Introdução[1]
O sistema energético global é estruturado em torno de combustíveis fósseis, que são a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa. Os esforços de descarbonização e mitigação do aquecimento global concentram-se principalmente na reestruturação das matrizes energéticas dos países e envolvem necessariamente políticas energéticas que apoiem a difusão de fontes de energia limpa. Atualmente, mais de 150 países adotaram algum tipo de incentivo para as renováveis. Essas transformações envolvem muitas possibilidades quanto à sua natureza e ritmo, considerando que os desafios impostos pela transição energética e as estratégias adotadas variam de país para país, diante de diferenças econômicas, institucionais e na matriz energética. Cada experiência tem seus objetivos específicos e os instrumentos de política energética são diversos.
Os BRICS, grupo de países em desenvolvimento, caracterizam-se marcadamente por sistemas energéticos, estruturas socioeconômicas e quadros institucionais muito distintos, o que aponta para tendências particulares na transição energética. Por outro lado, o grupo compartilha objetivos em torno do desenvolvimento sustentável, visando oportunidades de complementaridade e cooperação na área de energia. O artigo teve como objetivo expor as principais políticas para a disseminação de fontes renováveis nos cinco países que formavam os BRICS antes da expansão de 2024 e avaliar as iniciativas e oportunidades de cooperação no setor energético.
Disseminação de fontes renováveis e gás natural nos BRICS
Os países do BRICS são grandes consumidores de energia, tendo demandado cerca de 40% do total mundial. O consumo energético do grupo cresceu a uma taxa de 3,3% ao ano na última década, bem acima da média mundial de 1,9%. Essa dinâmica de consumo é liderada pela China e pela Índia.
Figura 1 – Evolução do consumo de energia primária dos BRICS, 2000-2023 – TWh
Fonte: Energy Institute – Statistical Review of World Energy (2024) / Our world in data
Os países do BRICS possuem um consumo de energia primária altamente concentrado em combustíveis fósseis. Estes são a principal fonte de energia, com predominância do carvão na China, Índia e África do Sul, e do gás natural na Rússia. O Brasil possui um consumo de combustíveis fósseis mais diversificado, incluindo petróleo e derivados, gás e carvão, que representam 49% do total. A diversidade e abundância de fontes energéticas, bem como a elevada participação de fontes renováveis no sistema elétrico e no setor de transportes, distinguem o caso brasileiro (Figura 2).
Figura 2 – Consumo final de energia primária dos BRICS – 2023
Fonte: Energy Institute – Statistical Review of World Energy (2024) / Our world in data
Os sistemas elétricos dos BRICS são concentrados em combustíveis fósseis, com exceção do Brasil devido ao uso predominante de hidrelétricas, além de produtos da cana-de-açúcar e energia eólica (Figura 3). Nesse cenário, o gás natural desempenha um papel importante nas políticas de descarbonização dos BRICS, ao substituir fontes mais poluentes e oferecer confiabilidade e flexibilidade aos sistemas elétricos diante da penetração de energia renovável.
Figura 3 – Matriz de Geração de Eletricidade nos BRICS – 2023
Fonte: Energy Institute – Statistical Review of World Energy (2024) / Our world in data
A descarbonização do setor energético via eletrificação dos usos finais é uma das principais estratégias de transição energética dos BRICS, que possuem uma participação crescente na capacidade global de geração renovável, especialmente China, Índia e Brasil, que estão entre os principais demandantes dessas tecnologias.
Cooperação para a disseminação de fontes renováveis nos BRICS
Três fatores-chave estruturam a cooperação energética dos BRICS: apoio ao desenvolvimento dos sistemas energéticos nacionais, cooperação tecnológica e melhores condições para investimento em energia.
Na área de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D&I), a cooperação intra-BRICS ganha gradualmente importância por meio de treinamentos especializados, consultorias, troca de conhecimentos e transferências de tecnologia. Em 2018, os BRICS criaram a Plataforma de Cooperação em Pesquisa Energética, que reúne especialistas, empresas e institutos de pesquisa com o objetivo de coordenar os interesses comuns dos BRICS em áreas promissoras de P&D, novas tecnologias e políticas de inovação.
Os BRICS reúnem economias emergentes que, como regra, possuem menos recursos tecnológicos e financeiros e enfrentam o desafio de expandir a infraestrutura e o acesso à energia ao mesmo tempo que implementam novos modelos econômicos de baixo carbono, colocando o financiamento como um ponto crítico na transição energética. Em 2014, os BRICS lançaram o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) como um mecanismo de cooperação para financiar projetos de infraestrutura e promover o desenvolvimento. O sistema de financiamento também é apoiado pelo Mecanismo de Cooperação Interbancária dos BRICS, que reúne as instituições financeiras dos cinco países para mobilizar investimentos privados em projetos de infraestrutura.
