1. Introdução
Até o começo da década de 1990, era responsabilidade do Estado coordenar as atividades de comercialização dos combustíveis no Brasil. A partir de então, inicia-se no país um processo de transição de um regime baseado na intervenção estatal para uma economia de mercado, com gradativa liberalização dos preços desses combustíveis. Para viabilizar essa transição, foi preciso garantir maior competição entre os agentes ligados à distribuição e revenda desses produtos, e ao mesmo tempo, assegurar o abastecimento em todo o território nacional. Essa ação de desregulamentação de preços dos combustíveis foi concluída em janeiro de 2002, com a substituição da Parcela de Preço Específica (PPE) pela Contribuição por Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e a liberação dos preços nas refinarias e centrais produtoras.
Outra mudança importante ao mercado é a introdução dos carros flex-fuel em 2003. A característica básica destes carros é a possibilidade de abastecimento com gasolina, etanol hidratado, ou qualquer mistura dos dois combustíveis (ANP, 2014). Ou seja, para os detentores dos carros com essa característica, etanol e gasolina tornaram-se bens substitutos[1]. Se pré-2003 os consumidores reagiriam a mudanças nos preços principalmente via quantidade demandada (aumentando ou diminuindo o uso dos veículos), pós-2003 torna-se possível fazer esse ajuste também via demanda do combustível substituto.
A despeito das escolhas de cada cliente por um determinado combustível, em detrimento de outro, a percepção dos consumidores é de que os preços ditados na bomba sobem rapidamente após elevações nos preços de produção e distribuição, porém se reduzem paulatinamente depois de decréscimos nos preços nos elos anteriores da cadeia. Esse fenômeno é referido como um processo de ajustamento assimétrico, no qual as transmissões ao longo das margens de produção e distribuição podem diferir, conforme os preços aumentem ou diminuam (MEYER; VON CRAMON-TAUBADEL, 2004).
Segundo Canêdo-Pinheiro (2012), a análise da assimetria na transmissão de preços dos combustíveis tem importantes implicações, no que concerne a concepção de política pública. Avaliam-se, primeiramente, os efeitos em termos da incidência e repasse de impostos. O estudo do comportamento dos preços deve auxiliar a calibragem dos tributos, tais como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços (ICMS) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, que diferem de acordo com o combustível sobre os quais incidem, e o estado em observação. No caso específico da CIDE, as alíquotas referentes à gasolina a ao óleo diesel passaram por sucessivas modificações ao longo dos últimos anos, de maneira a compensar as variações de preços internacionais e evitar aumentos nos preços que viessem a influenciar a inflação na economia brasileira. A assimetria pode, portanto, inibir os efeitos dessa contribuição como instrumento de política de controle inflacionário.
Em segundo lugar, avalia-se com relação à condução da política monetária, que deverá considerar as diferenças nos repasses de variações positivas e negativas nos preços dos combustíveis, do atacado para o varejo, em sua configuração. E por último, no que diz respeito à competição, dado que a assimetria pode ser um indício do poder de mercado que os postos de combustíveis, como segmento varejista, estariam exercendo.
Em relação a esta última, as suspeitas de comportamento colusivo não são infundadas. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (2014) apontou, em seu Relatório de Gestão, nove casos de condenação para o crime de formação de cartel no mercado de combustíveis apenas em 2013.
Isto posto, observa-se a importância de um estudo para averiguar se ocorrem ajustes assimétricos dos preços no mercado de combustíveis, de modo que os consumidores tomem ciência do fundamento real que define o movimento dos preços. A presente pesquisa busca identificar uma possível assimetria na transmissão dos preços das distribuidoras para os postos de combustíveis, tendo como objeto produtos como a gasolina comum e o etanol hidratado, no Estado de São Paulo, no período de 2004 a 2017. Para este fim, faz-se uso de Modelos de Correção de Erros (ECM[2]). A hipótese central a ser testada é a de que os postos de combustíveis, na sua média, ajustariam os preços da gasolina comum e do etanol hidratado com maior intensidade face a uma elevação nos preços pelas distribuidoras, do que em um contexto de redução nestes preços.
A escolha por São Paulo ocorre uma vez que o estado se destaca como o que mais consome etanol hidratado e gasolina entre as unidades da Federação, além de contar com significativa frota de veículos flex-fuel. Ainda, acredita-se que uma análise dessa natureza dê suporte para a intervenção de órgãos públicos responsáveis visando corrigir prováveis falhas de mercado, caso a assimetria seja confirmada.
