Introdução
O Estado do Amazonas sempre despertou interesse, tanto nacional quanto internacional, devido à sua riqueza em recursos naturais, que incluem biodiversidade, ecossistemas e recursos hídricos, engajando uma pluralidade de atores sociais, operando no estado, em distintas escalas geográficas (Nogueira, R. J. B.; Neto, T. O., 2021, p. 357).
No que se refere à exploração e produção de hidrocarbonetos, o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB) iniciou as atividades de pesquisa na região em 1917. Segundo Paiva (1955), as primeiras investidas no Amazonas começaram em 1925, nas proximidades de Itaituba. Apesar dos desafios logísticos substanciais associados à implantação de grandes indústrias na região devido à necessidade de preservação florestal, os primeiros indícios de gás e petróleo foram descobertos nas cidades de Nova Olinda, Matuás e Autés nesse mesmo período. No entanto, foi com a criação da Petrobras, em 1953, que houve uma intensificação dos estudos na região. As atividades comandadas pela estatal podem ser divididas em três grandes marcos: (i) de 1953 a 1967, com a perfuração de 53 poços estratigráficos e 58 poços pioneiros; (ii) de 1971 a 1990, com investimentos em levantamentos sísmicos; e (iii) a partir de 1999, com a descoberta de gás no poço 1-RUT-1-AM.
Gráfico 1 – Quantidade de poços perfurados na bacia sedimentar do Amazonas e do Solimões por ano
Fonte: elaboração própria a partir da consolidação dos dados de poços fornecidos pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A partir de 1999, a região testemunhou uma intensa busca por hidrocarbonetos, respondendo por mais de 15% das perfurações em território brasileiro. Graças a esses esforços significativos, empreendidos primordialmente pela Petrobras, ocorreu, em 1986, a descoberta da maior reserva provada de petróleo e gás natural em terra do país, denominada Província Petrolífera de Urucu, localizada no município de Coari, a cerca de 650 km de Manaus, na bacia sedimentar do Solimões. Esta descoberta comercial revelou-se um marco crucial, impulsionando a prospecção de novos poços que, por sua vez, culminaram na identificação de novos campos na região.
Neste ímpeto, em 1999, após intensificação dos esforços exploratórios, a estatal descobre então o campo de Azulão, localizado na bacia sedimentar o Amazonas. Apesar da considerável quantidade de gás in place isto é, estimativa da quantidade total de gás presente na rocha reservatório – já conhecida à época – a Petrobras nunca chegou a produzir efetivamente neste ativo. Isso se deveu, não apenas as dificuldades operacionais e logísticas para o escoamento de hidrocarboneto, mas também o redirecionamento dos investimentos da estatal para os campos offshore.
Frente ao exposto, torna-se evidente que a região do Estado do Amazonas possui um potencial exploratório de hidrocarbonetos significativo. Ainda que o desafio logístico para monetizar, sobretudo o gás natural, seja considerável, é crucial implementar políticas públicas que fomentem o desenvolvimento sustentável dessa região.
A produção onshore: benefícios no bem-estar social
Como é de conhecimento, a produção de hidrocarboneto pode acontecer em dois ambientes distintos: o onshore (terra) e offshore (mar). De modo geral, por causa da sua menor produtividade por poço quando confrontados com os números do mar e, sobretudo, do pré-sal, as atividades em terra têm recebido menos investidores. Entretanto, essa visão não é completa, já que essas operações, devido à sua menor complexidade operacional, atraem um maior número de pequenas e médias empresas, o que pode resultar em maior bem-estar para as comunidades locais e contribuir significativamente para o desenvolvimento econômico regional.
De modo geral, os retornos sociais estão relacionados ao pagamento de royalties para União e, consequentemente, Estados e municípios. Destaca-se que a distribuição dessa compensação é regulamentada pela legislação, dependendo da localização da produção, seja em terra ou em mar. Quando tratamos da produção em terra, caso a porcentagem de royalties acordada no contrato de concessão do bloco seja superior a 5%, a divisão é a seguinte: 52,5% para o Estado onde ocorre a produção, 15% para os municípios onde a produção é realizada, 7,5% para os municípios afetados por essa produção e 25% para o Fundo Social.