A cooperação intra-BRICS também ocorre no âmbito das relações comerciais e de investimento bilaterais, onde as complementaridades energéticas apresentam várias possibilidades de colaboração.
A China é o maior investidor e possui forte capacidade tecnológica em energia de baixo carbono, gerando amplo potencial para cooperação tecnológica, especialmente nos campos de armazenamento por baterias, painéis solares fotovoltaicos, veículos elétricos, rotas para produção de hidrogênio e digitalização de instalações elétricas. A China também é um grande consumidor de energia, o que possibilita acordos comerciais com países produtores do grupo, como Rússia e Brasil.
O hidrogênio tem o potencial de se tornar um eixo importante de integração e cooperação energética nos BRICS, em que países com bases tecnológicas mais desenvolvidas, como China e Rússia, podem desempenhar o papel de fornecedores de tecnologia, enquanto Brasil, África do Sul e Índia podem se tornar exportadores de hidrogênio limpo com o desenvolvimento de projetos de geração renovável integrada e eletrolisadores. Em outras palavras, uma abordagem colaborativa para o hidrogênio nos BRICS poderia complementar iniciativas nacionais, permitindo que os países capturassem as complementaridades nos padrões de demanda e produção e desbloqueassem sinergias no uso e desenvolvimento de infraestrutura, potencialmente tornando a eletricidade uma mercadoria comercializada por países distantes, além dos limites das redes de transmissão. Além disso, os países podem desbloquear fundos públicos e privados para P&D e promover o financiamento de projetos em rotas tecnológicas de hidrogênio, além de aumentar o foco em áreas de pesquisa transversais.
Os BRICS possuem uma elevada participação no consumo e produção global de energia, especialmente de combustíveis fósseis, mas têm ampliado seu compromisso com a redução das emissões de CO2, embora de forma tardia em relação aos países da OCDE. Vale destacar que o gás natural pode representar um passo importante no processo de descarbonização dos BRICS. Apesar das peculiaridades presentes nos processos nacionais de transição energética, os BRICS demonstram o fortalecimento da cooperação internacional em energia como mecanismo fundamental para ampliar investimentos e desenvolver novos processos e tecnologias sustentáveis, melhorar políticas e programas e explorar ganhos comerciais, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.
Perspectivas para o BRICS frente à política internacional dos EUA
O início do segundo mandato de Donald Trump modificou as perspectivas para a trajetória global de transição energética. Os EUA se retiraram do Acordo de Paris e o governo iniciou uma guerra tarifária. Esses movimentos são muito importantes, já que os EUA são a principal potência mundial e o segundo país que mais emite CO2, e terão impactos para os países do BRICS. Uma questão relevante é se os países do BRICS podem se tornar ganhadores nesse novo cenário de transição energética.
No entanto, é preciso considerar que a transição energética e os esforços para deter as mudanças climáticas já haviam sido colocados em cheque antes da posse Trump. Apesar da difusão de renováveis, o consumo de carvão continua aumentando, assim como as emissões de CO2.
O cenário de enfrentamento dos Estados Unidos tende a provocar uma aproximação dos países do BRICS e oportunidades para parcerias no campo da energia. Os recentes encontros dos líderes dos principais países do grupo indicam essa tendência.
Por outro lado, os países do BRICS optaram por manter os programas de descarbonização da matriz energética. A China, além de reforçar a difusão domésticas de fontes limpas, tem ampliado a dominância nas cadeias produtivas globais correspondentes, como em painéis solares, baterias e veículos elétricos. No Brasil, as iniciativas de difusão de renováveis na geração de eletricidade e no transporte seguem relevantes e o país busca traduzir a disponibilidade de recursos renováveis em vantagens competitivas. As novas tendências tecnológicas têm o potencial de intensificar de favorecer essa estratégia, com a produção de hidrogênio verde e atração de projetos de data centers.
Referências
Energy Institute (2025). Statistical Review of World Energy (2024) / Our world in data
Nota
[1] Artigo preparado a partir de apresentação do autor no Workshop Energetika 21, realizado em Budapeste em 15-16 de maio de 2025.
Sugestão de citação: Losekann, L. (2025). Transição Energética e Potencial de Cooperação em Renováveis entre os Países do BRICS. Ensaio Energético, 11 de junho, 2025.
Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).