Ensaio Energético

Destaques da 45ª Conferência Internacional da IAEE em Istambul

Entre os dias 25 e 28 de junho, ocorreu a Conferência Internacional da IAEE em Istambul. A conferência foi sediada no bonito campus da Boğaziçi Üniversitesi, localizada às margens do estreito de Bósforo que separa as partes europeia e asiática de Istambul.

A conferência reuniu acadêmicos, especialistas e autoridades internacionais na área de economia de energia. Em suas plenárias foram discutidas as perspectivas tecnológicas, o ambiente institucional e geopolítico e seus impactos na indústria de energia.

Em linhas gerais, o congresso foi marcado pela desilusão com a transição energética. Ainda que as fontes renováveis tenham sido dominantes na expansão da capacidade de geração de energia, os resultados em termos de emissões de CO2 estão distantes do necessário para cumprir a trajetória para limitar o aquecimento global em 1,5º C. A segurança energética se tornou prioritária com as restrições à importação do gás russo, a elevada volatidade do preço da energia e os problemas de suprimento em sistemas com dominância de fontes renováveis. Além disso, o desalinhamento geopolítico dificulta a formação de novos pactos globais visando a redução de emissões.

Por outro lado, as tecnologias mais limpas experimentaram avanços, como estocagem em baterias, hidrogênio de baixo carbono, CCUS, pequenos reatores nucleares. O desenvolvimento tecnológico pode contribuir para superar os dilemas da transição.

Entre as plenárias que assisti, apresento os principais destaques. Na sessão “futuro do setor de transporte”, o professor Yannick Perez abordou a perspectiva de utilização de baterias de veículos elétricos como recurso para os sistemas elétricos (Vehicle to Grid – V2G). O estudo apresentado explorou os ganhos que bases de dados de deslocamento de veículos (como Google Maps) e de carregamento de veículos elétricos podem oferecer a operadores do sistema de eletricidade. O estudo utilizou dados de Tenerife para comparar três cenários de utilização de dados: somente dados de deslocamento (Google Maps), somente dados de recarregamento e dados de deslocamento e recarga em conjunto. A análise aponta que se utilizados de forma isolada, os dados de deslocamento são pouco úteis ao operador, enquanto os dados isolados de carregamento já oferecem ganhos. Mas, quando combinados aos dados de carregamento, os dados de deslocamento amplificam os ganhos. O professor ainda abordou como o uso de baterias de veículos como recursos ao sistema de eletricidade está se difundindo na França.

Na mesma plenária, Esma Dilek do Ministério de Transporte da Turquia apresentou os investimentos em infraestrutura e na gestão de dados para promover a mobilidade sustentável no país. Selçuk Borovalı abordou os avanços no uso de biocombustíveis na Turquia e destacou o mercado de Combustível Sustentável para Aviação (SAF).

Na plenária Electricity Markets: Effects of Decarbonization, o destaque foi a apresentação de Richard Green, do Imperial College. O professor apresentou um estudo da contribuição das fontes renováveis (eólica e solar) no Reino Unido através da decomposição dos preços spot de energia segundo a quantidade produzida por cada fonte. Como a eólica é mais relevante no Reino Unido, o fator de contribuição de cada KWh produzido por eólica é baixo. Ou seja, a quantidade produzida de energia eólica é maior quando os preços da energia são baixos e menor quando os preços da energia são elevados. No caso da energia solar, que tem menor participação e a quantidade produzida se relaciona negativamente com a energia eólica produzida, já que os ventos são mais intensos à noite, a contribuição do KWh solar é mais significativa. A quantidade de energia solar gerada é menor quando os preços são baixos e maior quando os preços são elevados.

Richard Green também apresentou perspectivas da configuração do mix de geração com diferentes cenários de difusão de renováveis. No cenário mais drástico, a capacidade de geração renovável é 150% superior à atual. Nesse cenário, a sobreprodução se torna mais frequente. Os cenários indicam o desafio de remuneração para as centrais que caracterizavam a base da geração. Situações de preço negativo de energia que já são comuns no Reino Unido se tornariam mais frequentes. O autor salientou que as regras dos contratos por diferença (CfD), que propiciaram o aumento da capacidade de geração eólica no caso do Reino Unido, não permitem sua interrupção (curtailment). Assim, fontes pouco flexíveis, como nuclear e carvão, devem fazer a acomodação em momentos de elevada geração renovável o que justifica os preços negativos. Nesses momentos, consumidores recebem para retirar energia da rede.