Para além desse impacto, tem-se que a ação direta das empresas do que operam no onshore pode ser vista por um maior raio de atuação. A indústria do hidrocarboneto é uma indústria de cadeia, isto é, interligada a outros elos de uma vasta cadeia global de valor. Quando uma empresa resolve explorar uma dada bacia sedimentar será necessário que ela crie condições para que a cidade possa receber trabalhadores, prestadores de serviço e outros.
O estudo de Badiani e Araújo (2019) apresentou que devido as operações na Bacia do Recôncavo as cidades de Catu, Pilar, São Francisco do Conde e Mata de São João apresentaram dados mais otimistas quando confrontados aos municípios que não possuem essas atividades em seu território. Os índices de educação e saúde são os que apresentam melhoras mais evidentes, como, por exemplo, inserção superior a 60% de alunos matricular em período integral no município Mata de São João.
Outro estudo importante feito sobre a mesma temática é de Netto (2020, 2022), publicado anteriormente no Ensaio Energético. A partir dos dados do município de Santo Antônio dos Lopes (MA), o autor pode costurar evidências quantitativas sobre a atuação da Eneva S.A. no interior maranhense. Em síntese, no recorte utilizado pelo aludido autor, o PIB do município aumentou em quase doze vezes, houve aumento de aproximadamente 70% no número de empresas na região para atender a nova demanda de bens e serviços, o salário médio da população saltou de 1,1 para 3,7 em 2016 e a taxa de mortalidade infantil do município ficou muito abaixo da média estadual.
Posto isso, é imperativo reconhecer que a exploração e produção de hidrocarbonetos possuem um impacto positivo quando em aspectos socioeconômicos. Tendo em vista que, muitas das vezes, essas cidades são mais afastadas dos grandes polos industriais do país, o onshore é um grande agente de interiorização do investimento nacional, uma vez que possibilita que uma grande indústria adentre os municípios muitas das vezes esquecidos no país.
O estudo de caso: impactos gerados a partir da exploração onshore nos municípios de Silves/AM e Itapiranga/AM
O desenvolvimento dos municípios de Silves/AM e Itapiranga/AM sempre esteve interligado, uma vez que eram uma única unidade administrativa até 1952. Até a aquisição do campo de Azulão, pela atual operadora, em 2017, as principais atividades econômicas da região estavam associadas à agropecuária, com destaque para a produção de mandioca, milho e feijão.
Segundo o último levantamento de dados do IBGE (2020 e 2022), o município de Itapiranga possui cerca de 10.162 habitantes, com uma densidade demográfica de 2,34 hab/km2 e um PIB per capita de R$ 14.541,96. Já o município de Silves possui aproximadamente 11.559 habitantes, uma densidade demográfica de 3,10 hab/km2 e um PIB per capita de R$ 14.497,22.
Gráfico 2 – Valor adicionado e PIB dos municípios de Silves/AM e Itapiranga/AM (em R$)
Fonte: elaboração própria a partir da consolidação dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O objetivo deste artigo é trazer à luz os impactos econômicos e sociais nos municípios de Silves/AM e Itapiranga/AM que podem ser associados à exploração e produção de gás natural no campo de Azulão. Diante desse cenário, será analisado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que é uma métrica estatística que se propõe a avaliar o progresso de uma região, tendo como principais focos os aspectos de saúde, educação e renda. Criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), bem como os dados fornecidos pelo IBGE, pelos Ministérios e o compilado utilizado pelo IPS Amazônia. Este último utiliza exclusivamente variáveis socioambientais, por considerar que os marcadores econômicos são insuficientes para medir o progresso social.
