Ensaio Energético

Eólica Offshore: nova fronteira energética que o Brasil está prestes a alcançar

O governo brasileiro vem desde o início dos anos 2000 incentivando a contratação de energia eólica, o que pode ser verificado através do Programa Emergencial de Energia Eólica de 2001, do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica de 2002 e dos leilões governamentais de energia a partir de 2009. Tais mecanismos foram importantes dado o nível de competitividade que a fonte eólica apresentava na época. Como fruto dessas e de outras políticas (como a Política de Conteúdo Local do BNDES tratada no artigo do Ensaio Energético “Política de Conteúdo Local e Energia Eólica: o caso do sucesso brasileiro”), o setor de energia eólica brasileiro chegou em 2022 com os seguintes resultados:

  1. ultrapassou a marca de 20 GW de potência instalada, tornando o Brasil o 6º país no mundo em capacidade eólica instalada (EPE, 2022/ GWEC, 2022a);
  2. segunda fonte em termos de capacidade instalada no país (atrás das hidrelétricas) (MME, 2022);
  3. terceira fonte em termos de geração de eletricidade em 2021 (atrás das hidrelétricas e térmicas a gás natural) (EPE, 2022);
  4. segunda fonte mais competitiva (em termos de preço) do país[1];
  5. projeção de que seja, entre 2022 e 2024, a segunda fonte mais contratada no Ambiente de Contração Livre (ACL), atrás apenas da fonte solar (MME, 2022);
  6. cadeia produtiva local desenvolvida, com destaque para a produção de aerogeradores (e seus componentes) cujo índice de nacionalização está na casa dos 80%[2].

Todos os resultados acima são referentes ao setor de energia eólica onshore. E como se encontra o setor de energia eólica offshore no Brasil? O objetivo geral deste artigo é responder a esta pergunta, mas como se trata de uma pergunta geral ela será dividida em 5 perguntas específicas:

  • O potencial eólico offshore brasileiro é relevante?
  • Em termos de projetos, quais as semelhanças e diferenças entre a eólica onshore e a offshore?
  • Quão distante o Brasil está da fronteira da energia eólica offshore?
  • Por que o Brasil começou a tratar apenas recentemente da eólica offshore?
  • Há fatores já existentes no Brasil que podem facilitar o desenvolvimento da eólica offshore?

Vejamos agora as respostas para cada uma das perguntas levantadas acima.

 

1) O potencial eólico offshore brasileiro é relevante?

Segundo trabalho realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial eólico offshore do Brasil, considerando uma altura de 100 metros e locais com profundidade de até 50 metros, é de 697 GW (EPE, 2020). Para termos uma dimensão desse valor, a matriz elétrica brasileira terminou 2021 com uma potência instalada total de aproximadamente 182 GW (EPE, 2022).

É importante destacar que o potencial eólico offshore brasileiro se encontra também em estados que hoje não possuem relevância no setor de energia eólica, como os estados do Rio de Janeiro e do Espirito Santo. Ademais, o Brasil ainda não possui qualquer empreendimento eólico offshore em operação, mas o mundo terminou 2021 com uma potência eólica offshore instalada de 57,2 GW, sendo a China com 27,7 GW, o Reino Unido com 12,5 GW, a Alemanha com 7,7 GW e a Holanda com 3 GW os quatro países com maior potência instalada (GWEC, 2022a). Portanto, podemos perceber que se trata de um setor que ainda está dando os primeiros passos no Brasil e no mundo, sendo poucas as exceções.

 

2) Em termos de projetos, quais as semelhanças e diferenças entre a eólica onshore e a offshore?

A grande semelhança entre a eólica onshore e a offshore está no aerogerador. O aerogerador offshore é muito parecido em termos tecnológicos ao onshore, mas, em média, possui dimensões e potência maiores para poder aproveitar os ventos mais velozes e constantes presentes no mar (EPE, 2020). Nos últimos anos, o aumento da magnitude do aerogerador (potência, pás e torres maiores) e o acesso a ventos melhores conforme os projetos offshore foram se distanciando da costa e fizeram com que o fator de capacidade médio global aumentasse de 38% em 2010 para 45% em 2017 (IRENA, 2022).