Na mesma plenária, apresentaram Taha Meli Arvas, que explicou o funcionamento da bolsa de energia da Turquia, informando a participação das fontes e a evolução de preços. Destacou o crescimento da participação de renováveis e a queda nos preços durante o dia. Hasan Özkoç, que é Diretor dos Reguladores de Energia do Mediterrâneo, MEDREG, apresentou desafios regulatórios comuns de países da região. Laura Valeri, diretora do World Resource Institute, debateu desafios da transição energética enfatizando o papel das inovações tecnológicas para ultrapassar as dificuldades atuais.

Na plenária Clean Energy Transition: Nuclear, Renewables and Energy Efficiency, o diretor da EDF François Dassa apresentou um cenário bastante otimista da evolução de custos de pequenos geradores nucleares, indicando que a tecnologia já é competitiva com centrais de maior escala, com vantagens relacionadas ao menor tempo de construção e flexibilidade. Eberhard Jochem, do Fraunhofer Institute for Systems and Innovation Research, destacou o papel da eficiência energética para descarbonizar os sistemas energéticos. Defendeu que as elevadas perdas atuais na transformação energética configuram um imenso potencial para redução de emissões.

A plenária Future of Hydrocarbons in an Era of Decarbonization foi muito interessante. Yukari Yamashita, do Instituto de Economia da Energia do Japão, apresentou as mudanças recentes nos rumos na política energética japonesa. A pesquisadora apontou que o Japão deu um foco muito intenso na difusão de renováveis e na redução de emissões. No entanto, a transição energética implicou sobre custos, face a explosão dos preços de energia (principalmente do GNL) e menor confiabilidade do suprimento. A pesquisadora indicou a decisão do Japão de mudar a prioridade para segurança do abastecimento. Fahad Alajlan, presidente da KAPSARC, apresentou uma visão cética da transição energética. Apontou que o uso das energias fósseis deriva dos seus atributos físicos mais vantajosos, como conteúdo energético, disponibilidade e flexibilidade no uso, quando comparados às renováveis. Assim, as emissões continuam crescendo e que não há um real compromisso com descarbonização. Países que lideram a mobilização da transição energética ampliaram o uso do carvão no último ano. Enquanto as empresas globais de energia (majors) e fundos de investimento reduzem os ativos com maior pegada de carbono, outras empresas adquirem os ativos e os mantêm em operação.

Tatiana Mitrova do Center on Global Energy Policy da Columbia University reconheceu que há uma frustração com a transição energética e que o momento geopolítico é desfavorável a novos pactos globais, mas é otimista com a capacidade de inovação em tecnologias limpas. A pesquisadora apontou que a sociedade já se mostrou capaz de encontrar soluções tecnológicas quando mobilizada em momentos críticos, como na epidemia da COVID. Há várias opções tecnológicas em desenvolvimento que devem contribuir para reduzir o custo da transição, como baterias, hidrogênio e CCUS.

Quando perguntada sobre as perspectivas para a Rússia. Ela apontou que o país passa por um distanciamento com o ocidente. Ela disse que não é uma questão apenas da atuação do Putin. A população russa encara o ocidente como rival. O país buscou um reposicionamento se aproximando da China e da Índia. A perspectiva é de um conflito duradouro com a Ucrânia. Os dois países não estão dispostos a ceder e têm condições de permanecer em guerra por muito tempo. A Rússia detém recursos militares quase ilimitados. Ainda que as receitas de exportação de óleo e gás tenham diminuído, é suficiente para financiar a mobilização de guerra. E a Ucrânia conta com apoio dos aliados. O cenário é de uma nova guerra fria.

A última sessão do congresso, Key take-aways from Istanbul to Paris, teve a participação de presidentes anteriores e futuro da IAEE e foi destinada a sugerir as principais temáticas para o seu próximo congresso, que ocorrerá em Paris em 2025. Edmar de Almeida, presidente eleito da IAEE para o ano de 2025, destacou que, como o tema de transição energética ganhou relevância e se tornou mais amplo, os economistas de energia terão um grande papel para oferecer uma análise mais organizada e qualificada. O professor apontou que os temas de mercado de carbono e dos impactos dos conflitos geopolíticas nos mercados energéticas devem ser centrais na conferência de Paris.  O ex-presidente Peter Hartley apontou que a nova conferência deve contemplar as questões energéticas em regiões que usualmente não são consideradas nos fóruns internacionais, como a África.

A conferência também contou com sessões de chamada de artigos, que contaram com abordagens mais acadêmicas. A Conferência de Istambul foi uma ótima oportunidade para se atualizar com o debate de fronteira em economia da energia, conhecer a experiência de vários países em temas energéticos e interagir com a comunidade internacional de pesquisadores e especialistas da área. E o ambiente de Istambul foi um bônus para os que tiveram a oportunidade de visitar a cidade.

 

Sugestão de citação: Losekann, L. (2024). Destaques da 45ª Conferência Internacional da IAEE em IstambulEnsaio Energético, 16 de julho, 2024.

Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

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