Finalmente, reitera-se que objetivo central deste artigo é apresentar os impactos gerados a partir da exploração onshore de hidrocarbonetos nos dois municípios mencionados. No entanto, caso a região tenha sido alvo de políticas públicas, os dados aqui analisados também podem ser afetados, mas não é possível diferenciar quais ações foram causadas pelas políticas e quais pela exploração em si. Além disso, é importante destacar que as atividades aqui analisadas causam consideráveis impactos ambientais, porém, esses impactos representam uma restrição para a execução da atividade.
Educação
No âmbito da educação, é fundamental que a introdução de novas atividades nos municípios seja acompanhada por um esforço em aprimorar a qualidade do ensino, visando a maior inserção dos cidadãos nas atividades econômicas. Sendo assim, um maior número de acesso ao ensino superior demonstra duas coisas fundamentais para o desenvolvimento de um município: (i) que houve uma boa taxa de retenção nos ensinos primários e (ii) possibilidade de aumento de renda dos indivíduos, uma vez que poderão ter maiores chances de alocação profissional.
De acordo com dados do IBGE, o índice de desenvolvimento da educação básica referente aos anos finais do município de Silves melhorou após a aquisição da área do campo de Azulão. O município subiu da 16ª posição em 2015, entre os municípios do Estado, para a 8ª posição em 2021. Além disso, ao comparar novamente esses dados com as informações do IPS, que leva em consideração o acesso à educação através do número de empregados com ensino superior e a taxa de mulheres empregadas com ensino superior, o resultado também é positivo.
Um outro dado interessante sobre o tema é do IPS Amazônia. Ele compila informações provenientes do Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego e outros órgãos, criando um índice macro denominado “Oportunidades”. Esse índice é subdividido em quatro grupos: Direitos Individuais (que inclui informações sobre diversidade partidária, mobilidade urbana, acesso a programas de direitos humanos e existência de ações voltadas para os direitos das minorias), Liberdade Individual e de Escolha (agregando dados de acesso à cultura e lazer, vulnerabilidade familiar, faixa etária das mães e trabalho infantil), Inclusão Social (que reúne dados sobre violência contra indígenas, mulheres e crianças) e Acesso à Educação Superior (com dados de empregados com ensino superior e mulheres empregadas com ensino superior).
Apesar dos dados terem oscilado negativamente nos primeiros anos, de 2014 a 2021, podendo até terem sofrido impactos devido à COVID-19, que reduziu o acesso à cultura, aumentou a vulnerabilidade familiar e influenciou na geração de empregos, as informações apresentam futuras perspectivas da região, uma vez que é observado a tendência de aumento para os próximos anos.
Gráfico 3 – Comparação de índices relacionas à educação
Fonte: elaboração própria a partir da consolidação dos dados do IPS Amazônia.
Salário, renda e emprego
As empresas de exploração e produção frequentemente adotam o sistema de embarque para seus colaboradores, no qual um trabalhador permanece na região durante um período acordado para exercer sua função e depois retorna à sua residência. Portanto, embora Silves e Itapiranga se beneficiem desses trabalhadores, pois estes adquirem bens e serviços locais enquanto estão em período de embarque, é relevante observar que o fluxo de capital retorna, posteriormente, aos centros urbanos ou de origem.
Após essa ressalva, destaca-se que os dados do IBGE relativos a trabalho e renda apresentam um cenário positivo para essas regiões. O número de pessoas empregadas nos municípios de Silves e Itapiranga quase triplicou de 2016 a 2021, e o salário médio mensal em Silves subiu de 1,6 salário-mínimo em 2016 para 2,5 em 2021. Além disso, o número de pessoas assalariadas em Silves aumentou de 292 para 766 no mesmo período.
Gráfico 4 – Comparação dos números de pessoas ocupadas e pessoas ocupadas assalariadas dos municípios de Silves e Itapiranga segundo o IBGE
Fonte: elaboração própria a partir da consolidação dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No que tange a melhora de circulação de capital, é relevante destacar o papel do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo estadual que incide sobre a circulação de produtos e serviços em uma economia. Nesse contexto, o montante repassado pelos estados para os municípios serve como um indicador do volume de capital em movimento na região durante o período de repasse. Esse índice desempenha um papel fundamental na análise do desenvolvimento econômico, pois reflete o aumento das atividades econômicas locais. Ele está intrinsecamente relacionado ao aumento da demanda por bens e serviços, ao maior consumo no comércio local e, consequentemente, à atração de investimentos para a região.
