a capacidade ociosa de produção, a OPEP e Rússia buscaram coordenar suas ações no mercado mundial de petróleo em 2021 visando reduzir os estoques e elevar os preços para o patamar anterior à pandemia. O gráfico 2, deixa claro esta ação ao mostrar que os estoques caíram ao longo de todo o ano de 2021. Esta estratégia da OPEP+ foi acompanhada de um aumento da ansiedade no mercado petróleo, à medida que os estoques caíam mais rapidamente que o antecipado pelos analistas.
Gráfico 2 – Evolução da demanda, oferta e variação dos estoques de petróleo
Fonte: Glenloch Energy
A rápida queda dos estoques e o fraco desempenho dos investimentos em E&P em 2021 provocaram uma rápida recuperação dos preços, que saltaram do patamar de 50 dólares por barril em janeiro para cerca de 85 dólares em outubro de 2021.
Gráfico 3 – Evolução dos preços do petróleo
Fonte: Argus e Platts e OPEC
A partir de novembro, o humor do mercado mundial de petróleo mudou rapidamente com o surgimento da variante ômicron que descortinou uma nova onda de redução de atividade econômica no mundo. O preço do Brent caiu fortemente em novembro e início de dezembro, e se recuperou no final dezembro quando voltou ao patamar de 80 dólares por barril.
Apesar da grande volatilidade no mercado de petróleo em 2021, o sentimento majoritário do mercado é que os fundamentos devem sustentar preços em patamares elevados uma vez dissipada a neblina criada pela variante ômicron na economia mundial.
Gás e GNL
Os mercados internacionais de gás e GNL passaram por um ano de stress histórico que impactou fortemente os preços. O cenário de stress se iniciou no inverno de 2020/2021, com temperaturas menores que o esperado e disrupção de oferta no mercado de gás e GNL. Em fevereiro, a paralisação da produção de gás do Texas por condições climáticas adversas elevou a cotação do Henry Hub ao recorde diário de US$ 24 /MMBtu. As cargas spot de GNL chegaram a ser negociadas a mais de US$ 40 /MMBtu no momento mais crítico do inverno deste ano, por problemas logísticos e indisponibilidade de capacidade de liquefação. Foi um inverno dramático para alguns países, mas que tinha como causa impactos pontuais que permitiam a previsão de retorno à normalidade – de fato, após o pico, os indicadores voltaram aos patamares anteriores. No entanto, o mercado permaneceu pressionado pelo desbalanceamento entre oferta e demanda que levou os preços de gás ao crescimento contínuo durante o ano de 2021.
No mercado dos EUA, a curva do Henry Hub seguiu em uma trajetória crescente a partir de março, pressionada pela demanda elevada, tanto para o mercado doméstico como para exportação de GNL, concomitante com uma produção estagnada, fruto dos baixos investimentos em E&P ao longo de 2020. A escalada levou o preço norte-americano a um nível superior a US$ 5 /MMBtu, que se manteve até novembro – um patamar que representa mais que o dobro com relação ao mesmo período do ano anterior.
A escalada de preços de gás também atingiu o continente europeu, mas teve como causa diversos fatores climáticos, econômicos e políticos que impactaram tanto a oferta quanto a demanda de gás da região, conforme discutido em artigo publicado em outubro. A preocupação com relação ao baixo nível dos estoques de gás, importante para o período de inverno, também impactou a busca por molécula no mercado dos últimos meses e pressionou os preços europeus. O TTF se manteve acima de US$ 20 /MMBtu a partir de setembro, chegando ao pico de US$ 60 /MMBtu em dezembro em um momento de stress pontual e baixa disponibilidade de gás russo.
O mercado spot de GNL acompanhou os preços de hub de gás e apresentou trajetória crescente ao longo de 2021. Na Ásia, a demanda por cargas para renovar os estoques queimados no inverno de 2020-2021 e para reestabelecer o crescimento da produção econômica, principalmente na China, pressionaram o preço do GNL spot. A partir de agosto, a disputa pelas cargas spot de GNL entre os compradores europeus e asiáticos para preparação do período de inverno, levou o TTF e o JKM a um ciclo de elevação de preço. A situação europeia com relação ao suprimento de gás é tão dramática que em dezembro o TTF se tornou mais elevado que o JKM, um cenário raro nas curvas de preço e que reflete a forte restrição de oferta do mercado europeu.
A previsão é que os preços se mantenham pressionados pelo desbalanceamento de oferta e demanda durante o inverno 2021-2022, podendo passar por períodos de stress e picos caso se registrem problemas logísticos ou de restrições de oferta como no último inverno.
