Ensaio Energético

Finanças Climáticas: A Busca pela Mobilização de Recursos para as Ações do Clima

Introdução

De 11 a 22 de novembro de 2024 ocorre a 29ª Conferência das Partes (COP29) em Baku, Azerbaijão. Este evento carrega uma grande expectativa, sendo chamado da “COP do Financiamento Climático”.

Os países em desenvolvimento demandam com urgência apoio para acelerar suas transições para economias de baixo carbono e para lidar com os impactos de eventos climáticos extremos. Desde 2009 fala-se na necessidade de se mobilizar anualmente 100 bilhões de dólares dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento. Na COP21 em Paris, os governos decidiram que seria estabelecida antes de 2025 uma ‘Nova Meta Quantificada Coletiva’ (na sigla inglês, NCQG). Pois bem, estamos em 2024 e a COP29 traz essa incumbência de se alcançar uma nova meta financeira para a cooperação internacional.

Em paralelo, as discussões, que culminarão na 19ª Cúpula do G20 no Rio de Janeiro entre os dias 18 e 19 de novembro, também tem trazido o tema do financiamento de forma central. O G20 é organizado em duas trilhas paralelas de discussão:

  1. Trilha de Sherpas: que trata da agenda da cúpula e é comandada por emissários das lideranças do G20
  2. Trilha de Finanças: que trata de assuntos macroeconômicos envolvendo ministros das Finanças e Bancos Centrais.

Pela primeira vez essas duas trilhas têm trabalhado próximas, sobretudo em torno da agenda climática, e em particular das finanças. São tratadas demandas quanto a (i) planos para transições justas, (ii) acesso a financiamento e novos papéis para bancos multilaterais, (iii) reformas em sistemas tributários (e.g. redirecionando subsídios das energias fósseis para renováveis), (iv) desenvolvimento de taxonomias verdes e padrões para definição de objetivos e acompanhamento de ações sustentáveis, entre outras.

Resta saber, o quanto este esforço diplomático consegue colocar o planeta em uma trajetória segura através da mobilização de capital que promova a descarbonização. Este artigo tem como objetivo evidenciar as discussões quanto às finanças do clima e o papel de fundos públicos e privados para a viabilização de transições energéticas, ações de mitigação e de adaptação.

 

O que são finanças climáticas?

De acordo com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), o financiamento climático se refere ao financiamento local, nacional ou transnacional, tendo origem de fontes públicas, privadas e alternativas de financiamento. Este tipo de fluxo financeiro busca dar suporte às ações de mitigação e adaptação frente às mudanças climáticas.

O financiamento climático de ‘mitigação’ em geral está associado ao investimento em projetos, tecnologias e novas práticas com o intuito de reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Está comumente associado a setores específicos como energia, transporte, edifícios, infraestrutura, indústria, saneamento, entre outros. O investimento em novos projetos de energias renováveis é um exemplo de finanças climáticas de mitigação.

Já o financiamento para a ‘adaptação’ refere-se aos recursos destinados à ajuda para países, comunidades e empresas se ajustarem aos efeitos adversos das mudanças climáticas, reduzindo vulnerabilidades de localidades ou setores específicos, promovendo sua resiliência e capacidade de resposta a eventos climáticos extremos. Ações de adaptação incluem investimentos em infraestrutura resiliente ao clima, proteção de sistemas industriais e agrícolas, sistemas de alerta para comunidades vulneráveis, entre outros.

 

Qual a situação do clima e de suas finanças?

De acordo com o recente relatório da UNEP (2024) não estaríamos descarbonizando as economias em velocidade suficiente. No ritmo atual estaríamos nos dirigindo a um aquecimento médio global de 3,1ºC no final do século e, mesmo que acelerássemos o ritmo de combate às mudanças climáticas a partir do cumprimento pleno de todas as Contribuições Nacionais Determinadas (NDCs) dos países, a temperatura provavelmente ainda se elevaria entre 2,6 e 2,8ºC, logo, muito longe do Acordo de Paris cuja ambição era um crescimento que não ultrapassasse 2ºC, fomentando esforços para ser abaixo de 1,5ºC. Além da lacuna quanto a atual trajetória de emissões, o relatório destaca ainda desafios na implementação das NDCs e na mobilização de recursos financeiros para ação climática.