2. A assimetria na transmissão de preços dos combustíveis
Para uma melhor compreensão da análise a ser realizada, torna-se importante apresentar as diferentes classificações para a assimetria presente na transmissão de preços. A princípio, Peltzman (2000) adota a categorização da assimetria em positiva ou negativa. Considerando as variáveis examinadas no presente estudo, se o preço no varejo (Pv) responde com maior intensidade a um aumento no preço de atacado (Pa) que a um decréscimo nesta variável, de mesma magnitude, admitindo que a reação de Pv é sempre no mesmo sentido da variação de Pa, identifica-se a assimetria positiva. No entanto, se a resposta de Pv for mais intensa a uma dada redução em Pa, do que em caso de acréscimo nesta variável, tem-se a assimetria negativa.
Segundo Meyer e von Cramon-Taubadel (2004), outros dois critérios podem ser adotados para caracterizar a assimetria. Um deles relaciona-se à discriminação da assimetria presente na velocidade e/ou na magnitude da transmissão de preços. A assimetria relacionada à velocidade ocorre quando um aumento em Paleva um tempo distinto para ser completamente transmitido para Pv,se comparado ao repasse de um decréscimo em Pade mesmo montante. Já a assimetria de magnitude ocorre quando o repasse de elevações em Padifere em grandeza da transmissão de reduções nesta variável para Pv, o que provoca uma transferência permanente de recursos entre os agentes envolvidos (compradores e vendedores), cuja dimensão depende das variações no preço e do volume das transações envolvidas. Uma combinação desses dois tipos de assimetria na transmissão de preços também pode sobrevir.
Por último, é preciso distinguir se a assimetria incide sobre a transmissão de preços em um contexto vertical ou espacial. Constata-se a assimetria na transmissão de preços espacial quando as variações positivas nos preços de um produto em uma região têm um impacto diferenciado das variações negativas sobre o preço deste produto em outra localidade. Contudo, a investigação aqui se volta à assimetria vertical, ou seja, à análise da transmissão de preços ao longo de diferentes níveis de uma cadeia de comercialização.
No tocante às justificativas para o comportamento assimétrico dos preços dos combustíveis, algumas possibilidades foram consideradas por estudos anteriores. Dentre elas, a de maior apelo consiste no poder de mercado exercido por postos de combustíveis ao nível de varejo (BORENSTEIN et al., 1997; DELTAS, 2008; VERLINDA, 2008; SILVA et al., 2010; SANTOS et al., 2015; entre outros). Tal ocorrência usualmente implicaria na existência de assimetria positiva na transmissão de variações nos preços de atacado para os preços ao consumidor. Todavia, outras causas devem ser analisadas, para evitar equívocos advindos de uma generalização excessiva.
Assim, outra justificativa para a incidência de assimetria seria o elevado custo de pesquisas quanto a preços pelo consumidor (JOHNSON, 2002). Aparentemente, o consumidor abastece seu veículo em postos de combustíveis que estejam localizados próximos à própria residência, ao seu trabalho, ou no caminho percorrido de um ao outro. Há ainda consumidores que demonstram fidelidade a um determinado posto, abastecendo sempre no mesmo estabelecimento. Dessa forma, pesquisar por um menor preço do combustível tem um custo para o consumidor, representado pelo tempo gasto em pesquisa e pelas despesas envolvidas. Esse custo de pesquisa gera um poder de mercado temporário para os postos de combustíveis, uma vez que o consumidor só é levado a realizar a pesquisa quando tem a percepção de que as perdas envolvidas com um aumento dos preços superam os custos de procurar por um combustível mais barato. Conscientes disso, os varejistas podem postergar o processo de assimilação das variações negativas nos preços de atacado.
Tabela 1 – Revisão da literatura voltada à assimetria na transmissão dos preços dos combustíveis
Notas: Modelo de Correção de Erros (ECM); Modelo Threshold Autoregressive (TAR); Modelo de Ajuste Parcial (PAM); Modelo de Vetores Autorregressivos (VAR); Modelo de Correção de Erros Threshold Autoregressive (TAR-ECM); ECM com cointegração Threshold – ECM (Threshold); * Parcialmente corresponde à situação onde os tipos de assimetria não foram detectados em todas as margens/mercados analisados; ** Em caso de evidência neutra, os preços de um determinado óleo não exerceriam influência sobre os demais.