Nessa conjectura, é possível observar que houve uma variação significativa de 150% no repasse de ICMS para ambos os municípios, especialmente no período coincidente com o início do desenvolvimento do Campo de Azulão. A partir disso, é possível inferir que um maior fluxo monetário está associado, ainda que de forma indireta, à influência do campo de gás natural operado pela Eneva S.A. sobre a economia local.
Gráfico 5 – Comparação dos repasses de ICMS para os municípios de Silves e Itapiranga nos últimos quatorze anos
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Secretária de Fazenda do Estado do Amazonas.
Conclusão
Embora o pré-sal apresente números exponenciais que atraem a atenção de grandes investidores, principalmente devido à sua alta margem de lucro, não se deve negligenciar o potencial da exploração e produção onshore. Os benefícios do desenvolvimento das atividades em terra transcendem as métricas frias de produção. Além de contribuir para a independência energética do país, o desenvolvimento desse segmento tem um impacto direto nas populações que residem em regiões mais afastadas dos centros urbanos do país.
Sendo assim, além do montante arrecadado em royalties, os municípios que abrigam atividades petrolíferas testemunharam uma ampla gama de transformações sociais positivas. Essas mudanças incluem avanços significativos na educação, redução da mortalidade infantil, aumento da atividade comercial e melhorias nos indicadores cruciais de saúde e bem-estar, bem como aumento do repasse do ICMS. É inegável que o progresso econômico decorrente dessas atividades deve estar intrinsicamente ligado ao desenvolvimento social das comunidades envolvidas.
Nesse sentido, as entidades estatais, representadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), devem promover de forma segura a implantação de empresas nas regiões interioranas dos estados. Esse pode ser um dos caminhos para maximizar os benefícios sociais proporcionados por essa indústria imponente. Os números impressionantes que emergem do cenário onshore não apenas merecem reconhecimento, mas também demandam ações governamentais persistentes e criteriosas para que possam alcançar seu potencial máximo.
Referências
BADIANI, Analuíza Morcelli; VIEIRA, Victor Menezes; ARAÚJO, Paulo Sérgio Rodrigues de. Efeitos socioeconômicos e perspectivas da atividade de E&P de petróleo e gás na Bacia do Recôncavo. Boletim Petróleo Royalties e Região, v. 17, n. 64, 2019.
PAIVA, G.; O Petróleo de Nova Olinda. Carta Mensal do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, Rio de Janeiro, 1955, p 36-44.
NETTO, Lucas Silveira Antoun. Análise de impacto socioeconômico da produção de gás natural em terra a partir do estudo de caso de Santo Antônio dos Lopes. 2020. 60 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Econômicas) – Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
NETTO, Lucas Silveira Antoun. Análise de impacto socioeconômico da produção de gás natural em terra a partir do estudo de caso de Santo Antônio dos Lopes/MA. Ensaio Energético, 19 de setembro, 2022.
NOGUEIRA, R. J. B.; NETO, T. O. A geografia do gás na Amazônia brasileira. Revista Tempo do Mundo. 2021.
Sugestão de citação: Mello, R. & Losekann, L. (2024). A importância da exploração e produção onshore na interiorização do investimento: estudo de caso de Silves/AM e Itapiranga/AM. Ensaio Energético, 15 de abril, 2024.
Rafaela de Mello
Formada em Ciências Econômicas pela UFF. Atualmente, trabalha com regulação de óleo e gás no setor.
Conselheiro Editorial do Ensaio Energético. Economista e doutor em Economia pela UFRJ. Professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em Economia e Vice Diretor da Faculdade de Economia da UFF. Pesquisador do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).