De 2013 a 2022, apenas em 2022 que se observou o atingimento do patamar de US$ 100 bilhões anuais do financiamento climático dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimentos. O financiamento público climático (seja bilateral e multilateral atribuíveis a países desenvolvidos) foi responsável por cerca de 80% desse total em 2022, resultado de um aumento de US$ 38 bilhões em 2013 para US$ 91,6 bilhões em 2022 (OECD, 2024).

Apesar de serem valores vultuosos, grande parte dos fluxos de capitais não se encontra nesse canal. Há ainda os fluxos de capitais domésticos, sejam a partir do orçamento público, instituições financeiras, empresas estatais ou privadas, e os fluxos internacionais que não envolvem países em desenvolvimento.

Para a IEA (2024), apenas para o setor de energia limpas (i.e. excluindo combustíveis fósseis), o total de investimentos em 2023 chegou próximo a US$ 2 trilhões.

Por sua vez, de acordo com as estimativas da CPI (2024) que são baseadas em compromissos que incluem os setores de energia e não-energéticos (como saneamento, mudança do uso da terra, etc.), o financiamento climático teria ultrapassado US$ 1,3 trilhões entre 2021 e 2022 (Figura 1).

 

Figura 1 – Diagrama de Fluxos das Finanças Climáticas Globais em 2021-2022

Fonte: Carbon Policy Initiative (2024)

 

Apesar dos capitais públicos e privados terem um peso equilibrado no total de recursos nas estimativas da CPI, nota-se que no quesito ‘adaptação’ o financiamento público é a principal fonte de recursos (representando 92% de seu total) e que os investimentos em ‘mitigação’ são dominantes na contabilização de fluxos de capital em todas as regiões do planeta. Além disso, vale destacar que o setor de energia é o mais relevante neste mapeamento, geralmente com o propósito de ‘mitigação’ através de projetos de energia limpa.

Quando falamos sobre fluxos de capital para a América Latina, o Brasil lidera na região. Com seu financiamento doméstico quase triplicando entre 2018 e 2022, muito motivado pelo aumento do investimento em energia solar por exemplo (CPI, 2024).

 

Como avançar na mobilização de recursos públicos e privados?

Do ponto de vista das políticas públicas, a promoção da descarbonização e resiliência climática dos países pode se dar de diversas formas, seja através de política fiscais de investimento público em linha com as metas e compromissos nacionais do Acordo de Paris, seja pelo lado do sistema tributário que tenha como objetivo promover processos de transição, influenciando decisões de investimento e consumo. De acordo com Eguino et al (2024), mobilizar recursos públicos a ações do clima passa por uma gestão que deveria incluir:

  1. adoção de estratégias nacionais de adaptação e descarbonização como ferramentas para orientar o investimento;
  2. estabelecimento de estratégias de financiamento climático que facilitem o acesso aos recursos necessários para projetos prioritários;
  3. incorporação da gestão de riscos climáticos na gestão do investimento público;
  4. utilização de preço sombra do carbono em avaliações de custo-benefício de projetos;
  5. aplicação de taxonomias de investimento verde; e
  6. adoção de processos de priorização para investimentos resilientes e de baixo carbono.

Ademais, para promover uma transição energética de baixo carbono com justiça social, as políticas fiscais precisam não só incentivar a redução de emissões, mas também garantir que os benefícios dessa transição alcancem as diversas camadas da população, especialmente as mais vulneráveis.

Não obstante a importância dos recursos públicos, muito se discute sobre a forma de mobilizar e aumentar a escala de recursos do setor privado para as finanças climáticas. Boa parte da canalização de recursos privados para países em desenvolvimento passa por decisões na dimensão política, por exemplo melhorando a viabilidade de projetos, sobretudo de mitigação, com o desenvolvimento de plataformas de cooperação, portfolio de projetos, etc.