Ainda, uma combinação entre as reações do consumidor às futuras oscilações nos preços, com a gestão de estoques pelos postos de combustíveis, pode resultar em comportamento assimétrico dos preços. Se o consumidor tem a percepção de que o preço do combustível irá subir, ele procura se antecipar a esse movimento ascendente dos preços, adquirindo mais combustível do que o habitual. Essa expansão da demanda acelera o esgotamento dos estoques dos postos de combustíveis, fazendo com que os varejistas levem um tempo menor para adquirir novamente o produto das distribuidoras, assimilando com maior rapidez as variações positivas nos preços de atacado. Contudo, quando percebem que haverá um decréscimo nos preços, os agentes retornam ao nível de consumo regular. Assim, os estoques perduram por mais tempo, e os varejistas dispõem de um período maior para voltar a adquirir o combustível das distribuidoras com o preço mais baixo.
Vários estudos voltaram-se à análise dos ajustes de preços no mercado de combustíveis de diversos países nos últimos anos, com o intuito de identificar assimetrias (BACON, 1991; BORENSTEIN et al., 1997; BALKE et al., 1998; GRASSO; MANERA, 2007; CANÊDO-PINHEIRO, 2012; entre outros). Assim sendo, as cadeias de diferentes combustíveis foram examinadas, com predomínio da gasolina. Destaca-se a escassez de trabalhos referentes a esse tema com dados para o Brasil.
A partir da Tabela 1, a qual apresenta a Revisão de Literatura realizada neste trabalho, pode-se afirmar que há divergência quanto às evidências de assimetria. Possíveis explicações para esta situação englobam diferenças nos períodos de tempo analisados, na frequência dos dados utilizados, e nas metodologias empregadas. Outro fator que pode contribuir nesta direção é a determinação do nível de agregação das áreas a serem estudadas, ou seja, se a pesquisa será voltada para um determinado país como um todo, ou se será destinada a mercados locais. É importante ressaltar que as características particulares de cada mercado também influem sobre a existência ou não de assimetria. Por último, verifica-se uma escassez de trabalhos destinados a outros combustíveis, além da gasolina. Um caso especial de estudo seria o da cadeia de biocombustíveis, como o etanol, que tem ganhado destaque no cenário mundial devido à preocupação com questões ambientais.
3. Metodologia e Dados
Para averiguar se a relação entre os preços é assimétrica ou não, algumas hipóteses devem ser testadas. Por meio de um teste F, avalia-se a seguinte hipótese nula relacionada aos coeficientes estimados para as diferenças dos preços no atacado:
Se esta hipótese for rejeitada, confirma-se a presença de assimetria de curto prazo. Outra hipótese a ser analisada é a que considera a igualdade entre os coeficientes estimados para os termos de correção de erro:
Caso esta hipótese seja rejeitada, tem-se uma indicação de assimetria de longo prazo.
O presente trabalho busca examinar o relacionamento entre os preços dos combustíveis – gasolina comum e etanol hidratado – no atacado e no varejo do Estado de São Paulo, de maneira a verificar se este é assimétrico ou não. Com essa finalidade, estima-se o modelo descrito pela expressão (1) tanto para a gasolina comum, como para o etanol hidratado. São utilizadas séries de preços nominais[3], de frequência semanal, em nível de distribuição e varejo (postos de combustíveis), referentes ao Estado de São Paulo. Tal região possui expressiva representação em termos de consumo desses dois produtos, em comparação às demais unidades da Federação. As séries se estendem de maio de 2004 a junho de 2017, período posterior à desregulamentação dos preços dos combustíveis no Brasil. Esses dados são coletados e divulgados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
4. Resultados e Discussão
4.1 Estimativas para o Modelo de Correção de Erros e testes de assimetria
A Tabela 2 apresenta as estimativas para diferentes versões do Modelo de Correção de Erros exposto na Equação 1, o que possibilita a análise da assimetria na transmissão dos preços dos combustíveis no atacado para os respectivos preços no varejo. Quatro especificações foram mensuradas, duas para o etanol hidratado (A e B), e duas para a gasolina comum (C e D), e elas diferem apenas na inclusão (ou não) de parâmetros distintos para os termos de correção de erro, relacionados a desvios positivos e negativos do equilíbrio de longo prazo. O número de defasagens das variáveis explicativas foi selecionado de forma a minimizar o critério de informação de Akaike.
