Ensaio Energético

As hidrelétricas e a incerteza climática: a conjuntura atual do setor elétrico do Equador e da Colômbia

Introdução

Os países da América do Sul têm enfrentado um período anormalmente seco durante 2024. Frequentemente, as secas surgem como uma ameaça multifacetada que prejudica as pessoas, a estabilidade dos ecossistemas naturais e os diversos setores e a economia.

De acordo com Juárez-Lucas et al. (2024), nos últimos 15 anos as secas têm sido mais frequentes, prolongadas e extremas na América Latina. Particularmente no Equador, as fortes secas de 2024 afetaram o setor elétrico devido a sua dependência das hidrelétricas, o que levou a programação de interrupções massivas de energia em abril e outubro. De forma semelhante, na Colômbia há preocupações devido a dependência de fontes de geração hídricas e pelos efeitos da mudança climática, que tem causado padrões de chuvas mais irregulares.

A crise elétrica no Equador e o panorama de incerteza na Colômbia evidenciam a fragilidade do setor diante da conjuntura climática. Embora essa crise afete de diferentes formas a estes dois países, há um fator comum determinante: a falta de investimentos e o impacto da crise climática.

 

Contexto do Equador

Segundo o Operador Nacional de Eletricidade do Equador (CENACE, 2023), em 2023 o Equador registrou uma produção bruta de energia de 32.117,89 GWh, em que a geração hidroelétrica representou 78,58%; a geração termoelétrica 15,87%; a geração não convencional 1,44%; as importações da Colômbia 4,04% e as importações do Peru 0,08%.

Atualmente, o sistema elétrico do Equador enfrenta importantes desafios decorrentes da extrema seca, que levou a diminuição dos reservatórios das centrais hidrelétricas, à falta de investimentos na manutenção de plantas de geração elétrica e à ausência de contratos para garantir nova geração de energia. Em abril de 2024, o Ministério de Minas e Energia do Equador adotou a medida de racionamento de até 13 horas diárias. Novamente, em setembro, foi anunciado um apagão temporário de até 8 horas em todo o país, mas a crítica situação levou o governo a modificar o plano de racionamento, ampliando-o para 14 horas diárias na sexta-feira passada, 25 de outubro. Segundo o governo, os cortes de eletricidade poderão prolongar-se até o final do ano ou até o início do próximo ano.

A Colômbia é um dos principais fornecedores de eletricidade do Equador, mas deixou de vender em abril deste ano devido a própria crise energética, sendo que depois reativou as exportações a pedido do governo equatoriano. Em setembro, a Colômbia voltou a restringir a venda de eletricidade para o Equador, permitindo apenas a exportação de energia térmica, desde que as usinas tenham excedentes após atender à demanda nacional.

O setor produtivo é um dos mais afetados pelos apagões de energia. A redução do consumo de eletricidade durante catorze horas diárias acarreta uma diminuição significativa na capacidade de produção de indústrias-chave para a economia do país. Isso implicará menor renda, possíveis demissões e uma desaceleração geral da atividade econômica.

O programa de gestão da crise elétrica a longo prazo é diversificar a matriz energética do país, com foco no desenvolvimento de projetos de energia solar e eólica. Por enquanto, o panorama é complexo, e os diferentes setores têm denunciado a falta de planejamento do governo e a falta de investimentos em infraestrutura elétrica nos anos anteriores. Ademais, há vários meses o governo tem prometido reduzir as horas de interrupção de energia, mas não tem cumprido.

 

Contexto da Colômbia

A matriz de geração elétrica da Colômbia está conformada pelas fontes hidrelétricas (70,12%), térmicas (24,18%) e pequenas plantas solares e eólicas, entre outras (5,69%).

Nesse contexto, a seca extrema afetou a capacidade de armazenamento de água e gerou alertas no país. De acordo com as estatísticas do Operador do Mercado Elétrico da Colômbia (XM, 2024), em abril deste ano os reservatórios hídricos registraram níveis inferiores ao 30%. Posteriormente, os reservatórios começaram a subir atingindo níveis de 50% nos últimos meses, mas ainda estão abaixo da expectativa.