Neste contexto, Bhattacharya et al. (2023) sugerem as seguintes medidas para a mobilização de capital privado ao financiamento climático:

 

Essas medidas políticas são particularmente relevantes em economias em desenvolvimento, onde os desafios de financiamento podem ser grandes, mas também onde há um grande potencial para crescimento em atividades sustentáveis se os incentivos forem corretamente alinhados.

 

Conclusões

A COP29 em Baku e a 19ª Cúpula do G20 no Rio representam oportunidades únicas para um avanço significativo na mobilização de finanças climáticas. Em meio ao cenário global de aumento de eventos climáticos extremos e metas climáticas ainda distantes, é imprescindível que os compromissos assumidos sejam acompanhados de ações práticas, especialmente para os países em desenvolvimento, que mais necessitam de apoio para transições justas e sustentáveis.

Na COP29 espera-se que se chegue a um acordo quanto a ‘Nova Meta Quantificada Coletiva’ (NCQG) para financiamento climático, levando em consideração as necessidades dos países em desenvolvimento. De acordo com UNCTAD (2024), seria necessário avançar com uma nova meta que fosse de fato transformadora. A organização estima necessidades na faixa de US$ 0,89 trilhões em 2025, chegando a US$ 1,46 trilhão em 2030 (cerca de 1,4% dos países desenvolvidos).

A análise trazida neste artigo demonstra que, embora avanços tenham sido feitos, ainda há grandes lacunas no financiamento de adaptação e na canalização de capitais privados para projetos de mitigação. A combinação de ações públicas e privadas, com instrumentos de de-risking e políticas fiscais inovadoras poderá aumentar a escala dos fluxos financeiros climáticos. Para um futuro de baixo carbono, é fundamental alinhar políticas e incentivos financeiros à realidade dos países em desenvolvimento.

Finalmente, o atual esforço diplomático e a discussão de compromissos financeiros, apresentados neste artigo, representam um caminho promissor que dependerá de um grande esforço coordenado dos países e do setor privado para que o financiamento climático reoriente a atual trajetória de emissões.

 

Referências

BHATTACHARYA, A., SONGWE, V., SOUBEYRAN, E.; and STERN, N. (2023) A climate finance framework: decisive action to deliver on the Paris Agreement – Summary. London: Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, London School of Economics and Political Science. 2023

CPI (2024). Global Landscape of Climate Finance 2024: Insights for COP 29, 2024. Disponível em: https://www.climatepolicyinitiative.org/publication/global-landscape-of-climate-finance-2024/

EGUINO, H. et al. (2024) Toward resilient, decarbonized public investment: practices for integrating climate action into public investment management. Inter-American Development Bank, Washington DC, 2024. 138p. Disponível em: https://publications.iadb.org/en/toward-resilient-decarbonized-public-investment-practices-integrating-climate-action-public

IEA (2024) World Energy Outlook 2024. International Energy Agency, Paris, 2024. Disponível em: https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2024

OECD (2024) Climate Finance Provided and Mobilised by Developed Countries in 2013-2022. Organisation for Economic Co-operation and Development, 2024. Disponível em: https://www.oecd.org/en/publications/climate-finance-provided-and-mobilised-by-developed-countries-in-2013-2022_19150727-en.html

UNCTAD (2024) The New Collective Quantified Goal on climate finance. United Nations Conference on Trade and Development, 2024. Disponível em: https://unctad.org/publication/new-collective-quantified-goal-climate-finance

UNEP (2024) Emissions Gap Report 2024. United Nations Environment Programme, 2024. Disponível em: https://www.unep.org/resources/emissions-gap-report-2024

 

Sugestão de citação: Tavares, F. B. (2024). Finanças Climáticas: A Busca pela Mobilização de Recursos para as Ações do Clima. Ensaio Energético, 12 de novembro, 2024.

Autor do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ, mestre em Economia e Gestão de Indústrias de Rede pela Universidade de Comillas (Espanha) e Paris Sul XI (França) e Fulbright scholar na Universidade de Columbia (Estados Unidos).

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