Os custos das fontes renováveis de eletricidade vêm caindo há décadas e aumentando a competitividade de projetos eólicos e solares. Mas como integrar tecnologias intermitentes, distribuídas a custo marginal baixo ou nulo em um mercado projetado para unidades de produção centralizadas movidas a combustíveis?
A descarbonização do sistema elétrico, necessária para manter o aquecimento global abaixo de 2ºC, exige uma revisão do atual desenho do mercado, a contenção da demanda de eletricidade e uma redução adicional dos custos de investimento em tecnologias verdes. Estes são os principais resultados de uma publicação na revista Renewable and Sustainable Energy Reviews intitulada “Assessing the renewable energy policy paradox: a scenario analysis for the Italian electricity market”.
A pesquisa foca na possibilidade de que a combinação de mercados elétricos liberalizados com os baixos custos variáveis das energias renováveis resulte na redução dos preços de venda e da rentabilidade dos investimentos em energia solar e eólica, tornando políticas de incentivo menos eficazes e/ou mais caras. Nos mercados liberalizados, os produtores participam de leilões horários declarando quanto e a que preço desejam fornecer eletricidade ao sistema. As quantidades ofertadas são somadas, em ordem crescente de preço, até que a oferta total se iguale à demanda de mercado. O preço de mercado é determinado como o preço de oferta do último produtor necessário para cobrir toda a demanda.
Ao contrário da geração tradicional de fontes termelétricas ou mesmo hidrelétricas, usinas eólicas e solares devem sempre ofertar toda a sua produção ao sistema, independentemente da demanda. Portanto, um aumento da capacidade instalada de energia solar e eólica, ambas com baixo custo operacional, tende a baixar os preços de mercado nas horas em que essas fontes renováveis produzem e, consequentemente, os lucros dessas plantas que não controlam suas horas de operação.
Para analisar a extensão deste problema realizamos 1000 simulações aplicadas ao mercado elétrico Italiano utilizando o modelo Net (New Electricidade Trends). As simulações mostram uma tendência de preços decrescentes no longo prazo, explicada principalmente pela redução dos preços horários durante as horas de ponta da produção de energia solar. Mesmo considerando preços subsidiados para geração solar e eólica, reduções dos custos de investimento e maiores preços dos combustíveis e do CO2, simulações com forte aumento da demanda elétrica não conseguem atingir quotas de produção de eletricidade renovável suficientemente elevadas face aos objetivos Europeus (55% até 2030).
Os resultados, portanto, confirmam o chamado “paradoxo das políticas para fontes renováveis”: com estruturas de marcado liberalizadas, a penetração de 100% de energias renováveis não pode ser alcançada porque investidores em geração renovável não obteriam retorno positivo sem as tecnologias convencionais, essenciais para manter o preço da eletricidade suficientemente alto (Blazquez et al., 2018).
Para superar tais desafios, dado o perfil de geração horária e sazonal das usinas solares, serão fundamentais capacidade de armazenamento, gestão da demanda e novos arranjos institucionais capazes de desvincular as receitas de projetos eólicos e solares de seus custos marginais.
Referências
Blazquez, J., Fuentes-Bracamontes, R., Bollino, C. A., & Nezamuddin, N. (2018). The renewable energy policy
Paradox. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 82, 1-5.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1364032117312546
Cieplinski, A., D’Alessandro, S., &Marghella, F. (2021). Assessing the renewable energy policy paradox: A
scenario analysis for the Italian electricity market. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 142,
110838. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1364032121001325
Sugestão de citação: Cieplinski, A. (2022). Barreiras para a penetração de energias renováveis em mercados elétricos liberalizados. Ensaio Energético, 13 de junho, 2022.
André Cieplinski
Pesquisador de pós-doutorado no departamento de Economia e Administração da Universidade de Pisa, Itália. Possui doutorado e mestrado em economia pela Universidade de Siena (Itália) e UFRJ, respectivamente. Sua pesquisa se concentra na relação entre distribuição de renda e políticas ambientais, bem como na identificação de barreiras sociais e econômicas para a transição ecológica.