Mesmo com baixos níveis nos reservatórios de água, não há risco no curto prazo para deixar de atender a demanda de energia da Colômbia. Diante desse cenário, a geração térmica e as fontes de energia renovável não convencionais são alternativas relevantes para atenuar a redução das chuvas. A principal consequência de dita situação tem sido nas tarifas de energia elétrica. Entre novembro de 2023 e maio de 2024, as tarifas mostraram um aumento associado ao fenómeno El Niño.

A longo prazo, um dos problemas estruturais que a Colômbia enfrenta é a forma de transportar energia, uma vez que em algumas zonas as redes atuais estão saturadas devido à falta de investimento, o que pode levar a cortes ocasionais (XM, 2023). Além disso, a entrada de novos projetos tem sido muito lenta, incluindo a produção solar e eólica, cenário que, se continuar, poderá levar a problemas para garantir o suprimento da demanda no final de 2025 ou início de 2026.

 

Considerações finais

Com o aquecimento global, os padrões climáticos foram alterados, com secas prolongadas que afetam diretamente a capacidade das hidrelétricas. A dependência destes dois países pela hidroeletricidade é um fator de vulnerabilidade, o que faz com que seja necessário avaliar outros cenários para gerar alternativas viáveis que garantam o suprimento de eletricidade.

É fundamental adotar medidas de longo prazo para diversificar e fortalecer o sistema energético do Equador e da Colômbia, garantindo assim um fornecimento elétrico confiável, sustentável e resiliente diante dos desafios das mudanças climáticas e das flutuações do mercado energético regional.

Também é essencial um trabalho integrado para preservar ecossistemas fundamentais para a produção e regulação da água e para a regulação do clima. No caso da Colômbia e do Equador, por exemplo, é necessário continuar a conservar ecossistemas como os páramos e as florestas andinas (The Nature Conservancy, 2023; WWF, 2024).

Justamente na 16ª edição da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP-16), que começou na semana passada na Colômbia, foram incorporadas na agenda discussões relacionadas com os sistemas energéticos e as transições.

 

Referências

CENACE, 2023. Informe anual 2023. Operador Nacional de Eletricidade – CENACE. Disponível em:  https://www.cenace.gob.ec/wp-content/uploads/downloads/2024/04/Parte-1-Informe-Anual-CENACE-2023.pdf

Juárez-Lucas, A.; Pérez, J.C; Cohen, H., 2024. Una mirada más de cerca a las sequías en América Latina y el Caribe. World Bank Blogs. Disponível em: https://blogs.worldbank.org/en/latinamerica/a-closer-look-at-droughts-in-latin-america-and-the-caribbean

The Nature Conservancy, 2023. Ecuador en la Vanguardia de la protección de los ecosistemas de agua dulce. Disponível em: https://www.nature.org/es-us/que-hacemos/nuestra-vision/perspectivas/ecuador-muestra-proteccion-ecosistemas-agua-dulce/

WWF, 2024. El nivel de los embalses en Colombia y su relación con el cambio climático y el fenómeno de El Niño. World Wildlife Fund (WWF). Disponível em: https://www.wwf.org.co/?387690/nivel-de-los-embalses-en-Colombia

XM, 2023. Señales de XM sobre el agotamiento de la red de transmisión de energía en algunas zonas del país e incremento de la demanda que, puntualmente, han superado las proyecciones de la UPME. Operador del Sistema Interconectado Nacional (SIN). Disponível em: https://www.xm.com.co/noticias/6026-senales-de-xm-sobre-el-agotamiento-de-la-red-transmision-de-energia-en-algunas-zonas

XM, 2024. Mapa Hidrología SIN. Sinergox.  Disponível em: https://sinergox.xm.com.co/hdrlg/Paginas/Informes/ReservasHidricasSIN.aspx

 

Poveda, Y. E. M. (2024). As hidrelétricas e a incerteza climática: a conjuntura atual do setor elétrico do Equador e da ColômbiaEnsaio Energético, 28 de outubro, 2024.

 

Autora do Ensaio Energético. Economista e mestre em Economia pela Universidade Nacional de Colômbia, sede Medellin, doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense e membro do Grupo de Energia e Regulação (GENER/UFF).

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