Tabela 2 – Modelo de Correção de Erros – Parâmetros estimados
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa. Nota: Estatística t entre parênteses. Entre colchetes os p-valores. Os símbolos ***, ** e * indicam significância a 1%, 5% e 10%, respectivamente.
Através da Tabela 2 (Modelo A), pode-se observar que o ajuste contemporâneo de variações positivas nos preços do etanol hidratado no atacado (γ₀⁺ = 1,122) é maior, em módulo, do que quando a variação é negativa (γ₀⁻ = 0,514). Após algumas semanas, o repasse acumulado de choques positivos nos preços das distribuidoras (1,163) é superior ao de choques negativos (0,486). Essa diferença é confirmada pelo teste de simetria, que corrobora a transmissão de preços assimétrica para o etanol hidratado no curto prazo.
Os coeficientes dos termos de correção de erro, por sua vez, apresentam o sinal negativo esperado. Isso porque quando os preços estão acima (abaixo) do equilíbrio, espera-se que eles decresçam (aumentem) (WELDESENBET, 2013). Desvios positivos do equilíbrio de longo prazo seriam reparados mais rapidamente (θ⁺ = -0,081) do que os desvios negativos (θ⁻ = -0,048). Como a hipótese nula de que os coeficientes dos termos de correção de erro positivo e negativo são iguais não pode ser rejeitada, atesta-se a simetria na transmissão de preços do etanol hidratado no longo prazo.
No tocante à transmissão de preços da gasolina comum no curto prazo, percebe-se que o ajuste contemporâneo de variações positivas nos preços nas distribuidoras (γ₀⁺ = 1,509) também é maior do que em caso de variação negativa (γ₀⁻ = 0,478). Depois de uma semana, observa-se que o repasse acumulado de choques positivos nos preços do atacado (1,867) é maior do que o de choques negativos (1,042). Ademais, quanto ao teste de significância, a hipótese nula de transmissão de preços simétrica no curto prazo é rejeitada (Tabela 2 – Modelo C).
Considerando os termos de correção de erro, seus coeficientes estimados exibem o sinal negativo esperado. Todavia, somente o coeficiente relacionado ao termo de correção de erro positivo é significativo ao nível de 10%. Sobre os valores reportados, desvios positivos do equilíbrio de longo prazo seriam restaurados mais rapidamente (θ⁺ = -0,042) do que os desvios negativos (θ⁻ = -0,027). Contudo, pelo teste de simetria de longo prazo, a hipótese nula de igualdade entre os coeficientes dos termos de correção de erro (θ⁺ = θ⁻) não é rejeitada.
Logo, os resultados indicam a existência de assimetria na transmissão de preços dos combustíveis no atacado para o varejo no Estado de São Paulo no curto prazo, sendo essa assimetria positiva, ou seja, no curto prazo os preços no varejo reagem com maior intensidade a um aumento nos preços no atacado do que a uma diminuição nesta variável de mesmo montante.
Evidências semelhantes foram encontradas por Santos et al. (2015), que verificou que varejistas de diversas cidades de São Paulo conseguiam repassar aos consumidores os acréscimos nos preços de distribuição do etanol hidratado mais rapidamente do que os decréscimos. Já Resende e Alves (2012) constataram que os ajustes de preços assimétricos prevaleceriam no estágio de distribuição para o mercado de gasolina de Belo Horizonte (MG).
4.2 Função de Ajuste Cumulativo – FAC e custos da assimetria para o consumidor
Como não foi constatada assimetria na transmissão dos preços dos combustíveis no longo prazo (θ⁺ = θ⁻ ), os Modelos B e D, que apresentam apenas um coeficiente para os termos de correção de erro, serão usados como referência para a estimativa da Função de Ajuste Cumulativo. A FAC representa uma medida do ajuste do preço do combustível no varejo ao longo de t períodos, para uma variação de R$ 1,00 no preço de distribuição, e pode ser definida como segue (BORENSTEIN et al., 1997; CANÊDO-PINHEIRO, 2012):
Figura 1 – Função de Ajuste Cumulativo (FAC)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.
O impacto acumulado após choques positivos e negativos de R$ 1,00 nos preços dos respectivos combustíveis no atacado pode ser observado a partir da Figura 1, nos dois gráficos à esquerda. Nota-se que o ajuste correspondente a variações positivas é mais rápido e completo do que o ajuste associado a variações negativas no preço do atacado, estando o primeiro próximo da unidade logo nas primeiras semanas, tanto para o etanol hidratado, como para a gasolina comum.
