Ensaio Energético

Gás Natural: Um Recurso Estratégico para a Amazônia

A Amazônia Brasileira acumula uma ampla variedade de recursos energéticos, dentre os quais se destaca o gás natural. A título de exemplo, o estado do Amazonas compreende 10,8% das reservas provadas de gás convencional no Brasil (terra e mar) – cerca de 41 bilhões de m3 em dados de 2021 – sendo responsável pela maior produção onshore no país (ANP, 2022a) (Tabela 1). Esse recurso encontra-se concentrado, principalmente, em duas bacias sedimentares: do Solimões e do Amazonas, compreendendo partes do Amazonas e do Pará.

 

Tabela 1 – Produção de petróleo e gás natural por estado da federação, com destaque para o Amazonas

Fonte: ANP (2023).

 

As reservas de gás convencional da Bacia do Solimões (Figura 1) giram em torno de 38 bilhões de m3 (ANP, 2022b), enquanto que a média de seus recursos prospectivos tecnicamente recuperáveis de shale gas está avaliada em 113 bilhões de m3 (SCHENK et al., 2017). Por outro lado, a Bacia do Amazonas (Figura 2) possui 7 bilhões de m3 em reservas de gás convencional (ANP, 2022b); todavia, seus recursos médios de shale gas estão estimados em 934 bilhões de m3 (SCHENK et al., 2017).

 

Figura 1 – Localização e expectativa de ocorrência de petróleo e gás na Bacia do Solimões

Fonte: EPE (2021a).

 

Figura 2 – Localização e expectativa de ocorrência de petróleo e gás na Bacia do Amazonas

Fonte: EPE (2021a).

 

Os primeiros sinais desse potencial regional foram observados ainda no início do século XX, por meio de perfurações pioneiras na Bacia do Amazonas que resultaram, em 1930, na primeira declaração de ocorrência de gás em um poço na cidade de Itaituba (PA) (EIRAS, 2011). Já na “Era Petrobras”, deu-se a descoberta, em 1986, do primeiro campo comercial de óleo e gás da Amazônia – a Província de Urucu (AM), Bacia do Solimões – e dos campos gasíferos de Azulão (1999) e Japiim (2001), ambos na porção amazonense da Bacia do Amazonas.

Hoje, com os desinvestimentos da Petrobras em seus ativos terrestres e com a disponibilização de novos blocos exploratórios nas duas bacias, no Terceiro Ciclo da Oferta Permanente, consolida-se uma nova fase de desenvolvimento exploratório e produtivo na região. Isso pode ser constatado pelas recentes descobertas de gás nos blocos de Anebá (Bacia do Amazonas) e Juruá (Bacia do Solimões), bem como pela reativação das atividades no campo de Azulão, ambas empreendidas pela Eneva.

Mas quais os possíveis desdobramentos dessa nova fase (e do ainda inexplorado potencial para gás natural) para a Amazônia? E como aliá-los aos paradigmas da transição e segurança energética e do desenvolvimento sustentável? Para responder tais questionamentos, este artigo analisa as perspectivas para o gás natural de acordo com as interfaces entre os atuais panoramas econômico, energético e ambiental amazônicos, de modo a compreender qual a importância estratégica desse recurso para essa região.

Em primeiro lugar, retoma-se a discussão quanto ao atendimento de demandas industriais das atividades regionais de mineração e siderurgia; possibilidade, essa, ventilada com base no histórico de estudos prognósticos para a adoção do gás no Pará (LUCZYNSKI, 2013). Para a mineração, é pertinente observar o espectro de sua matriz energética – composto, em grande parcela, pelo óleo diesel (Gráfico 1), o que acarreta perdas de racionalidade energética em função da relação entre o rendimento da fonte e sua aplicação final (SANTOS, 2002).

 

 Gráfico 1 – Composição anual da matriz energética do Complexo Carajás (em GWh)

Fonte: Modificado de Vasconcelos, Jesus e Santos (2022).

 

Ainda nesse contexto, vale destacar os impactos ambientais associados a emissão de particulados finos provenientes da combustão do diesel (GOLDEMBERG; LUCON, 2012). A soma desses fatores viabiliza horizontes para o gás referentes a substituição energética, seja pela racionalização da oferta de energia, seja pela mitigação de emissões de gases do efeito estufa graças as suas operações de baixo carbono, o que tende a contribuir com as políticas de descarbonização de atividades industriais no Brasil.