Em termos de custos de projeto, o aerogerador é o principal custo tanto dos parques eólicos onshore quanto offshore. No entanto, analisando dados de CAPEX típicos de parques eólicos onshore e offshore (Tabela 1) podemos verificar que há diferenças importantes dado que os projetos offshore apresentam um maior peso dos custos relacionados à instalação (como “fundação” e “Montagem Instalação”) e um menor peso do custo do aerogerador no custo total.

 

  Tabela 1: Distribuição do CAPEX (%) de projetos eólicos onshore e offshore

Fonte: GWEC (2022a)

 

 

3) Quão distante o Brasil está da fronteira da energia eólica offshore

O Brasil deu passos importantes recentemente para que a energia eólica offshore comece a ser inserida em sua matriz elétrica. Como exemplos, podemos citar:

  1. O lançamento pela EPE do Roadmap Eólica Offshore Brasil em 2020, cujo objetivo principal era identificar barreiras e desafios a serem enfrentados pela eólica offshore no Brasil;
  2. O lançamento pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) do Termo de Referência ligado aos complexos eólicos marítimos cujo objetivo era determinar diretrizes e critérios técnicos gerais que deverão fundamentar a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima), a fim de subsidiar o processo de licenciamento ambiental (IBAMA, 2020); e
  3. A edição do decreto nº 10.946 de 2022 que trata da cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União para a geração de energia eólica offshore.

Destaca-se que já há pedidos de licença ambiental junto ao IBAMA para a construção de projetos de energia eólica offshore. Segundo o IBAMA (2022), em abril de 2022 havia 54 projetos com pedidos de licença que juntos somavam 133 GW de potência. Tal fato mostra que o país não está muito distante dessa fronteira.

 

4) Por que o Brasil começou a tratar apenas recentemente da eólica offshore?

Podemos citar como fatores que fizeram o Brasil a começar a tratar da energia eólica offshore recentemente: (i) a melhoria da tecnologia nos últimos anos e, consequentemente, a queda nos custos dessa fonte; e (ii) a adoção de metas de sustentabilidade por parte das empresas juntamente com as perspectivas de evolução do mercado de hidrogênio verde.

(i) melhoria da tecnologia e queda nos custos.

A potência média dos aerogeradores offshore utilizados no mundo saltou de 1,5 MW em 2000 para 6 MW em 2020. Se excluirmos a China e o Vietnã, pois são os locais onde aerogeradores de menor porte mais são utilizados, então a potência média dos aerogeradores seria de 8,1 MW em 2021 e a expectativa para 2025 seria de 12 MW (GWEC, 2022b). O aumento da potência dos aerogeradores resultou na queda dos custos da eólica offshore. O Custo Nivelado de Energia (LCOE) da eólica offshore apresentou uma redução de 60% entre 2010 e 2021 e tal redução fez com que a eólica offshore ganhasse competitividade no período frente a hidrelétrica, a biomassa e a geotérmica (IRENA, 2022). Apenas a solar fotovoltaica (FV), a solar concentrada e a eólica onshore obtiveram maior redução do LCOE no período, sendo respectivamente 88%, 68% e 68%. Destaca-se que a redução do LCOE da eólica offshore também foi resultado do desenvolvimento da indústria eólica offshore, pois se observou no período um ganho de experiência, uma maior padronização dos equipamentos, ganhos de economias de escala e o surgimento de “hubs” regionais de produção de componentes do aerogerador e fornecimento de serviços (IRENA, 2022).

(ii) adoção de metas de sustentabilidade pelas empresas e a evolução do mercado de hidrogênio verde.