A Figura 1 também apresenta a diferença entre o impacto acumulado de choques positivos e negativos nos preços de atacado, para ambos os combustíveis, nos dois gráficos à direita. Enquanto para a gasolina comum, a diferença é significativamente nula já na primeira semana, a diferença para o etanol hidratado demonstra significância estatística ainda após o período de um mês. Assim, percebe-se que a assimetria relacionada ao etanol hidratado leva um período de tempo maior para reverter ao equilíbrio, se comparada à da gasolina comum.
A partir das estimativas da FAC, torna-se possível mensurar as perdas ao consumidor associadas à assimetria na transmissão de preços. A relevância econômica da assimetria é questão fundamental a ser verificada e traz uma importante contribuição à literatura relacionada ao tema (MEYER; VON CRAMON-TAUBADEL, 2004).
Assim, outra contribuição importante proporcionada pelo presente trabalho é a obtenção de estimativas dos custos da assimetria de preços para o consumidor. Segundo Borenstein et al. (1997), integrando as diferenças nos ajustes cumulativos poder-se-ia obter tais custos para o consumidor:
A expressão (5) equivale à diferença das áreas sob as duas curvas da Função de Ajuste Cumulativo, correspondentes a aumentos e reduções, representadas na Figura 1. Em outras palavras, corresponde ao valor monetário que seria economizado pelo consumidor, caso os choques positivos nos preços fossem transmitidos da mesma forma que os choques negativos (CANÊDO-PINHEIRO, 2012).
A Figura 2 apresenta a projeção dos custos para o consumidor da assimetria constatada, com os respectivos intervalos de confiança. Para o caso de aquisição do etanol hidratado, uma elevação de R$ 1,00 no preço do litro desse combustível no atacado custa ao consumidor R$ 2,45 a mais do que quando há uma redução de mesma magnitude nos preços de distribuição, após um mês da variação.
Figura 2 – Custo para o consumidor
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.
Já para a gasolina comum, como a assimetria reverte logo na primeira semana, o custo se mostra menor, equivalente a R$ 1,20. Esses resultados sugerem, portanto, que tendo à disposição veículos com a tecnologia flex-fuel, o consumidor incorre em custos da assimetria ao abastecer com qualquer um dos dois combustíveis; no entanto, esses custos são maiores quando se faz a escolha pelo etanol hidratado.
Por conseguinte, o ajuste assimétrico entre os preços acarreta uma redistribuição de bem-estar entre os agentes envolvidos, na qual os consumidores se veem prejudicados, uma vez que não podem se beneficiar plenamente de reduções nos preços de revenda. Assim, as evidências apresentadas neste trabalho dão embasamento para que os órgãos públicos responsáveis possam investigar as reais causas desse comportamento assimétrico dos preços, e a partir de então, tomar as medidas cabíveis no sentido de corrigir possíveis falhas de mercado.
5. Conclusões
No presente trabalho, buscou-se analisar o mecanismo de transmissão de preços no estágio de distribuição dos combustíveis leves – gasolina comum e etanol hidratado – no Estado de São Paulo, com o propósito de identificar a existência de assimetria nos ajustes de preços. Com essa finalidade, Modelos de Correção de Erros foram estimados a partir de séries de preços semanais da gasolina comum e do etanol hidratado, nos níveis de atacado e varejo, referentes ao Estado paulista no período de maio/2004 a junho/2017.
Os resultados obtidos para o etanol hidratado e para a gasolina comum foram similares em alguns aspectos. Com base nos coeficientes estimados do ECM, constatou-se que o repasse de variações positivas nos preços dos combustíveis no atacado é superior ao de variações negativas no curto prazo. Os testes confirmaram a assimetria positiva na transmissão dos preços dos combustíveis no curto prazo, o que não se verificou para o longo prazo. Por fim, os custos da assimetria permanecem para a aquisição de ambos os combustíveis pelo consumidor.