Cenário oportuno semelhante é observado para a siderurgia, porém, em caráter não energético, visto o direcionamento do gás para a produção de alumina e ferro esponja; atendendo a fabricação de aço pela substituição do uso de ferro gusa em alto forno, reduzindo custos (FEIO, 2010). Tal conjuntura toma força pelos recentes movimentos para a introdução do gás no setor via suprimentos de GNL, os quais serão desembarcados em terminais planejados para o Nordeste paraense.

Paralelamente, a geração termelétrica regional também apresenta perspectivas atrativas para o recurso, considerando as iniciativas do MME referentes a contratação de usinas a gás para o suporte ao sistema elétrico da Amazônia. Ao examinar as projeções de EPE (2022) para o horizonte 2021-2031, é possível visualizar esse aumento da contribuição do gás natural para segurança operativa da matriz nacional e amazônica (Gráfico 2), sobretudo após as repercussões do “Apagão do Amapá”.

 

Gráfico 2 – Em laranja, projeção da demanda termelétrica de gás natural no horizonte decenal 2021-2031

Fonte: Modificado de EPE (2022).

 

Nesse âmbito, o gás apresenta, ainda, vantagens relacionadas a sua precificação atrativa, em relação a outras fontes, e seu fornecimento contínuo (SANTOS; PEYERL; NETTO, 2020), o que permite suporte à baixa cobertura local das fontes alternativas e ao impulsionamento da eletrificação interna – medida, esta, fundamental para a redução da dualidade social ocasionada pela falta de acesso a serviços energéticos adequados (GOLDEMBERG; LUCON, 2012).

Um reflexo disso pode ser verificado no caso de Roraima, com o direcionamento da produção do campo de Azulão para a Termelétrica Jaguatirica II, via GNL (Figura 3). Tal ação se deu pelo fato de o estado, não pertencente ao Sistema Interligado Nacional, permanecer sensibilizado por um abastecimento elétrico intermitente para cerca de 12 mil brasileiros (ONS, 2020), mesmo apresentando projeções de crescimento de consumo, carga e demanda para o período 2021-2025 (EPE, 2021b)

 

Figura 3 – Localização e rotas do Projeto Azulão-Jaguatirica

Fonte: Modificado de Nogueira e Neto (2022).

 

Mas não somente pelo GNL o gás amazônico pode se consolidar no setor termelétrico local. A possibilidade do implemento da tecnologia gas-to-wire pela Eneva para a monetização de suas reservas na Amazônia, após sua aplicação no Parque dos Gaviões (Bacia do Parnaíba), pode reduzir custos logísticos e fortalecer a oferta regional competitiva de energia. Isso diminuiria a dependência de importações, contornando, ainda, a flutuação de preços pela geopolítica externa (RIBEIRO, 2023).

Por fim, porém não menos importante, o aproveitamento deste recurso tende a contribuir para o desenvolvimento de regiões amazônicas fragilizadas dos pontos de vista social e econômico, partindo do repasse de royalties para os municípios contemplados pelas atividades de exploração e produção, como analisado por Netto (2022) para o município de Santo Antônio dos Lopes (MA), economicamente beneficiado pelas operações advindas do gás convencional do Parque dos Gaviões.

Ao analisar esse conjunto de perspectivas, é plausível inferir ao gás natural o papel de motor para mudanças nos paradigmas energético, econômico, social e ambiental da Amazônia. Especialmente para esse último, é fundamental destacar as possibilidades técnicas para mitigar os impactos de suas atividades, levando em consideração a sensibilidade socioambiental da região. Arranjos tecnológicos associados ao Carbon Capture, Utilization and Storage podem auxiliar na descarbonização não só de etapas de E&P, mas, também, na produção de energia e nas atividades industriais citadas.

Mais que isso – a introdução do gás no setor termelétrico pode impulsionar a conversão das atuais usinas regionais movidas a diesel, fortalecendo, em maior escala, a relação entre segurança e transição energética. Seja na produção de energia ou como insumo industrial, a valorização e aplicação dos recursos e reservas amazônicas de gás natural, em prol do desenvolvimento regional sustentável, apontam para um modelo atrativo e estratégico para a Amazônia e para o Brasil.

 

Referências

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (ANP). Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2022. Rio de Janeiro, 2022a.

________. Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural. Rio de Janeiro: ANP/SDP, 2022b. Número 142.

________. Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural (agosto/2023). Rio de Janeiro: ANP/SDP, 2023. Número 156.

EIRAS, J. F. Roteiro geológico do vale do rio Tapajós, borda Sul da Bacia do Amazonas, município de Itaituba. Pará, Belém: HRT Oil & Gas. 2011. Relatório técnico interno.

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Zoneamento Nacional de Óleo e Gás. Rio de Janeiro: EPE/MME, 2021a.

________. Planejamento do Atendimento aos Sistemas Isolados Horizonte 2025 – Ciclo 2020. Rio de Janeiro: EPE/MME, 2021b. 58p. Nota técnica EPE-DEE-DEA-NT-001/2021-r0.

________. Plano Decenal de Expansão de Energia 2031. Brasília: Ministério de Minas e Energia/Empresa de Pesquisa Energética, 2022.

FEIO, E. S. O Uso de Gás Natural como Insumo à Produção de Alumínio/Alumina na Indústria Paraense. 2010. 29 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Geologia) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2010.

GOLDEMBERG, J.; LUCON, O. Energia, meio ambiente e desenvolvimento. 3 ed. São Paulo: EDUSP, 2012.

LUCZYNSKI, E. A Oferta de Gás Natural ao Estado do Pará: uma discussão a respeito de alternativas e dos impactos socioeconômicos. 2013. 33 f. Oficina sobre Insumos Energéticos ao Pará (P&G). Universidade Federal do Pará, Pará, 2013. Nota técnica.

NETTO, L. A. Análise de impacto socioeconômico da produção de gás natural em terra a partir do estudo de caso de Santo Antônio dos Lopes/MA. Ensaio Energético, Rio de Janeiro, 19 set. 2022. Disponível em: https://ensaioenergetico.com.br/analise-de-impacto-socioeconomico-da-producao-de-gas-natural-em-terra-a-partir-do-estudo-de-caso-de-santo-antonio-dos-lopes-ma/. Acesso em: 22 set. 2022.

NOGUEIRA, R. J. B.; NETO, T. O. A geografia do gás na Amazônia brasileira. Revista Tempo do Mundo, n. 27, p. 355-384, 2021.

OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS). Plano Anual da Operação Energética dos Sistemas Isolados para 2021 – PEN SISOL 2021. Rio de Janeiro: ONS, 2020. 71p. Relatório técnico DPL-REL-0250/2020.

RIBEIRO, L. Gás não-convencional: a soberania energética esquecida no interior do Brasil. Ensaio Energético, Rio de Janeiro, 6 fev. 2022. Disponível em: https://ensaioenergetico.com.br/gas-nao-convencional-a-soberania-energetica-esquecida-no-interior-do-brasil/. Acesso em: 6 fev. 2022.

SANTOS, E. M. Gás natural: estratégias para uma energia nova no Brasil. São Paulo: Annablume, 2002.

SANTOS, E. M.; PEYERL, D.; NETTO, A. L. A. (Org.). Oportunidades e desafios do gás natural e do gás natural liquefeito no Brasil. 1 ed. São Paulo: São Paulo, 2020.

SCHENK, C. J. et al. Assessment of continuous oil and gas resources of Solimões, Amazonas, and Parnaíba Basin Provinces, Brazil, 2016. US Geological Survey Fact Sheet, v. 3009, n. 1, 2017.

VASCONCELOS, J. A.; JESUS, R. G.; SANTOS, Y. C. S. Panorama do consumo energético na produção brasileira de minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero. Latin American Journal of Energy Research, v. 8, n. 2, p. 37-48, 2021.

 

Sugestão de citação: Cardoso, G. C. (2023). Gás Natural: Um Recurso Estratégico para a AmazôniaEnsaio Energético, 16 de outubro, 2023.

Gabriel Lobato Cardoso

Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Energia do IEE-USP e bacharel em Geofísica pela UFPA. Atua no Grupo de Pesquisas em Armazenamento Geológico de Carbono (CCS-USP) e no Grupo de Estudos em Petróleo e Gás na Amazônia (PGA-UFPA). É Sócio-Proprietário da Geoenergy Educ.

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Lorena Trindade
Lorena Trindade
6 meses atrás

Parabéns! Muito bom o artigo, espero ler outros desse autor por aqui. Extremamente necessário esse tipo de abordagem sobre as perspectivas dos recursos naturais da Amazônia.

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