A pandemia de Covid-19 estimulou o debate sobre a sustentabilidade e fez com que o mercado financeiro mundial e as empresas passassem a dar mais valor aos critérios de ESG (Environmental, Social and Governance). Assim, um dos grandes desafios desse século passou a ser reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) para combater o aquecimento global. Nesse contexto, a energia eólica offshore pode ter importante papel não só produzindo eletricidade limpa como também fornecendo energia necessária para a produção de hidrogênio verde, combustível limpo que poderá suprir setores onde a eletrificação se mostra difícil. A localização de eletrolisadores perto de parques eólicos offshore, por exemplo, é uma proposta atraente para parques distantes da costa e em águas profundas. Ademais, a energia eólica offshore também pode alimentar eletrolisadores instalados em plataformas de Petróleo e Gás (P&G) para produzir hidrogênio verde utilizando água do mar, podendo tal hidrogênio ser misturado ao gás e transportado por meio da infraestrutura existente[3] (GWEC, 2022b).

Diante desse cenário, se observa no Brasil um crescente interesse de empresas e países em relação ao desenvolvimento da produção de hidrogênio verde. Tal fato tem afetado o setor de energia eólica offshore no Brasil dado, por exemplo, seu grande potencial ainda inexplorado e sua boa localização para exportação.

 

5) Há fatores já existentes no Brasil que podem facilitar o desenvolvimento da eólica offshore?

A resposta é sim. Um dos fatores é o já estabelecido setor de eólica onshore. Como já dito, o Brasil chega em 2022 como o 6º país do mundo em termos de potência eólica instalada e com uma indústria eólica desenvolvida. Segundo o GWEC (2022a), em 2020 o Brasil já apresentava uma participação de 4% na capacidade global de produção de aerogeradores, sendo o grande responsável pela produção na América Latina. O fato é que essa cadeia produtiva que hoje é voltada exclusivamente para a eólica onshore pode ser ajustada para também atender o setor offshore. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEÓLICA), 60% das empresas associadas à instituição ou já atuam no setor offshore em outros países e têm interesse no mercado brasileiro (como a Vestas, GE, Siemens-Gamesa, Neoenergia, Engie e EDPR) ou estão se preparando para participar desse novo mercado ou já são empresas exclusivas do setor offshore (ABEEÓLICA, 2022). A própria ABEEÓLICA, observando essa tendência de crescimento da eólica offshore e do mercado de hidrogênio verde, modificou recentemente sua marca para “Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas tecnologias” e adicionou ao logo as palavras “onshore e Offshore”.

Outro fator que pode ajudar no desenvolvimento da eólica offshore no Brasil é que empresas e trabalhadores que atuam no setor de Petróleo e Gás (P&G) offshore podem passar a atuar no setor, como são os atuais casos da Shell e Equinor, empresas que já possuem projetos de energia eólica offshore com pedidos de licenciamentos junto ao IBAMA. No caso dos trabalhadores, as habilidades e o treinamento obtidos nos setor de P&G podem ser reaproveitados e usados em setores de energia renovável em uma ampla variedade de pontos ao longo da cadeia produtiva. Uma avaliação em 2019 feita para o Reino Unido sobre a capacidade de transferência de habilidades do setor de P&G offshore para o setor de renováveis offshore descobriu que as disciplinas que cobrem quase 70% dos empregos na indústria offshore de P&G seriam semelhantes às exigidas pelas renováveis offshore (GWEC, 2022a).

O último exemplo de fator que pode ajudar no desenvolvimento do setor de energia eólica offshore no Brasil é o já criado Programa de Certificação de Energia Renovável “REC Brazil”, pois trata-se de nova fonte de remuneração para os projetos e já está apto para atendê-los.

Por fim, destaca-se que o desenvolvimento da cadeia produtiva da eólica offshore no Brasil pode ser importante para reduzir os riscos ao desenvolvimento do setor no país, dado que 92,5% da capacidade de produção mundial de aerogeradores offshore se encontra na China (60,4%) e Europa (32,1%), ou seja, há uma forte concentração (GWEC, 2022b).