Combustíveis
A sequência de altas dos preços dos combustíveis (Gráfico 3) que acompanhou a disparada do preço do petróleo e a desvalorização do real em 2021, motivou discussões sobre o preço final dos derivados ao consumidor brasileiro, em especial o óleo diesel e a gasolina. O ano foi marcado pelo debate sobre medidas para amenizar o impacto dos preços para os consumidores, desde fundos de estabilização, reforma tributária e políticas de transferência de renda (vale-gás).
Gráfico 3 – Evolução dos preços médios da gasolina C e Diesel S10 (R$/l) – Brasil
Fonte: Elaboração própria baseado em ANP (2021)
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou o projeto de lei (PL 1.472/21) que cria um programa de estabilização de preços de combustíveis –gasolina, diesel e GLP – e trata das diretrizes de precificação dos derivados. O projeto de lei regulamenta um fundo de estabilização e cria bandas móveis de preços de combustíveis, visando controlar as oscilações dos preços. O fundo será financiado por um imposto sobre exportação de petróleo bruto, – uma alíquota marginal, que parte de 2,5% e pode chegar a 20%[1] a depender do preço do barril de petróleo — incide em faixas de US$ 45 a US$ 100 por barril.
Por outro lado, a Câmara dos Deputados aprovou em outubro, projeto de lei complementar 11/20 que estabelece um valor fixo para a cobrança de ICMS sobre combustíveis[2]. O texto determina que os estados especifiquem a alíquota para cada derivado por unidade de medida – litro, quilo ou volume. Atualmente, a base de cálculo do ICMS é estimada a partir dos preços médios ponderados ao consumidor final (PMPF), apurados quinzenalmente pelos governos estaduais. As alíquotas de ICMS para gasolina, por exemplo, variam entre 25% e 34%, de acordo com o estado.
O texto do projeto de lei prevê que as alíquotas específicas serão fixadas anualmente e vigorarão por 12 meses a partir da data de sua publicação. As alíquotas não poderão exceder, em reais por litro, o valor da média dos preços ao consumidor final praticados no mercado ao longo dos dois anos anteriores, multiplicada pela alíquota ad valorem aplicável ao combustível em 31 de dezembro do exercício imediatamente anterior.
Em resposta aos sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis, em 29 de outubro os governadores congelaram o ICMS por 90 dias – de novembro de 2021 a janeiro de 2022. O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) aprovou o congelamento do preço de incidência do ICMS. A medida altera o cálculo do PMPF de combustíveis, que são reajustados quinzenalmente nos estados.
A trajetória de preços do GLP também é ascendente (Gráfico 4), em 2021 os 13 kg de GLP chegaram a custar mais de R$ 100 na média. A elevação dos preços do P13 tem impacto relevante sobre a população de baixa renda. Com o custo do energético comprometendo parte significativa da renda, aumenta o uso de lenha ou carvão para cocção de alimentos[3]. O avanço nos preços levou o governo federal a lançar subsídios para tentar desonerar o P-13, reduzindo os tributos PIS/Cofins de dois combustíveis – diesel (dois meses de duração) e GLP-13 kg. A política de desoneração teve pouco impacto no preço final ao consumidor, representando no valor final do P13 um desconto médio de R$ 2,18.
Gráfico 4 – Evolução dos preços médios do GLP-13 (R$/kg) – Brasil
Fonte: Elaboração própria baseado em ANP (2021)
Alguns estados escolheram criar programas de subsídios focalizados no GLP-13 para famílias de baixa renda. Estados como Ceará e Maranhão lançaram chamadas públicas que resultaram em convênios com a distribuidora Nacional Gás para compra de recargas para os beneficiados pelo vale-gás.
Eletricidade
O ano de 2021 foi crítico para o setor elétrico brasileiro. Após 20 anos do episódio do racionamento de 2001/02, voltou-se em 2021 a discutir a necessidade de contingenciar o consumo para preservar os reservatórios hidrelétricos. A hidrologia experimentada em 2021 está entre as piores da série histórica, totalizando 71% da média de longo prazo no Sistema Integrado Nacional[4] e os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste chegaram a alcançar 16,7% de sua capacidade de armazenamento em setembro de 2021, quando a preocupação com o racionamento atingiu seu máximo nível.
Apesar das chuvas do último trimestre terem evitado o racionamento, a crise hídrica teve um elevado impacto sobre os preços da eletricidade. Com a necessidade de maior despacho termelétrico, a cobrança de bandeira tarifária aumentou significativamente no período. Durante o ano de 2021, houve cobrança de bandeira tarifária em todos os meses. Desde setembro, quando foi adotada a nova bandeira de Escassez Hídrica, os consumidores do mercado cativo pagam um adicional de R$ 142,00/MWh. Para um consumidor industrial no mercado regulado, a bandeira de escassez hídrica representa um aumento de cerca 25% em relação à tarifa base (sem considerar o valor da bandeira).