Embora a abordagem empregada não permita identificar o que estaria causando este comportamento assimétrico dos preços, algumas explicações plausíveis podem ser sugeridas. Assim, uma possível justificativa está no poder de mercado que os varejistas da região poderiam exercer. Assim sendo, em caso de elevação nos preços dos combustíveis no atacado, os varejistas logo repassariam esse aumento para o consumidor final. Todavia, se ocorresse redução nos preços de venda pelo atacado, a transmissão desta para os preços de revenda poderia estar sendo distribuída ao longo de algumas semanas, o que garantiria aos postos de combustíveis uma margem de lucro maior no curto prazo. Além disso, tem-se o elevado custo de pesquisas quanto a preços pelo consumidor. Dessa forma, os varejistas poderiam estar repassando as variações nos preços do atacado para os preços de revenda de maneira assimétrica no curto prazo, considerando que neste intervalo de tempo o consumidor não é levado a efetuar uma pesquisa, o que não aconteceria, caso a assimetria se estendesse no longo prazo.
Outra possível explicação está relacionada à gestão de estoques e ao comportamento dos consumidores, que ao se anteciparem às elevações no preço de um combustível, aumentam seu nível de consumo, expandindo a demanda pelo produto, o que precipita o esgotamento dos estoques dos postos. Desse modo, ocorre redução no intervalo de tempo para que os varejistas voltem a adquirir o combustível das distribuidoras, o que acelera o reajuste ascendente dos preços da mercadoria na bomba. Por vezes, essa expansão da demanda ocasionaria uma elevação nos preços ao consumidor em proporções maiores a dos preços nas distribuidoras. Contudo, quando há a perspectiva de redução nos preços, retoma-se o nível de consumo habitual, estendendo a duração dos estoques dos postos de combustíveis, e consequentemente, retardando a assimilação das variações negativas nos preços de atacado pelos preços de varejo. Essa justificativa, em especial, auxilia na compreensão do comportamento da assimetria constatada, que reverte no longo prazo, para os dois produtos.
Mesmo sem poder afirmar qual circunstância realmente estaria originando a assimetria na transmissão dos preços, as evidências encontradas devem se prestar ao monitoramento do funcionamento desses mercados, visando o combate a práticas comerciais anticompetitivas. Ademais, devem ser consideradas para a formulação acertada de políticas públicas, especialmente na configuração de tributos e na condução da política monetária.
Ainda, a utilização de carros com a tecnologia flex-fuel – que possibilita a substituição entre a gasolina e o etanol hidratado, de acordo com a relação de preços entre os dois produtos – parece não se constituir, ainda, em uma alternativa totalmente eficiente para reduzir as perdas relacionadas às flutuações dos preços dos combustíveis. Como a transmissão de preços é assimétrica no estágio de distribuição da gasolina comum e do etanol hidratado, a substituição de determinado combustível por outro não evita que o consumidor incorra em algum prejuízo advindo da assimetria positiva.
Finalmente, sugestões para pesquisas futuras englobam o aprimoramento de uma metodologia que possibilite identificar os motivos que explicam a transmissão assimétrica dos preços no mercado em análise, além da ampliação do escopo a outras regiões, como modo de comprovar se a assimetria está presente no mercado de combustíveis de outros estados.
Notas
[1] O aumento da arbitragem pode ser visto pela elevação das elasticidades preço e elasticidades cruzadas das demandas de etanol e gasolina, como mostram os trabalhos de Santos (2013) e Du e Carriquiry (2013).
[2] Do inglês “Error Correction Model”.
[3] Conforme Azevedo e Politi (2008), as estimações foram realizadas com séries nominais, já que o objetivo é avaliar como as variações nos preços no varejo respondem às alterações ocorridas no atacado, independente da origem de tais oscilações. Nesse contexto, a própria inflação pode contribuir para a assimetria, caso constatada.
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Sugestão de citação: Salvini, R. R.; Burnquist, H. L.; Jacomini, R. L.; Cardoso; L. C. B. (2021). Assimetria de Preços dos Combustíveis no Estado de São Paulo. Ensaio Energético, 1 de abril, 2021.
Roberta Rodrigues Salvini
Economista pela UFF, mestre em Economia Aplicada pela ESALQ/USP e doutoranda em Economia Aplicada pela UFV.
Heloisa Lee Burnquist
Mestre em Economia Aplicada e Engenheira Agrônoma pela USP e doutora em Economia pela Cornell University. Professora Titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ/USP.
Rafael Lopes Jacomini
Economista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre e doutor em Economia Aplicada pela ESALQ/USP.
Leonardo Chaves Borges Cardoso
Economista pela UFBA, mestre e doutor em Desenvolvimento Econômico pela UFPR. Professor adjunto do Departamento de Economia Rural da UFV.