 

Conclusão

A energia eólica offshore, aliada a expectativa de crescimento do setor de hidrogênio verde, é uma grande oportunidade que se apresenta hoje para o Brasil e que o país tem totais condições de aproveitar. No entanto, para aproveitar tal oportunidade devemos alocar nossos recursos de forma eficaz e parar de gasta-lo com indústrias do passado, como fizemos quando prorrogamos até 2040 os subsídios para o carvão. Deveríamos seguir o exemplo da Coréia do Sul, que através do programa de governo “Green New Deal” pretende investir cerca de US$135 bilhões para desenvolver tecnologias verdes e digitais e gerar cerca de 387 mil empregos ligados a economia verde. Destaca-se que atualmente a Coréia do Sul já é responsável por 2,6% da capacidade de produção mundial de aerogeradores offshore, sendo que praticamente não atua na produção dos aerogeradores onshore (GWEC, 2022a; GWEC, 2022b).

 

Referências

ABEEÓLICA (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas tecnologias). ABEEólica muda marca para oficializar atuação em eólica offshore e hidrogênio verde. (2022). Disponível em: < https://abeeolica.org.br/abeeolica-muda-marca-para-oficializar-atuacao-em-eolica-offshore-e-hidrogenio-verde/#:~:text=Ap%C3%B3s%20ter%20recebido%20como%20associadas,das%20suas%20associadas%20em%20hidrog%C3%AAnio >. Acesso em: 30 de julho de 2022.

EPE (Empresa de Pesquisa Energética). (2022). Balanço Energético Nacional 2022: Relatório Síntese, ano base 2021. Rio de Janeiro: EPE, 2022.

EPE (Empresa de Pesquisa Energética). (2020). Roadmap – Eólica Offshore Brasil: Perspectivas e caminhos para a energia eólica marítima. Rio de Janeiro: EPE, 2022.

GWEC (Global Wind Energy Council). (2022a). Global Wind Report 2022.

GWEC (Global Wind Energy Council). (2022b). Global Offshore Wind Report 2022.

IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). (2020). Termo de Referência – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental EIA/Rima – Tipologia: Complexos Eólicos Marítimos (Offshore).

IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). (2022). Complexos Eólicos Offshore – Projetos com Processos de Licenciamento Ambiental Abertos no IBAMA. Disponível em: < http://www.ibama.gov.br/phocadownload/licenciamento/2022-04-20_Usinas_Eolicas_Offshore_Ibama.pdf >. Acesso em: 31 de julho de  2022.

IRENA (International Renewable Energy Agency). Renewable Power Generation Costs in 2021. (2022).

MME (Ministério de Minas e Energia). (2022). Boletim Mensal de Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro: Maio/2022.

 

Notas

[1] Informação disponível em: < https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/06/21/energias-solar-e-eolica-foram-as-mais-competitivas-em-leiloes-do-governo-mostra-pesquisa.ghtml >. Acesso em: 31 de julho de 2022.

[2] Informação disponível em: < https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2022/05/30/indice-de-nacionalizacao-e-de-80-nos-aerogeradores.ghtml >. Acesso em: 31 de julho de 2022.

[3] Estima-se que até 20% do volume de hidrogênio pode ser misturado aos fluxos de gasodutos existentes (GWEC, 2022b).

Sugestão de citação: Ferreira, W. C. (2022). Eólica Offshore: nova fronteira energética que o Brasil está prestes a alcançar. Ensaio Energético, 08 de agosto, 2022.

Autor do Ensaio Energético. Economista, Mestre e Doutor em Economia pela UFF. Professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFRRJ.

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Sarah
Sarah
2 anos atrás

Excelente publicação, Wellington! Muito interessante o potencial eólico offshore do Brasil e a possibilidade de depender cada vez menos de termelétricas.

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