Mesmo com os frequentes reajustes de valores, as bandeiras não são suficientes para cobrir integralmente o custo adicional acarretado pela crise, com despacho termelétrico e importação de energia. Em outubro de 2021, o déficit já alcançava R$ 12 bi. A crise também implicou na elevação de outros encargos do setor. O Encargo de Serviço do Sistema, que serve para remunerar centrais que não são despachados por mérito e é pago por todos os consumidores de eletricidade – livres e cativos –, disparou devido à queda do PLD e a manutenção da operação de termelétricas por razão de segurança, devendo alcançar R$ 23,4 bilhões em 2021 segundo estimativa da CCEE.
Segundo os dados da ANEEL (2021), a tarifa média (incluindo bandeira e impostos) subiu 32% no mercado cativo em 2021. A Aneel estima que, por conta dos custos decorrentes da crise hídrica, o aumento tarifário em 2022 superaria 20% (Borges, 2021). Para evitar o novo tarifaço, o Governo Federal estruturou novos empréstimos para as distribuidoras (que se somam aos contraídos em 2020 por conta da COVID). Os empréstimos, no entanto, implicam em pressões altistas para as tarifas no futuro.
Conclusão
Os mercados de energia em 2021 sofreram impactos relevantes no Brasil e no mundo que culminaram no forte crescimento de preços. O contexto internacional foi de demanda aquecida e uma oferta que não conseguiu acompanhar, levando os preços de gás e petróleo a aumentos sucessivos ao longo do ano, com momentos específicos de alta volatilidade.
No Brasil, o preço dos combustíveis acompanhou o cenário altista de preços do mercado internacional, resultando em discussões sobre medidas para amenizar o impacto dos preços para os consumidores e na elaboração de políticas específicas para contornar os impactos inflacionários e sociais. No setor elétrico, no entanto, o contexto de escassez hídrica e alto despacho termelétrico agravou o quadro e levou a relevante impacto nas tarifas de energia elétrica em 2021. Iniciaremos 2022 com importantes desafios para desarmar a dinâmica explosiva dos preços de energia.
Notas
[1] Isenção na parcela até US$ 45; Alíquotas de 2,5% a 7,5% entre US$ 45 e US$ 85; Alíquotas de 7,5% a 12,5% entre US$ 85 e US$ 100; e 12,5% a 20% para o valor do barril cotado acima de US$ 100.
[2] A proposta segue para análise do Senado.
[3] Com as restrições orçamentárias, o IBGE não divulga esses indicadores há quase dois anos. Há dois anos, uma em cada quatro famílias brasileiras usava lenha em algum momento para fazer seus alimentos, destaca o relatório da Agenda 2030 (GTAAGENDA, 2021).
[4] Valores calculados até 20/12/2021.
Referências Bibliográficas
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL (2021). Consumidores, Consumo, Receita e Tarifa Média – Classe de Consumo. ANEEL. Disponível em: <Relatórios de Consumo e Receita de Distribuição – ANEEL>.
AGENDA2030 (2021). V Relatório Luz da Sociedade Civil. Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Brasil. Disponível em https://brasilnaagenda2030.files.wordpress.com/2021/07/por_rl_2021_completo_vs_03_lowres.pdf.
ANP (2021). Sistema de levantamento de preços. Disponível em https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos/precos-revenda-e-de-distribuicao-combustiveis/serie-historica-do-levantamento-de-precos
BORGES, A. (2021). Conta de luz vai subir 21% em 2022 por causa de rombo da crise hídrica, prevê Aneel. O Estado de São Paulo. 12/11/2021. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,conta-de-luz-vai-subir-21-em-2022-por-causa-de-rombo-da-crise-hidrica-preve-agencia,70003896856>.
Glenloch Energy (2021). Oil Market Forecast – December 2021.
OPEC (2021). OPEC Monthly Oil Market Report. Disponível em https://www.opec.org/opec_web/en/publications/338.htm
Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. É professor e pesquisador do Instituto de Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) e Presidente eleito da Associação Internacional de Economia da Energia - IAEE. Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Grenoble na França.
Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).
Editora-chefe do Ensaio Energético. Economista pela UFRRJ, mestre em Economia Aplicada pela UFV e doutora em Economia pela UFF. Professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFF, professora do Programa de Pós Graduação em Economia (PPGE/UFF) e pesquisadora do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).
Editora-chefe do Ensaio Energético. Formada em Economia pelo IBMEC-RJ, mestre e doutora em Economia Industrial pela UFRJ, com doutorado sanduíche em Oxford Institute for Energy Studies.
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